por Mariana Sá, com coleboração de Tais Vinha e Ivana Luckesi
Entenda porque vivemos um momento singular e decisivo para as entidades de proteção à infância e porque o mercado publicitário se esforça por influenciar a opinião pública sobre a não necessidade de novas leis que regulem a publicidade infantil. Queremos compartilhar o que aprendemos sobre o que precisa ser feito por nós para uma Infância Livre de Consumismo.
Como é hoje?
Além do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária – CBARP existem mais três diplomas normativos que oferecem proteção à criança e ratificam a sua situação única de indivíduo em fase de formação, reconhecendo-a com mais vulnerável que os adultos em relação à publicidade e propaganda. São elas: a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente o Código de Defesa do Consumidor.
Todo o marco legal que busca coibir os abusos em relação à comunicação tem como base princípios éticos e regras gerais, que não são obedecidos por muitos anunciantes, especialmente porque o principal dispositivo legal que regula exatamente as mensagens mercadológicas dirigidas às crianças é um Código de Ética e não tem força de lei.
Por não ter força de lei, o CBARP pode apenas recomendar a suspensão da campanha, nada mais. Além disso, os anunciantes interpretam estes princípios de acordo com seus interesses mercantis, dando pouca ou nenhuma importância à possibilidade de causar prejuízos às crianças brasileiras.
Que Projeto de Lei é esse de que tanto falamos?
O Projeto de Lei (PL) 5.921, foi apresentado em 2001, pelo Deputado Luiz Carlos Hauly, com a intenção de inserir um novo texto no Código de Defesa do Consumidor. A proposta original era proibir a publicidade de produtos infantis.
Este PL passou então pela Comissão de Defesa do Consumidor (CDC) da Câmara. A relatora, Deputada Maria do Carmo Lara, apresentou um texto substitutivo e foi aprovado.
O grande ganho desse texto é que ele compreendeu que apenas restringir a publicidade dos produtos infantis não resolveria o problema, uma vez que a publicidade de produtos adultos também é direcionada para as crianças. E não haveria motivos para restringir a comunicação se o produto infantil fosse anunciado aos pais. É um texto bastante completo, que define o que é uma mensagem dirigida às crianças e inclui punições. Apesar da aprovação da CDC, foi considerado extremamente radical pelo mercado.
O PL da relatora Maria do Carmo Lara foi encaminhado para a Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC). Lá, o relator, deputado Osório Adriano, apresentou um novo substitutivo. Esse novo texto retorna às intenções do PL original e apenas redefine genericamente o que é uma mensagem considerada abusiva, dentro do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, sem inclusão de nenhuma penalidade para o descumprimento. O texto do deputado é aprovado pela CDEIC em 2009 e encaminhado para a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) onde está até agora.
Em 2010, deputado Bilac Pinto, então relator do PL 9521/2001, apresentou um novo substitutivo, que representa um meio termo, uma espécie de negociação entre o mercado e o movimento social. Não atende exatamente às demandas da sociedade civil, mas também não agrada ao mercado. Mesmo assim, consideramos o conteúdo um avanço na questão da proteção à infância, tendo mais viabilidade para ser aprovado, do que o primeiro substitutivo.
Contudo, em 2010, o parlamentar não foi reeleito e este texto se perdeu. Agora, o novo relator da CCTCI, o Deputado Federal Salvador Zimbaldi, poderá ou não apresentar um novo texto, aproveitando ou não elementos desse texto do deputado Bilac Pinto ou dos anteriores.
Após análise e aprovação na CCTCI, o PL passará pela Comissão de Constituição e Justiça, que avaliará a constitucionalidade do texto.
Aqui há um fator importante: a CCJ normalmente trabalha em cima do texto aprovado na última comissão. Por isso, este texto da CCTCI que está em aberto é tão importante.
Por este motivo, o mercado publicitário se interessa por influenciar a opinião pública sobre a responsabilidade exclusiva da família em mediar o consumo de mídia junto aos filhos e tentar incutir entre nós, pais e mães, os argumentos sobre a tutela estatal sobre as famílias, a censura da livre expressão comercial e a inviabilidade econômica da programação infantil.
Por isso, precisamos lutar para que esse texto contemple a proteção da infância.
Porque gostamos deste texto perdido?
Primeiro porque o texto Bilac Pinto está em perfeita harmonia com os demais diplomas de proteção à infância e ao consumidor (CF, ECA e CDC), em prevendo a aplicação subsidiária desses dois diplomas no seu artigo 10. Isto interessa especialmente a pais, mães e cidadãos preocupados com o futuro.
