A criação do medo para a privatização da segurança


13JUN
Há alguns anos o Grupo RBS exerceu seu poder de profeta e notou que poderia se aliar a mais um setor com boas possibilidades de lucrar alto com a exclusão social típica do sistema hegemônico atual. Os veículos do Grupo tornaram-se, então, defensores contundentes da privatização do sistema prisional, e volta e meia retornam em conjunto para novas ofensivas. Vivemos mais um momento assim.
Dessa vez a RBS usou uma reforma do código penal para dar início à ofensiva. O resumo da história é que, a partir de agora, nove medidas deverão ser consideradas pelo juiz antes de decretar a prisão preventiva de alguém suspeito de ter cometido um crime cuja pena seja inferior a quatro anos, à exceção de casos envolvendo violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou portador de deficiência. Há ainda entre as exceções os casos de “clamor popular”, o que abre uma enorme brecha para que as prisões preventivas sigam em ritmo semelhante ao atual, onde representam quase todo o déficit de vagas tanto nos presídios gaúchos quanto no restante do Brasil.
A manchete da Zero Hora dominical é “Lei polêmica dificulta a prisão de suspeitos”. Ao lado, “Especialistas temem mais criminalidade”. Já aí, destacados por mim em negrito, dois recursos para a criação de sensação de insegurança entre a população. Sobre o segundo ponto, vale adiantar que, na reportagem que ocupa as páginas 4 e 5 do mesmo jornal, são entrevistados três “especialistas” que apoiam a mudança e três que criticam. A aura de imparcialidade que Zero Hora tenta criar equilibrando as declarações é facilmente desmontável quando a própria capa do jornal mente sobre o que há em seu miolo.
Na página 4, a cartola também não condiz com a verdade: “Prisão em último caso”. Não é verdade. Prisão em último caso apenas para crimes com penas menores do que quatro anos e que não se enquadrem nas exceções já citadas. Isso será dito com detalhes apenas em um quadro da página seguinte. O texto da página 4 diz que “A prisão preventiva só será admitida em casos excepcionais, como, por exemplo, para crimes cuja pena é superior a quatro anos e em que exista clamor público”. Faltou referir o importante item a respeito dos casos de violência doméstica.
Mesmo esse esclarecimento feito no texto é o único da página inteira. E vem acompanhado de diversos elementos “próprios dos discursos de pânico moral”, como bem disse o blog Mídia e Crime (onde também pode ser vista a capa da edição de domingo de Zero Hora). Dois bons exemplos podem ser encontrados nas citações dos tais especialistas que vão ainda no corpo do texto: “vão impedir uns (criminosos) de entrar e colocar outros na rua”; “Tenho a impressão de que querem enfraquecer o MP e as instituições que trabalham contra o crime”; “Fabiano Breton Baisch, da 8ª Câmara Criminal, teme o aumento da ‘sensação de impunidade’”.
A população carcerária brasileira cresce 10% ao ano, enquanto a população do país avança 1,4%. O Brasil já é o quarto em número de presos no mundo. A “violência” diminuiu? Zero Hora quer mais presos, e mente ao dizer que é com mais gente presa que todos estarão mais seguros. Ignora os dados, ignora a realidade, bestializa presos e acusados e idiotiza leitores.
Por não considerar humanos os presos, o jornalismo das elites pouco se importa com as condições prisionais ou com o fato – sim, fato – de que nessa situação a prisão não serve como medida corretiva, apenas punitiva, e aprofunda a violência em todos os sentidos. A mídia das elites defende a melhoria das condições dos presídios, desde que ela aconteça através da privatização do aparelho prisional. O primeiro parágrafo da reportagem de Zero Hora lamenta: “Já está aprovada pelo Congresso e sancionada pela presidente Dilma Rousseff uma tentativa de reduzir a superlotação das cadeias que não envolve a construção de novos presídios”.
Apesar de a matéria buscar ares de neutralidade, ela tem lado, como fica claro nesta análise. A reportagem de domingo deve ser entendida em conjunto com três matérias da edição desta segunda-feira, no mesmo jornal. A primeira, também a manchete de capa, traz “Fuga expõe prisão de alta segurança”, relatando nova fuga na PASC. Isso nas páginas 36 e 37. A seguir, na página 39, nova investida a favor dos presídios privados: “Penitenciárias federais (que deveriam abrigar apenas detentos de alta periculosidade) abrigam presos comuns”, isso “na tentativa de desafogar os caóticos presídios estaduais”.
As três matérias não podem ser compreendidas separadamente, e sem a lembrança de que recursos assim se repetem ano após ano em Zero Hora. Não é coincidência. São incontáveis as reportagens publicadas em 2010 nesse jornal em defesa de presídios privados. Nos últimos dois dias, três exemplos. O filme “Capitalismo”, de Michael Moore, mostra com clareza onde acabam iniciativas assim. Estamos alertando sobre  como começam.

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