A elitização da USP ajuda a indústria da cesárea e a violência no parto

Lembro de quando descobri minha segunda gravidez, foi tudo de uma vez só descobri que estava grávida e que era de uma menina. Lembro das consultas de pré-natal e de como me sentia alijada do processo, como se fosse algo que não estaria sob minha decisão e poder, acreditava que se tivesse um parto normal ele teria episiotomia de qualquer maneira e aquilo me assustava, intimidava e confundia. Não fazia sentido o que o médico dizia e comecei a buscar respostas, não encontrei todas, mas as que encontrei me foram satisfatórias e condizentes com a minha crença do que deve ser o papel da mulher na sociedade, o debate de autonomia e protagonismo.

A Folha há um mês fez uma materiazinha falando de uma pesquisa que a Fundação Perseu Abramo realizou chamado “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado” e neste estudo há dados sobre violência durante o parto em hospitais privados e públicos. Ao que parece as mulheres na nossa sociedade não pode gozar ou parir, este último nos foi tirado gradativamente justificado por protocolos que acabam não se justificando em evidências. Pela pesquisa da Fundação Perseu Abramo uma em cada quatro mulheres que pariram em hospitais privados ou públicos relatou que sofreu algum tipo de agressão durante o trabalho de parto, são coisas que vão desde negação de alívios para dor, passando por xingamentos, exames dolorosos e contraindicados e chega a ironias e tratamentos preconceituosos em relação a raça e classe social.
As agressões verbais relatadas são assustadoras, coisas como: “Na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe. Por que tá chorando agora?”; ou “Não chora não que no ano que vem você está aqui de novo”; ou ainda “Se gritar, eu paro agora o que estou fazendo e não te atendo mais”, descritas no estudo e relatadas pela reportagem da Folha. (Kathy)
Tal violência faz parte da lógica misógina que encontramos no atendimento a saúde da mulher, atendimento que não é integral a nossa saúde e também não garante o mínimo na assistência ao parto, até hoje a lei garantindo a presença de acompanhante durante o trabalho de parto sofre infração atrás de infração. Isso por que desde 2004 a humanização do parto é uma das prioridades do Ministério da Saúde, porém vemos um número ínfimo de Casas de Parto no país, nenhuma revisão protocolar significativa no que deveria ser a assistência ao parto e, principalmente, capacitação quase zero dos profissionais para o atendimento a mulher em momento de tanta força, mas ao mesmo tempo de tanta fragilidade.
Segundo Sonia Nussenzweig Hotimsky, docente da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, a diferença pode ser atribuída à “industrialização” do parto nos grandes hospitais. “Em uma cidade pequena, as pessoas acabam se conhecendo e o tratamento tende a ser mais humanizado”. (CAPRIGLIONE, Laura. Folha de S. Paulo de 24 de fevereiro)
A violência no parto também é resultado do processo de industrialização do parto pelos planos de saúde e grandes hospitais, é a lógica que exerce no Brasil do fordismo, uma parto atrás do outro para produtividade. Não é só assustador os casos de violência no parto que há em nosso país, mas também o alto índice de cesáreas que são feitas elas beiram a quase 50% dos nascimentos realizados no Brasil e em hospitais privados este percentual varia de 70% à 90% dos nascimentos. A grande maioria destas cesáreas são aquelas denominadas “desnecesáreas”, baseadas em mitos já desmentidos por evidências e pesquisas médicas.
Com tanta coisa que acontece no mundo das parturientes me convenci de que parir é um ato político da mulher é quando decidimos sobre o grau do nosso protagonismo junto a sociedade, se vamos ou não nos apropriar daquele momento e compreendê-lo em todas as suas dimensões. Para tal jornada é necessário que a mulher tenha apoio da equipe de acompanhamento do parto, acesso a informações sobre o que é necessário e o que é desnecessário e atualmente o que mais vemos são profissionais estafados por longos plantões e treinados para um conduta mecânica, sem dialética alguma.
Agora em São Paulo foi anunciado o fechamento de vagas no curso de obstetrícia da USP. Para o ex-reitor da universidade dolpho José Melfi e outros professores que participaram do grupo de trabalho que acabou chegando nesta conclusão de fechamento de vagas nos cursos da EACH:
Esta redução sugerida teria um efeito imediato no aumento da relação candidato-vaga, já que a procura por alguns dos cursos da Each é bastante reduzida. Enfim, de modo geral, teríamos um aumento na nota de corte e, certamente, uma elevação na qualidade dos alunos ingressantes, algo desejado por toda a universidade.
Esta opinião do grupo de trabalho que propôs o corte de vagas na EACH pra mim já seria motivo suficiente para ser contra o corte de vagas, pois se baseia no meritocratismo e na sociedade em que vivemos meritocracia equivale a exclusão social, mas pra mimhá um problema tão importante quanto o processo de elitização da universidade pública brasileira, como falei até agora a realidade dos partos no Brasil é dramática e tal decisão só acirra isso, pois não é que a USP reviu suas grades currículares e incluíram de forma transversal a humanização do atendimento à saúde em geral, isso não foi feito. Cortam vagas de um curso que se pretende pensar uma outra forma de atendimento à mulher durante o parto sem modificar a forma técnica e machista como formam outros profissionais da saúde. Sim, por que tolhir a mulher de sua autonomia, fazê-la passar por uma gravidez sem ter real noção dos significados médicos de seus exames e da própria necessidade de parte destes exames é machismo, é referendar o patriarcado.
Um país que não valoriza a formação de obstetrizes mostra que o modelo vigente de atendimento obstétricos é medicamentoso e cirúrgico. Não adianta Ministério da Saúde fazer campanha para reduzir as taxas de cesariana, nem os planos de saúde darem incentivos para partos normais na rede privada. A formação médica não ensina o que é um parto natural e nem se permite isso dentro deste modelo. E se sabe que em locais com ausência de assitência ou com intervenção demasiada, o índice de mortalidade materna e neonatal é o mesmo. (Kalu)
É por acreditar que é preciso modificar profundamente como as mulheres são tratadas na sociedade e também durante o parto é que ajudo a divulgar o apoio ao não fechamento do curso de obstetrícia da USP, por acreditar que este curso coloca um debate sobre tratamento da mulher durante o parto que infelizmente os cursos de medicina e enfermagem tem deixado de lado, propiciando os casos de violência mostrados pelos dados da pesquisa da Fundação Abramo e reforçando a lógica fordista que vem tomado o fazer obstétrico neste país.

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