Por que não lavar a louça.

Uma rádio aqui do Rio Grande do Sul mandou as mulheres que reivindicam seus direitos irem lavar a louça. Não me surpreende vindo do radialista de que veio nem da rádio em que ele trabalha. Não esperei outra coisa. Achei que demorou.

Vi muitas respostas eloquentes e bem escritas a esse jornalista, mas, com o devido respeito às minhas colegas e aos meus colegas feministas, acho que faltou uma coisa: faltou falar curto e grosso. Um dos problemas do nosso movimento é que muitas vezes ele não sabe se traduzir para o senso comum. Vou tentar fazer isso agora:

Caro Alexandre Fetter,
A tua pergunta foi muito pertinente: como tu vai respeitar alguém que se autointitula vadia? Pois é, tu não sabe. Eu não exijo que tu saiba. É por isso que participei da marcha, é por isso que tantas pessoas marcharam comigo, em todos os cantos do Brasil: é para que tu aprendesse. Pra tu aprender a respeitar uma mulher vadia.

Claro, estou ignorando o erro técnico da tua pergunta para expor a premissa mais básica; agora vou retomar para esclarecer: não há mulher no mundo que se autointitule vadia. Gente como tu e os teus colegas fazem isso primeiro. Gente, vou ser justa, como todas as que encontro pelo meu dia, do início da manhã até o meio da madrugada, quando vou dormir. As mulheres que gritaram e se pintaram de vadias nas marchas pelo Brasil e pelo mundo só repetiram o que estão ouvindo, em muitos casos, desde a tenra infância: que não ser a mulher que os outros querem é ser vadia, é ser puta, é ser vagabunda.

Por isso, Fetter, a tua pergunta começa errada, ainda que, repito, seja pertinente, tenha ido ao cerne da questão. Não dá pra respeitar uma mulher que se autointitula vadia por dois motivos: tu não aprendeu em nenhum momento da tua vida a respeitar uma mulher independente da vida sexual dela e também porque é impossível uma mulher se autointitular vadia. Não dá tempo, entende? Antes dos meninos terem medo de serem os viadinhos da turma, nós aprendemos que não podemos ser vadias - e ser vadia é fazer qualquer coisa que um homem não goste. É dizer não. É dizer sim. É dizer talvez. É chamar de amigo. É querer dar. É gostar de mulher e de homem. É gostar só de mulher. É usar uma roupa muito curta. É usar uma roupa muito comprida. Tu não faz ideia do que é ser julgado por absolutamente tudo que tu faz, usa ou decide fazer só por causa do teu gênero; e, mesmo assim, faz piadas sobre essas coisas que não entende.

E, cara, tu nunca vai entender. Não é tua culpa tu nunca entender. Tu não tem como mudar isso. É tua culpa exigir das mulheres que sejam o teu arquétipo de mulher perfeita — não venha dizer que não exige, porque sou ouvinte passiva do Pretinho Básico — e depois dizer que não respeita as que são vadias. E isso não é piada, meu velho. Piada é a piada velha do Porã... o que tu fez tem outro nome, que tu sabe bem qual é.

Espero que ano que vem, ao invés de citar a Globo nas palavras de ordem, não precisemos gritar "E aí, Atlântida, qual é a piada? Machismo mata, não é palhaçada".

Aquele abraço.
Julia 
http://feminerds.blogspot.com.br/2012/05/por-que-nao-lavar-louca.html

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