A escrita hermética que nos consome

1 fevereiro 2011

O artigo a seguir é uma colaboração especial de Luciano Viegas*
Paulo Francis, um dos jornalistas brasileiros mais influentes do século passado, declarou, pouco tempo antes de morrer: “a nossa imprensa está cada vez mais careta e reacionária, do ponto de vista formal. Estão adotando todas as palavras difíceis [...], tudo o que o Pasquim desfez, eles tão refazendo”.
A grande mídia é tão homogeneizada que, além do conteúdo produzido pelos veículos ser todo muito semelhante, tudo é exposto praticamente da mesma forma, como se houvesse um padrão de escrita jornalística a ser respeitado – e há, a começar pelo ensino, nas faculdades, do lead e da estruturação “correta” do texto.
A linguagem é o grande alicerce do jornalismo, temos a obrigação de ser compreendidos por todos os leitores, não é? O que preocupa não é perceber esse excesso de formalidade na grande mídia tradicional, que, sabemos, é porta-voz da elite letrada que nesse momento saboreia uma Lagosta À Belle Munier, enquanto questiona ao mordomo qual será a próxima refeição.
O problema é encontrar a mesma leitura burocrática em veículos que se propõem diferenciados. Quem agüenta ler seis páginas em letras miúdas sobre “o mal dos transgênicos”, com aquelas palavras complicadas, termos científicos, nomes de bactérias e cálculos logarítmicos da economia global? Foi essa a sensação que tive ao ter a última Le Monde Diplomatique em mãos – e espero realmente que tenha sido a última.
A “grande mídia alternativa” (Le Monde, Caros Amigos, Carta CaPTal, etc) em nada se difere da grande mídia tradicional, e tem um público muito seleto, composto pela elite da elite da esquerda, que neste momento degusta um caviar iraniano, enquanto procura em Marx a redenção dos pobres.
Essa linguagem hermética contrasta com a própria ambição histórica dos movimentos de esquerda de inserir o povo na base do processo de transformação da sociedade. Méritos ao Diário Gaúcho, entre outros, que soube aliar uma linguagem popular a um preço popular, ainda que com um conteúdo medíocre. O jornalismo alternativo sequer se constitui numa alternativa de fato. Ainda nem estamos na briga.
O Jornalismo B vem insistindo desde sua criação que algo novo precisa ser construído. Ainda não descobrimos uma forma realmente eficaz e viável de proceder. No entanto, tenho a certeza de que é preciso repensar a linguagem, não limitar a criatividade, permitir as experimentações, voltar a usar o humor como ferramenta. Enfim, fazer tudo novo – a começar por reescrever esse texto.
qq vcs acham?
(@lucintheskai) é estudante de jornalismo da UFRGS.

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