Um pouco sobre a Crise Econômica


Miriam Leitão explica a crise
Foi bastante interessante ver, por ocasião da reunião do G20 nesse ultimo mês, a nossa velha mídia finalmente fazer algumas "descobertas" sobre a famigerada crise econômica mundial. Depois de pelo menos dois anos de repetidos discursos que insistiam no seu caráter conjuntural (teria sido somente uma crise de confiança, causada pela irresponsabilidade do consumidor americano e a bolha imobiliária), a discussão dos governos em Seul finalmente os obrigou ao reconhecimento de alguns dos seus aspectos estruturais.

Um exemplo emblemático é o desequilíbrio da relação EUA-China, notadamente expresso em suas balanças comerciais. Ao começar a ser discutido, ainda que colocado também (incrivelmente) como algo conjuntural, obriga a mídia apologista a reconhecer algumas questões que vão muito além da esfera da "confiança" ou seus desdobramentos. E não poderia ser diferente. Mesmo sendo bastante constrangedor reconhecer a natureza real da crise, os governos não podem mais assumir a política de varrer sujeira pra debaixo do tapete - o tapete já virou uma montanha e não é mais possível transitar pela sala.

Em outras palavras, o sistemático encolhimento da economia real, mesmo em antigas potências industriais como os EUA, não pode mais ser contrabalanceada com a inflagem de um mercado imaginário de derivativos e hedge funds. Não basta multiplicar crédito, é preciso produzir. O que vimos na reunão do G20 é consequência dessa conclusão. No entanto, enquanto a incapacidade desse grupo de obter qualquer avanço nas suas negociações, ou mesmo as pueris trocas de acusações que se seguiram (a questão da "guerra cambial", por exemplo), já podem causar bastante preocupação, não chegam nem perto de expor o tamanho ou a gravidade do problema.

Obama e Sarkozy
A viagem de Obama pela Ásia para propagandear os produtos de seu país, ou mesmo o discurso de Sarkozy, há alguns anos, em sua posse (Vou reabilitar o trabalho!), nos dão melhores pistas. Poderíamos até dizer que, dentro de seus paradigmas, esses governos acertam ao objetivar uma maior competitividade  internacional e uma recuperação do trabalho - é preciso vender, aumentar a produção da indústria, gerar empregos, consumo... e finalmente sair da recessão! A questão é que, na verdade, cada um desses governos (ou mesmo todos eles reunidos em uma cúpula) muito dificilmente alcançarão qualquer sucesso nessas tentativas.

Para entender porque os governos não vão conseguir recuperar os empregos perdidos ou mesmo porque a indústria americana não vai conseguir ser competitiva novamente (sem uma catástrofe social ou político/militar), devemos voltar nossa atenção a algumas características básicas da produção de mercadorias. Esse pequeno trecho de O Capital, de Marx, nos ajuda a entender:
O tempo socialmente necessário à produção das mercadorias é o tempo exigido pelo trabalho executado com um grau médio de habilidade e de intensidade e em condições normais, relativamente ao meio social dado. Depois da introdução do tear a vapor na Inglaterra, passou a ser necessário talvez apenas metade de trabalho que anteriormente era necessário para transformar em tecido uma certa quantidade de fio. O tecelão manual inglês, esse continuou a precisar do mesmo tempo que antes para executar essa transformação; mas, a partir desse momento, o produto da sua hora de trabalho individual passou a representar apenas metade de uma hora social, não criando mais que metade do valor anterior.
Tempos Modernos
Lendo esse parágrafo já fica fácil de perceber: quanto mais de uma certa mercadoria o trabalhador (ou mesmo a fábrica inteira) produz em uma hora, ou seja, quanto maior sua produtividade, maior é o ganho do capitalista e maior é sua vantagem competitiva. É assim pra produzir qualquer coisa. Isso faz com que seja, não só importante manter alta produtividade sempre, sob pena de ser jogado para fora do mercado em caso de falha, mas tambem extremamente lucrativa (e bastante almejada) toda inovação tecnológica que aumente a produtividade.

Até aí não há problema, pelo contrário. É bastante positivo que o homem desenvolva novas técnicas produtivas e precise de cada vez menos tempo pra produzir o que antes lhe tomava toda a vida. Isso inclusive faz com que menos pessoas sejam necessárias para desenvolver certas atividades fundamentais, como por exemplo a produção de alimentos, e mais pessoas esteja disponiveis para novas atividades, como medicina, produção científica, telefonia, computação, lazer etc... Empregos diminuem numa área, mas muitos surgem em áreas que antes não existiam.

Anos Dourados no hemisfério norte
Durante algum tempo foi isso mesmo que aconteceu. Com todo o "terceiro mundo" para comprar seus produtos, os países industrializados experimentaram anos dourados de crescimento econômico, aumento de salários, e welfare state. Muitos se libertaram do arado ou da solda para se transformarem em médicos, advogados, engenheiros, "investidores"... Mas isso não podia durar muito. Tanto na busca de trabalhadores que aceitassem menores salários, quanto devido ao aumento da produtividade, que diminui a quantidade de trabalhadores necessários na atividade, os empregos da indústria começaram a sumir do "primeiro mundo" mais rápido que poderiam ser repostos por qualquer outros.

Depois de algumas décadas, fica cada vez mais difícil encaixar essas pessoas no setor de serviços. O desemprego que já foi de 1,5% na Europa na década de 1960, alcança agora os 10%, sem falar nos escandalosos 20% da Espanha. Além do desemprego já grande e crescente, quem entra no mercado de trabalho hoje enfrenta uma situação inusitada - cada vez mais há uma polarização entre dois tipos de emprego nesses países: os "MacJobs" (os de muito alta qualificação e altos salários como os da Apple)  e os "McJobs" (os de muito baixa qualificação e baixos salários como os do Mcdonalds) com uma enorme desvantagem numérica para os primeiros, obviamente.

Cão adere à manifestação na Grécia
E ainda assim, nada parece ir tão mal. Todo o arcabouço social construído nos pós-Guerra mantém as coisas em relativa ordem. Ficar sem emprego na europa ocidental, ou mesmo nos EUA, do nosso 2010 (ainda) é bastante mais confortável do que foi em 1930, onde isso significava fome e desamparo total para a maioria da população. Apesar disso, o problema não se torna menor. Por se tratarem de contradições estruturais, que não podem ser resolvidas dentro dos limites do próprio capital, a tendência a longo prazo só pode ser uma: o agravamento da crise.

Isso não quer dizer que estamos a beira do fim. Mesmo com o enorme endividamento dos Estados, ainda veremos todo tipo de reação (incluindo algumas bem violentas) para prolongar o quanto for possível esse estado das coisas. Dessa forma, ainda que o velho discurso apologista do nosso complexo midiático venha perdendo sustentação, não acredito que possamos adotar, da nossa parte, um discurso triunfalista.

Enquanto o sistema agoniza, seu potencial destrutivo deve atingir níveis cada vez mais altos, e simplesmente aguardar pelo colapso dificilmente será uma opção.

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