"Em comparações internacionais, a educação superior brasileira já se destaca por algumas características negativas, em especial, sua alta privatização e a pequena quantidade de estudantes atendidos com a devida qualidade do ensino" Otaviano Helene é professor no Instituto de Física da USP, foi presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Lighia B. Horodynski-Matsushigue é professora aposentada do Instituto de Física da USP e vice-presidente da regional São Paulo do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN). Artigo publicado na "Caros Amigos on-line": O que se convencionou chamar de "reforma universitária" é um conjunto de 14 Projetos de Lei (PLs), em tramitação no Congresso Nacional, que poderá ter importantes conseqüências para a educação brasileira. Depois de vários anos de resguardo, a "reforma" foi ressuscitada em março do ano passado por meio da reativação de uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Sob a presidência de Lelo Coimbra (PMDB), teve nomeado como Relator o deputado, por São Paulo, Jorginho Maluly (DEM), pouco conhecido nos meios educacionais. Após várias "Audiências Públicas", pouco divulgadas, para as quais foram majoritariamente convidados representantes do setor mercantil da educação superior, a apresentação do relatório, que havia sido prometida para finais de 2009, foi suspensa. É possível que essa suspensão tenha sido provocada por manifestações de parcela da comunidade acadêmica ("Uma 'reforma universitária' sem doutor e sem pesquisa?", SBPC, Jornal da Ciência, 14 de agosto de 2009) e dos sindicatos da área ("Reforma universitária: quais os interesses envolvidos" - Andes-SN) [1] Com grande surpresa, já que nos meios usuais de comunicação da Câmara nada constava, verificou-se, no começo de junho, que, depois de mais de seis meses de interstício, havia sido chamada reunião da Comissão Especial, já para leitura e deliberação sobre um suposto Relatório Final, de que ninguém havia tido notícia. Mais surpreendente foi o cancelamento dessa reunião, transferida para o dia seguinte, 9 de junho, quando ocorreu novo cancelamento, com a curiosa justificativa de que o Relatório não pode ser completado, por dificuldades com "ajustes orçamentários". Contudo, informações de assessores parlamentares alertam para a possibilidade de que, no meio da Copa, seja, convocada de véspera, como se tornou usual, nova reunião da Comissão Especial, com os mesmos objetivos, o que permitiria a votação em plenário (ou por acordo de líderes) ainda neste semestre. Urge, pois, relembrar (veja, por exemplo, "Reforma universitária: é isso mesmo?", Jornal USP, ano XXII, n. 783 - novembro de 2006) [2] Em comparações internacionais, a educação superior brasileira já se destaca por algumas características negativas, em especial, sua alta privatização e a pequena quantidade de estudantes atendidos com a devida qualidade do ensino. A oferta de educação superior por empreendimentos mercantis traz consigo uma série de conseqüências negativas para o país, que lhes são intrínsecas: a procura por lucro faz com que apenas sejam oferecidos cursos em áreas de conhecimento e regiões geográficas onde se encontra a clientela e não naquelas onde seriam mais necessários para a promoção do desenvolvimento científico, cultural, econômico e social do país. Ao procurarem cortar seus "custos", tais empresas ainda desqualificam o trabalho de seus docentes e não oferecem a seus estudantes formação integral, atendo-se a alguma espécie de treinamento, altamente inadequada a longo prazo, em um mundo em acelerada modificação, e de eficiência questionável mesmo no curto prazo. Nesse contexto desfavorável, os projetos em tramitação e as 368 emendas com que o PL do governo foi agraciado caminham, como característica geral, no sentido de piorar a legislação atual do ponto de vista das necessidades e possibilidades nacionais. Mesmo o PL 7.200, depositado pelo poder executivo na Câmara dos Deputados, sob uma análise mais detalhada, apresenta uma quantidade considerável de problemas, como já denunciado à época (veja, por exemplo, o documento, de 2006, do Andes-SN "Análise do Projeto de Lei 7.200/2006: A Educação Superior em Perigo!" [3] Uma análise exaustiva do conteúdo dos PLs e das emendas seria impossível em um texto curto. Contudo, alguns exemplos podem servir para ilustrar a gravidade da situação. Segundo a LDB em vigor, para que uma instituição possa ser considerada universidade, é necessário que ela tenha "um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado", uma redação que afronta a inteligência de qualquer leitor: ela exigiria o mesmo se a redação fosse interrompida na palavra mestrado. Em sua versão original, PL 7.200, do governo federal, exige um mínimo de 25% de doutores no