O MASCULINISMO COMO ELE É

 

"Aquele lá é um mascu", sussurra a amiga. "Eca", responde a outra.

Nesta segunda a BBC traduziu do inglês pro português um artigo que foi logo republicado pelos principais jornais do país, como Estadão e Folha. O assunto? Masculinismo. Quer dizer, masculinismo como o paraíso na Terra, mais ou menos como aparece na página da Wikipedia (onde não há uma só crítica).
Eu sempre digo que o masculinismo teria razão de existir se fosse para rediscutir o papel do homem na sociedade e o conceito ultrapassado do que é visto como masculinidade. É péssimo (pros homens e pras mulheres) esse conceito arcaico de homem provedor, homem pegador, homem que precisa tomar a iniciativa nos relacionamentos e sair com quantas mulheres puder para não ser chamado de brocha ou v*ado, homem que não pode chorar, homem que aprende a resolver conflitos na base da porrada. 
Sou totalmente a favor do fim do serviço militar obrigatório, de campanhas que incentivem os homens a fazer exame de toque pra detectar câncer de próstata, da pílula anticoncepcional masculina, do homem ter tanta responsabilidade quanto a mulher para evitar a gravidez e para criar a prole, do combate ao estupro nas cadeias, de homens não serem pintados pela mídia como babacas inúteis incapazes de manejar um aspirador em pó, de homens não sofrerem preconceito se escolherem profissões predominantemente femininas (professor de séries iniciais, enfermeiro, empregado doméstico etc).
Mas preste atenção nesta grande revelação: nenhum dos sérios problemas descritos acima foi criado por feministas em particular ou por mulheres em geral. São tradições e velhos preconceitos que se perpetuam no sistema e ideologia que nós feministas combatemos: o patriarcado, o machismo. Ou seja, se o masculinismo realmente se opusesse a esses problemas, lutaria contra o patriarcado e o machismo.
Mas não. O que fazem os mascus? Inventam que o patriarcado acabou, e que agora vivemos num matriarcado (ou, como dizem alguns mais graciosamente, numa “sociedade b*cetista”). Negam que mulheres, gays, negros, sejam grupos historicamente discriminados. Juram que a verdadeira vítima hoje em dia é o homem branco e hétero. E elegem as feministas como suas inimigas número 1. Ou as mulheres (eles consideram que toda mulher é feminista).
Uma das centenas de diferenças entre feministas e masculinistas é de cunho ideológico. Enquanto feministas somos em grande parte de esquerda e lutamos para transformar o mundo, 99% dos masculinistas são de (extrema) direita. E não querem mudar o mundo -– querem voltar atrás. Querem voltar à década de 1950, quando eles não competiam com as mulheres (que, segundo eles, não trabalhavam fora. Mulheres pobres sempre trabalharam fora, mas para mascus, pobres não existem), quando eram os únicos provedores da casa, quando as mulheres “prestavam”, quando não existia essa porcaria de divórcio, que, junto com o feminismo, chegou para destruir as famílias de bem.
Outra diferença é que nós feministas temos orgulho de lutar pelas nossas causas. A maior parte de nós têm nome e rosto. Já os mascus... Como levar a sério um movimento que se esconde por trás de pseudônimos como ArlindãoViril, Puscifer Casey, Enigmático e Realístico, Barão Kageyama e Lobo Sagrado? Não é só no Brasil que eles são usam nomes fake ou são anônimos. Nos outros países também. É só ver quem o artigo da BBC menciona. Tente encontrar esses caras. O sul-africano não existe. Se você digitar o nome do americano no Google, encontrará uma foto dele com metade da cabeça raspada, metade cabeluda, uma imagem mandando o feminismo se fu, e um artigo em que ele chama os indianos de lixo. Um líder nato.
Aqui no Brasil, os mascus idolatram um guru que até hoje ninguém sabe se, antes de desaparecer, estava tirando uma da cara deles. Eles já tentaram bolar um movimento. Fizeram até um logo. É este:
Pausa pra rir. Uma porta com um pênis ereto, é esse o símbolo deles? Eu juro que não invento essas coisas! Não tenho criatividade pra tanto.
Os mascus alegam que escondem rosto e nome porque vivem num matriarcado, e, se espalhassem seus ideais a quatro ventos, seriam despedidos de seus empregos por suas chefas mulheres (se tem um lugar onde mulheres estão em posição de poder é no mundo mascu). 
Mas eles mesmos dizem que não se deve falar sobre masculinismo com ninguém, inclusive com amigos de longa data e familiares, porque são logo taxados de loucos, misóginos, e pega-ninguém. Isso porque eles adotam um vocabulário próprio como mangina (pior insulto pra homem, mistura de homem + vagina), matrix, metendo a real, feminazis, gayzistas, GPs (garotas de programa), civis (todas as mulheres que não sejam GPs), e vadias (todas as mulheres). Isso os mascus mais educadinhos. Os mais extremistas -– e o que varia entre uma e outra facção é apenas a intensidade do ódio -– preferem termos como merdalheres e bostalheres. Esses são os mascus sanctos. Dois de seus líderes estão presos por fazerem ameaças e manterem um blog de ódio em que propõem estupro corretivo para lésbicas, sexo com “novinhas” (meninas com até 12 anos), morte a mulheres, gays e negros, e atentado a bomba no centro de ciências humanas da UnB, para assim eliminar vadias e esquerdistas.
