Egito: milhões contra o governo pró-EUA

Reproduzo matéria publicada no jornalHora do Povo:

Denominada de “Marcha dos Milhões”, as manifestações que ocuparam as avenidas centrais do Cairo e de Alexandria, as maiores da história do país, pela saída imediata de Hosny Mubarak foram realizadas ao mesmo tempo que uma greve geral.

Enquanto a TV Al Jazeera reportava a presença de “Dois milhões na praça Tahrir e avenidas vizinhas”, o New York Times, aliando-se ao esforço de Mubarak que mandou parar os trens, disse que havia “mais de 100 mil no local”. De certa forma. Afinal dois milhões são mais de cem mil...

As demonstrações já duram uma semana e os partidos nacionalistas (os históricos Nasserista e Wafd), socialistas (como o Tagammu) e o secular Ghad (Partido do Amanhã), que recentemente formaram o Front Patriótico, lançaram manifesto apoiando a marcha e exigindo o fim do governo ditatorial; a instalação de um governo interino (sem a participação de integrantes do que chega ao fim), a libertação dos presos políticos e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

Constituição

A oposição nacionalista exige em especial emendas corrigindo os artigos 76, 77 e 88 da Constituição atual. O artigo 76, por exemplo, estabelece cláusulas para que um partido, mesmo legalizado, possa lançar candidato à presidência. Uma delas é que tenha o apoio de 5% dos parlamentares da Câmara e Senado. Essa regra foi estabelecida em 2005. Antes disso, e por quatro mandatos de Mubarak, o presidente era indicado pelo parlamento e referendado. 

Nas eleições previstas para esse ano, por exemplo, apesar da nova lei, não existiria a possibilidade de outro candidato, a não ser o próprio Mubarak ou alguém indicado por seu partido, PND, pois as eleições parlamentares (sob acusações de fraude) levaram à Assem-bleia 430 deputados de seu partido de um total de 454. No Conselho da Shuria (equivalente ao Senado) são 70 do PND e apenas 1 de outro partido. Como cumprir a cláusula dos 5%? Nas eleições de 2005, a composição era um pouco menos adversa à oposição e dois candidatos se lançaram à presidência, além de Mubarak. Mas não havia cabines indevassáveis para os votantes e, havia retratos dele ao lado das urnas. 

Milhares de egípcios dormiram na praça que foi o epicentro das manifestações nestes primeiros sete dias e outras dezenas de milhares iam chegando com a alvorada e cantando palavras de ordem como “Aish, Houria, Karama Issanaya” (Pão, liberdade e dignidade humana) ou “Mubarak, o avião já te espera no aeroporto” e “Hosny, vá encontrar com seu amigo Ben Ali”. O exército expediu nota na véspera do ato declarando não haver intenção de disparar sobre “o grande povo egípcio”.

A questão que de fato mobilizou os trabalhadores, estudantes e ao final os militares a romper com o regime foi a entrega do patrimônio público a corporações estrangeiras, o congelamento do salário mínimo por 26 anos e as demissões em massa para facilitar a vida das corporações que adquiriam as estatais a preços aviltados. 

Com a revolução nasserista de 1952, cujo primeiro ato de soberania foi a nacionalização do Canal de Suez, o Egito começou a realizar um processo de modernização e industrialização que iniciou a retirada do povo da miséria a que domínios como o otomano e depois o inglês o relegara. Com apoio da União Soviética construiu a Usina de Aswan, então a maior do mundo. Nasser fez com que, durante o período de 1960 a 1970, o salário dos trabalhadores dobrasse. 

No governo de Mubarak, o desmonte do Estado iniciado por Anwar Sadat (sucessor de Gamal Abd El Nasser morto num desfile da independência após trair a causa palestina e árabe e fazer acordo isolado com Israel que manteve a ocupação dos territórios árabes na Palestina, Síria e Líbano). A submissão de Sadat incluía (no acordo de Camp David), para que Israel se retirasse, não colocar tropas em seu próprio território recuperado (a Península de Sinai) e manter o fornecimento de petróleo retirado pelos egípcios a Israel. 

Corporações

Mubarak montou uma equipe para acelerar a venda das estatais. O plano era a entrega de 319. A resistência dos trabalhadores cresceu e 150 empresas permaneceram nas mãos do Estado. As entregues incluem uma fábrica de carros e uma de cimento e outra de cerveja. O número de trabalhadores nas estatais caiu de 1,3 milhão, ao final dos anos 1970, para 300 mil hoje.

As corporações passaram a extrair petróleo no Egito. Só a BP (British Petroeum) tem acesso a 40% da extração de petróleo e, em conjunto com BG (British Gas), a 75% do gás.

Dois dos mais tradicionais bancos estatais, o de Alexandria e o do Cairo, foram preparados para a venda. O primeiro foi cedido ao Banco da Grécia e o segundo é hoje uma sucursal do Barclays (segundo informa a Agência de Notícias Reuters).

Para reprimir os protestos, Mubarak mandou para as ruas a polícia que, após alguns dias de fazer chover gás lacrimogêneo e pancada sobre a população foi substituída pelos militares – com tradição nacionalista; foi de lá que saiu a revolução nasserista e foram as tropas egípcias as que deram o mais duro combate aos agressores israelenses - que saíram às ruas dentro de tanques mas foram se confraternizar com o povo, com manifestantes sendo saudados ou pulando para cima dos tanques.

Manobra de Mubarak, remodelando seu ministério, não iludiu a população que aumenta sua presença nas ruas exigindo: “Fora Mubarak”. Muito sábio, o primeiro-ministro da Turquia, Tayyp Erdogan, sugeriu a Mubarak que “ouça o grito do povo”.

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