Onde está a direção revolucionária?

José Arbex Jr. (Originalmente publicado na Caros Amigos / Dez.2008)

Nenhum setor escapa. Óbvio que o impacto é diferenciado. Alguns reagem e até conseguem transformar a crie em lucro. Os bancos brasileiros se dizem “saudáveis” (pudera: a agiotagem, a pilhagem e o roubo permitidos e assegurados por sucessivos governos federais, de Collor a Lula, dão-lhes lugar único no planeta. Vale a sentença de Lênin: assaltar um banco é nada comparado com fundar um).

Mas, no geral, há consenso mesmo entre economistas liberais: a catástrofe é mais grave que a de 1929. O que todos sabem, mas poucos afirmam, é que a crise do capital foi produzida pela infinita voracidade do próprio capital, confirmando, uma vez mais, o diagnóstico de Marx sobre os limites do capitalismo.

Não há novidade no fato de que a necessidade da busca permanente do aumento de lucros leva o capital a aventuras cada vez mais destrutivas, com as guerras. A “novidade” consiste nas proporções da destruição possível: graças aos avanços tecnológicos, atingiram dimensões titânicas, pois dotam o capital do poder de: transformar radicalmente a paisagem natural (basta pensar no buraco da camada de ozônio); desafiar os limites impostos por bilhões de anos do processo evolutivo (transgênicos, que eliminam a fronteira entre os reinos naturais); e aniquilar a vida sobre o planeta (a capacidade mortífera demonstrada em Hiroxima e Nagasáqui não passa de brinquedo comparada ao poderio contemporâneo). Debate-se o conceito de “antropoceno”, a idéia de que a ação humana pode, finalmente, alterar o ecossistema planetário, à semelhança dos cataclismos que marcaram a divisão entre as eras.

Sob o domínio do capital, ciência e técnica deixaram de ser forças produtivas. São destrutivas. Seu desenvolvimento não se volta para o bem-estar da principal força produtiva, o trabalhador, a maioria, mas para sua destruição. Como mostra um dado dramático, divulgado pela 5ª Conferência Internacional da Via Campesina, que reuniu 600 militantes de 60 países, entre 16 e 23 de outubro: A produção mundial de grãos 2007/2008 está estimada em 2,1 bilhões de toneladas, um aumento de 4,7% em relação à safra anterior. Estatísticas da ONU mostram que, no início dos anos 1950, 2,5 bilhões de seres humanos dispunham, em média, de 2.450 calorias diárias; em 2000, 6 bilhões tinham à disposição, em média, 2.700 calorias. A extensão de terras aráveis e culturas permanentes passou de 1,33 bilhão para 1,5 bilhão de hectares, ao passo que a área de superfície irrigadas mais que triplicou (de 80 milhões para 270 milhões de hectares). Apesar disso, o número de pessoas com fome cresceu até alcançar a cifra de 1 bilhão.

Como explicar? Infelizmente, é simples: comida virou commodity, artigo de especulação negociado nas bolsas, ainda mais quando parte dos grãos vai produzir combustíveis. Observa-se a mesma lógica predatória em todos os setores. O capitalismo já demonstrou que pode apenas prometer mais destruição. E, contudo, sua atual crise foi produzida por mecanismos inerentes ao seu funcionamento, sem participação do movimento de massas ou, muito menos, de setores influentes da esquerda. A esquerda foi reduzida a observadora, enquanto os senhores das finanças decidem.

Nisso há uma diferença crucial em relação a 1929: a Revolução Russa estava no auge, e os Estados Unidos eram palco de greves e manifestações de massa. Ao ser acusado de “comunista” pelos republicanos, para quem o New Deal era sinônimo de coletivização, Franklin Roosevelt disse que ele era o verdadeiro capitalista, pois se deixasse o mercado resolver por si só a Depressão, arriscava abrir uma avenida para a revolução socialista no país. Hoje, uma parte da antiga esquerda foi corrompida, absorvida pelo Estado, e constitui força auxiliar do capitalismo, na missão de “acalmar” os trabalhadores, tirar do horizonte toda perspectiva de revolução e convencer a todos de que bolsas compensatórias é o máximo a que a juventude e os trabalhadores podem aspirar.

Bolsas compensatórias, quando o planeta caminha para o precipício. A crença de que a estabilidade do capitalismo tende ao infinito, de que nada conseguirá transformar o mundo, após três décadas de neoliberalismo, age como estupefaciente, até mesmo sobre lideranças combativas, que hoje fazem do socialismo mais profissão de fé, um mantra esvaziado de sentido, do que um norte político. A contrapartida da prostração é a constatação de que vivemos, nas duas últimas décadas, um refluxo do movimento de massas. A obviedade, anunciada sempre em tom solene, junto com a explicação de que a “correlação de forças” é desfavorável, acaba servindo como justificativa, estribilho de uma canção de ninar para crianças inquietas, e assim evitar qualquer passo ousado, ruptura com a ordem estabelecida (mesmo quando ela agoniza). A esquerda submete-se a uma subjetividade derrotada, antes mesmo de iniciar o bom combate.

A crise demonstra mais uma vez, e com dramaticidade ímpar, que as condições objetivas estão dadas para sua superação, se concordarmos com a análise de Marx sobre a natureza do jogo estabelecido entre o modo de produção e forças produtivas. O modo de produção do capitalismo não é mais capaz de oferecer solução aos desafios da humanidade, e a crise atual só demonstra isso. Trabalhadores, juventude, mulheres, vítimas do racismo, famílias envidadas – todos sentem isso. Falta “apenas” a direção revolucionária para dar um sentido ao combate, oferecer alternativa às bolsas compensatórias e à perspectiva social-democrata. Sem sua direção, os trabalhadores até derrubam De La Rua, mas empossam Kirchner; derrotam Bush, mas acreditam em Obama; odeiam os tucanos, mas enxergam só o Lula.

Onde está nossa direção revolucionária?

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