Sim, nossos mascus, esses seres pacíficos que, a julgar pela matéria da BBC, apenas querem lutar por seus direitos, têm ligação com o massacre de Realengo. Em quase todos os crimes recentes de ódio contra mulheres há um dedo mascu. O atirador de Oslo, Noruega? Confere. O americano que abriu fogo numa aula de aeróbica, matou três mulheres e feriu nove? Confere. Outro que separou meninas de meninos numa comunidade Amish e matou as meninas? Confere. O assassino do Massacre de Montreal, que matou 14 mulheres e feriu outras dez (e quatro homens)? Confere. A lista é longa. Esta é apenas uma amostra grátis.
E os mascus que não pegam em armas para matar mulheres? Bom, esses, além de tentar justificar os massacres citados, também defendem outros crimes. Uma das maiores vozes do masculinismo americano (lá chamado Men's Rights Activists, ou MRA) disse que, se fosse chamado para ser jurado num crime de estupro, mesmo que todas as provas apontassem que o acusado é culpado, votaria por sua absolvição. Outro postou na internet os nomes completos e endereços residenciais de feministas radicais, para que elas fossem “visitadas” por mascus. Eles idolatram um sujeito que se suicidou ateando fogo a si mesmo em frente a uma corte de justiça nos EUA. Isso porque sua mulher tinha se divorciado dele uma década atrás por ele bater nela e na filha, e a corte -- que estranho! -- não queria lhe dar a guarda da menina (ah, ele também não pagava pensão).
Portanto, mascus não são um grupo cuti-cuti como a BBC faz parecer. Aqui nossos mascus não têm coragem sequer de se assumirem mascus, porque a vergonha alheia é tremenda. Nos EUA eles são muito mais organizados... e este ano, pela primeira vez, foram chamados por uma ONG pelo que realmente são: um grupo de ódio. (Para acompanhar as loucuras do masculinismo americano, recomendo este blog -– em inglês -– escrito por um homem, que tem como missão zombar dos misóginos).
Então você nunca verá um grupo mascu fazer campanha defendendo o fim do serviço militar obrigatório pra homens. Eles não estão interessados nisso, até porque é raríssimo hoje em dia um brasileiro que não queira se alistar ser convocado. Não. Mascus querem que o serviço militar continue obrigatório, para que eles possam continuar não sendo convocados mas possam continuar reclamando do privilégio feminino. E, quando mulheres se alistam no exército, eles afirmam que as forças armadas estão com os dias contados e que o estupro vai aumentar (culpa das mulheres que se alistam, óbvio).
Você não vai ver mascu fazendo campanha por um mutirão de toque retal para detectar câncer de próstata. Claro que não. Eles fazem piadinhas com homem que se submete a esse exame. Eles chamam os inimigos de “fio-terristas”, porque a pior coisa que pode acontecer nas suas mentes homofóbicas é ter alguma coisa colocada no ânus (a menos que você seja mulher. Aí seu ânus tem que ser rosa). Não, nada de mutirão. Eles só se queixam que homens não façam exame para exemplificar como o governo gasta dinheiro público apenas com mulheres.
E por aí vai. Pra completar, eles são o suprassumo da incoerência. Ao mesmo tempo em que se declaram eleitores de Bolsonaro e Malafaia e lamentam o fim da família, alardeiam que homens deveriam fazer “greve de casamento” (como se alguma mulher em sã consciência quisesse casar com eles) e satisfazer sua sede insaciável por sexo (lembre-se: só homens gostam de sexo) saindo somente com garotas de programa.
Mas mesmo um “movimento” totalmente frouxo das ideias como o masculismo tem potencial pra crescer. Ele atrai o rapaz que se acha bonzinho mas não conquista garotas e conclui que elas só gostam de cafajestes. Ele atrai o “politicamente incorreto” que não pode mais contar suas piadas preconceituosas sem ser criticado por seu preconceito. O sujeito que batia na esposa até ela pedir divórcio. O carinha que não consegue conceber que uma mulher seja melhor que ele na universidade ou no trabalho. Em suma, o masculinismo atrai os homens que sentem-se merecedores do que lhes foi prometido por nascerem homens, merecedores de um mundo que felizmente está começando a ser contestado. 
E é por isso que eu faço questão de divulgar o masculinismo como ele é. Para que os incautos não sejam enganados por reportagens cor de rosa como a que foi publicada pela grande mídia esta semana. E grande mídia, por favor, saiba quem você está divulgando positivamente: anônimos covardes cheios de ódio.
 

2 comentários:

  1. Os jornais da Europa também trataram o partido nazista como um movimento inofensivo e deu no que deu...

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  2. acho q n eh bem assim... sou totalmente contra os machistas, porém, eu acho tbm q as mulheres estao tem sim privilegios perante diversos topicos. pela ideologia do movimento femista da grande parte das mulheres, o resultado da contestaçao ao machismo deveria ser igualdade, e nao inversao de poder.

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