A RBS e a fábula do Pinóquio

23 novembro 2010


Os veículos do Grupo RBS têm se aprimorado em copiar fábulas. O personagem Pinóquio é presença recorrente em setores da mídia brasileira, e ali não é diferente. Nesse caso, não apenas pelo nariz que teima em crescer, deixando à mostra, cada vez mais, sua forma de fazer jornalismo.

Mas nos últimos dias o jornal Zero Hora assumiu o papel de autor de fábulas, novas versões do Pinóquio. Além das dificuldades em falar a verdade, esteve presente um elemento digno dos mais criativos escritores – ou nem tanto: objetos inanimados ganhando vida. Da mesma forma encantada pela qual Pinóquio virou um menino, uma pedra virou assassina e um carro teve problemas de labirintite.
A referida pedra é o crack, uma droga poderosíssima, altamente destrutiva e que vem ganhando espaço na sociedade brasileira, especialmente entre as classes mais baixas, entre os marginalizados. Em parceria com outras instituições, o Grupo RBS está criando o Instituto Crack Nem Pensar. Capa especial, capa, reportagem especial e editorial para o assunto (AQUI apenas o texto principal). E dois pontos se destacando em todo o conteúdo: a pedra como a culpada por seu consumo e os consumidores como culpados pela violência. É a criminalização da droga e do drogado, deixando passar incólumes os motivos pelos quais esses dois elementos se encontram.
O foco todo da matéria é mostrar como os crimes de roubos e furtos foram reduzidos e as ações da polícia “contra o crack” foram intensificadas. Um dos dados, o de maior crescimento, diz que a prisão por posse de crack aumentou 16,9% no último ano. O que a reportagem mostra mas não comenta, passa por cima na hora de interpretar, é que, no período em que a campanha institucional do Grupo RBS chamada de “Crack nem pensar” atuou, o que mais cresceu foi a repressão aos usuários e o medo da sociedade frente a cada pessoa em situação de rua que se aproxima.
O crack deve ser combatido, sim, mas deve ser combatido o tráfico de drogas e a situação em que vivem as pessoas que o utilizam. O crack não é uma droga leve, não deve ser aceito em hipótese alguma, mas a invasão da “pedra maldita” nas ruas do Brasil tem muito a ver com a exclusão social, apenas aprofundada pela abordagem da RBS, que criminaliza, separa, causa medo e repulsa.
Ao mesmo tempo, outra fábula foi cunhada a partir de um acontecimento real no bairro Cidade Baixa, um dos principais redutos da boemia porto alegrense. O fato verdadeiro é narrado pelo site do Correio do Povo: “Mulher bate caminhonete contra sete veículos em Porto Alegre”. A mulher era uma juíza aposentada. O CP explica o que houve, ainda que não cite o nome da juíza:
Ao ser abordada por um policial que participava de uma barreira de fiscalização na rua José do Patrocínio, nas imediações do Bar Opinião, ela teria arrancado, saído em disparada pela Joaquim Nabuco, atravessando a José do Patrocínio e atingido o primeiro carro, segundo a Brigada Militar.

A Zero Hora, porém, além de também não citar o nome da juíza, dá asas à imaginação e, como no filme da Disney / Pixar, os carros ganham vida. Veja o título da matéria de Zero Hora ponto com: “Carro desgovernado bate em pelo menos sete veículos no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre”. Em seguida, a abertura do texto: “Um automóvel Kia Sorento desgovernado bateu em pelo menos sete veículos”. As informações do site do Correio do Povo simplesmente não existem na matéria da Zero Hora. 
Motorista conhecida da casa? É possível. Ah, se fosse um analfabeto dirigindo…aí ia ser uma gritaria de Luiz Carlos Prates, David Coimbra e outros defensores da tese de que quem a violência no trânsito é causada pelos pobres…

Nos dois casos tratados neste texto, aconteceu o mesmo tipo de coisa. Como Pinóquio, o nariz da Zero Hora cresceu. Como na fábula, algo inanimado ganhou vida. Resta saber se, na etapa seguinte, o Pinóquio somos nós, leitores, manipulados através de cordinhas de náilon. Ou se seremos meninos de verdade.
Postado por Alexandre Haubrich

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