Além disso, o texto é objetivo; declara, de cara, a vulnerabilidade das crianças e adolescentes, chamando a atenção para que essa questão seja considerada (art. 2º); define, claramente, a propaganda comercial que pode ser nociva à saúde física e mental de crianças e adolescentes (art. 3º); caracteriza o que é a “propaganda comercial dirigida majoritariamente a crianças e adolescentes”, trazendo hipóteses amplas (o que é bom, porque fecha o cerco) e exigindo a presença de apenas uma delas para configurar esse tipo de propaganda.
Estamos convencidos que a aprovação de uma Lei com um conteúdo como este vai ampliar as possibilidades de controle, porque quem vai fiscalizar o cumprimento da lei e aplicar as sanções administrativas serão os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, a exemplo dos PROCONs, que seria a autoridade responsável pelo processo administrativo correspondente e não um Tribunal de Ética composto, em sua maioria, pelos maiores interessados no incentivo ao consumo.
Vai facilitar, também, a fiscalização pela sociedade, porque será muito mais fácil denunciar perante um órgão que já se conhece e se confia, de amplo acesso ao consumidor, sem embargo das possibilidades de discussão pelo Ministério Público e da apreciação pelo Poder Judiciário.
O aprendemos neste mês de militância?
Na longa jornada que um projeto de lei percorre até ser ou não votado, as comissões tem autonomia para modificar ou substituir os textos, sem necessariamente aproveitar os relatos das comissões anteriores. Por exemplo, o texto da deputada Maria do Carmo Lara pode ser completamente esquecido se nenhum deputado resolver puxar elementos dele na última comissão. Como este texto que gostamos não está em jogo, a prioridade agora é colocá-lo de volta na mesa. Tudo depende da influência que o mercado publicitário, as entidades de proteção à infância e, principalmente, a opinião pública possam exercer sobre os congressistas. Atenção: a opinião pública somos nós!
No nosso ponto de vista existem quatro prioridades:
A primeira é assumirmos que a autorregulação nos moldes atuais não funciona. E o controle da publicidade infantil passe a ser de toda sociedade e não apenas de publicitários e anunciantes.
A segunda é que a restrição seja em relação ao público-alvo da mensagem. Assim, a comunicação dos produtos, independente de serem infantis, deverá ser direcionada aos adultos responsáveis pela compra e não aos pequenos, não prejudicando assim a cadeia produtiva ou o mercado publicitário.
A terceira é que sejam criadas regras mais explícitas que as atuais. Por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor prevê que a publicidade que se aproveita da ingenuidade da criança pode ser considerada ilegal. No entanto, não fica claro o que significa “se aproveitar da ingenuidade da criança” e isso dá margem a diversas interpretações.
A quarta é estabelecermos punições rigorosas para anunciantes, agências de propaganda e veículos que desobedecerem a Lei. A contrapropaganda (veiculação de mensagem que repare a comunicação inadequada, na mesma frequência, nos mesmos programas e com o mesmo investimento feito anteriormente) é uma boa penalidade, pois a reparação é proporcional ao dano.
Proteger a infância é dever não apenas dos pais, mas de toda a sociedade.
Tutela significa proteção. O maior argumento dos publicitários é que a aprovação de uma lei como esta significaria admitir que o Estado é quem tutela as crianças. Pois sim! Nesse sentido, consideramos que proteger a criança é papel, também, do Estado. E cabe a este, ainda, a tutela administrativa das relações de consumo, no sentido de fazer valer as regras de proteção ao consumidor (e aqui seriam alcançados os publicitários, as empresas, fornecedores, veículos etc.).
Não é tampouco, uma tentativa de censura: limites para a liberdade de expressão comercial de produtos lícitos já existem para outros setores que reconhecidamente causam prejuízos à sociedade. A liberdade de expressão comercial não pode e não deve ser confundida com liberdade de expressão e com o livre pensamento, estes sim inalienáveis!
É natural que o mercado não queira interferências, afinal o setor infantil vale bilhões. Mas a causa que nós, pais e mães, defendemos é ainda mais valiosa: a dignidade e o futuro dos nossos filhos.
Nós, mães e pais, temos o direito soberano de educar nossos filhos, sem que nossos valores tenham que competir, muitas vezes em desigualdade, com os valores sedutores das mensagens publicitárias. Queremos mais equilíbrio nessa relação.
Nós, mães e pais, temos também o direito de participar de qualquer discussão que envolva nossas crianças, sem que nossa opinião seja minimizada, ridicularizada ou desmerecida.
Nossa missão é acompanhar de perto os caminhos do PL 5921/2001, aprender mais sobre publicidade infantil, compartilhar experiências e desmistificar as bravatas feitas por quem quer que seja, nem que isso leve mais dez anos.
(*) Mariana Sá é publicitária, mãe e escreve no blog viciados em colo, Tais Vinha é mãe e escreve no blog Ombusdsmãe, e Ivana Luckesi, é advogada, mãe e escreve no blogCoisa de Mãe. As três são colaboradoras da Comunidade Infância Livre de Consumismo.
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