Por Diângeli Soares

A proposta que vem sendo apresentada pelo novo Ministério da Saúde parece ser uma evolução da idéia original. Não se fala mais em obrigatoriedade, mas sim em voluntariado. Trocada em miúdos, a proposta da SGETES (Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde) é criar, sob o nome de “serviço civil”, um pacote de incentivos para que os egressos dos cursos da saúde se estabeleçam em áreas de maior vulnerabilidade, mesmo que por períodos curtos, de um a dois anos. O caráter destes incentivos é justamente o ponto no qual os estudantes estão sendo convidados a opinar. “O que faria com que você deixasse Porto Alegre para se estabelecer em um lugar como Nova Ipixuna, Pará? Salário? Pontuação extra para a prova de Residência? Auxílio-Moradia? Outros? Quais?”
Isto posto, e considerando o atual estágio em que a discussão se encontra, é importante destacar algumas coisas, tanto sobre o “velho” quanto sobre o “novo” projeto de serviço civil.

Entretanto, se a proposta avança no sentido da não obrigatoriedade, a descaracterização do Serviço Civil, tal qual ele vem sendo concebido desde sempre, implica em outros riscos. Dentre os maiores incentivos oferecidos, encontramos inúmeras fragilidades. Por exemplo: Salários dignos são fundamentais, mas não têm se mostrado efetivos o bastante. Não são poucas as prefeituras do interior que oferecem remunerações muito acima dos preços de mercado sem que tenham seus problemas resolvidos. Salários próximos aos do topo da carreira judiciária, que tanta inveja causa dos médicos, infelizmente não têm se mostrado eficazes em fixar ninguém. A pontuação extra nas provas de residência, um incentivo bastante sedutor para qualquer recém-formado, também levanta dúvidas. A concessão de benefícios na pontuação de análise curricular e em provas de residência médica e multiprofissional já foi submetida a veto presidencial por inconstitucionalidade uma vez, quando tramitou no âmbito das alterações do Serviço Militar, em 2010. Ademais, quais seriam os médicos atraídos por esta política? Provavelmente os que não são aprovados logo que se formam, que em maioria são os que desejam se especializar em áreas com pouca oferta de vagas, como Oftalmologia, Dermatologia, Otorrinolaringologia, etc, todas áreas pouquíssimo afins com a proposta da atenção primária.
A concessão de títulos de especialista e a garantia de suporte de ensino, tanto in loco quanto à distância, a partir de universidades-referência, parecem ser as propostas mais interessantes. Muitos irão se perguntar porque, então, não expandir maciçamente os Programas de Residência Médica (PRMs)? Basicamente porque sobram vagas de Residência em Medicina de Família e Comunidade em todo o país, porque a instalação de um PRM demanda maior estrutura (e custo) do que está sendo proposto (ou do que é praticável em determinadas áreas) e o valor da bolsa é muito inferior aos valores de mercado. Assim, frente a todas estas dificuldades, seria positivo que mais serviços de atenção primária do país fossem supridos com supervisão e apoio acadêmico. Entretanto, é importante não se enganar: o impacto desta ação se restringe à qualidade e não à quantidade. Titulação e supervisão vai melhorar muito a vida de quem já está lá, mas não deverá levar muito mais pessoas para a atenção primária dos ditos “grotões”, pelo menos no curto prazo.

A conclusão, portanto, é de que se a proposta vem no sentido de combater a “escassez” e de promover a “fixação”, todas palavras que deram título ao seminário nacional realizado em Brasília, nos dias 13 e 14 de Abril, o serviço civil voluntário é uma proposta de impacto bem menor do que pode estar sendo imaginado. Tanto que a própria caracterização do projeto como “Serviço Civil” merece ser questionada, uma vez que, na ausência de obrigatoriedade, a designação de “Serviço Civil” passa a ser nada mais, nada menos, do que o “serviço” que é prestado pelos “civis”. Sem novidade alguma que mereça a distinção de um nome próprio.
Para além do nome, é importante pensar se os incentivos à fixação de curto prazo (um a dois anos) na atenção primária de fato compensam. Não havendo um aporte significativo de mão-de-obra para a periferia desassistida no curto prazo, os impactos negativos sobre as tentativas de qualificação da Atenção Básica e de reestruturação do sistema a partir dela podem acabar sendo bem maiores do que os benefícios.
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