quadro docente de universidades e 11% em centros universitários, percentuais abaixo do que seria possível, considerando a realidade. Mas essa modesta exigência poderá ser derrubada pela força da bancada privatista no Congresso, como demonstram os dois PLs citados, que continuam a não exigir doutores em universidades, e as emendas que a eliminam do PL governamental. Portanto, uma das conseqüências da "reforma" é manter e agravar a situação atual. Em 1996, ano de aprovação da LDB, o Brasil já tinha um número de doutores suficiente para que as exigências fossem mais rigorosas. Atualmente, quando o país tem mais do que 100 mil doutores, crescendo a uma taxa aproximada de 10 mil por ano, é inconcebível uma instituição de ensino superior sem doutor em seu corpo docente, ainda mais se for uma universidade. Além disso, ao persistir a situação - internacionalmente inaceitável - de não haver exigência por doutores nos corpos docentes de instituições de educação superior, a manutenção da taxa de crescimento de pessoas tituladas e o próprio sistema nacional de pós-graduação, e a pesquisa daí resultante, quase certamente estarão comprometidos. O PL 4.221, o mais abrangente e perigoso, apresentado em 2004 em segundo lugar, de forma ardilosa, pretende abarcar toda educação superior com sua uma centena de artigos, parte deles enfocando até mesmo a composição e as atribuições do Conselho Nacional de Educação. Entre outras arbitrariedades, arvora-se a apresentar uma redefinição do que deva ser entendido pela exigência constitucional da realização de pesquisa. Segundo o texto desse PL, a exigência mínima para que uma instituição possa ser considerada uma universidade seria de que apenas 3% do total dos docentes, não necessariamente doutores, se dedicassem a esta tarefa, reunidos em pelo menos dois grupos de pesquisa, reconhecidos como tal pela própria instituição. Ademais, a simples existência de pós-graduação poderia se constituir em alternativa à exigência anterior, mesmo que restrita a apenas um único "curso ou programa", em nível de mestrado. A articulação dos interesses mercantis é cabalmente evidenciada pelas emendas ao PL 7.200: para eliminar alguma possível restrição ao setor privado, uma emenda propõe a eliminação de um determinado artigo; caso esta não seja aprovada, há sempre outra que altera sua redação; caso ainda haja insucesso, outra emenda procura eliminar ou alterar alguns parágrafos do artigo. Em relação às condições do trabalho docente, há propostas de reduzir, ainda mais, o percentual de docentes contratados por 40 horas e em dedicação integral a uma instituição, aumentando-se a participação dos, assim chamados, professores horistas ou de contratados em tempo parcial. Enfim, se uma pequena parte dessas propostas, que tratam a educação superior como apenas mais um ramo do setor comercial, tiverem êxito no substitutivo a ser apresentado pelo relator, Jorginho Maluly, nossos doutores continuarão desempregados ou sub-empregados, nossos cursos continuarão fracos e as necessidades nacionais continuarão sem solução. Há, ainda, outras pérolas no PL 4.221/04: o Art. 32 fixa durações mínima e máxima dos cursos de graduação: assim, a licenciatura teria mínimo de 2.400 horas e máximo de 3.200 horas; engenharias teriam mínimo de 2.800 horas e máximo de 3.600 horas; ciências biológicas e da saúde teriam entre 2.800 e 3.800 horas, exceto medicina, cujo mínimo seria de 6.000 horas e o máximo de 8.000 horas. O que se pretende com esses máximos? Limitar a qualidade de cursos oferecidos por instituições públicas? Forçar o setor público a ser mais parecido com o setor privado? Ainda mais: o Art. 48 determina, curiosamente, que cada dia letivo deva ter a duração máxima de 6 horas. O que se quer com isso? Facilitar ainda mais os cursos de fim de semana, que, se vierem a ter mais do que 6 horas de atividade em um único dia, esse será contado como dois? Por fim, o PL 4.221 pretende alterar o conteúdo do Art. 209 da Constituição Federal, o qual exige do setor privado o cumprimento das normas gerais da educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. Essa alteração aparece no Art. 67 daquele PL: "Para os efeitos do Art. 209 da Constituição, esta lei engloba as normas gerais da educação nacional para a autorização e avaliação de qualidade de cursos e instituições mantidas pela iniciativa privada", seguido de um parágrafo único que veda ao Poder Executivo o estabelecimento de requisitos ou regulamentos que ampliem ou reduzam as normas estabelecidas nesta lei. É possível supor que, tendo em vista a necessidade de composições para enfrentar a eleição, o governo esteja "fechando os olhos" e abrindo caminho para a aprovação de um projeto substitutivo ao gosto do setor mercantil, formado pelo 7.200, com suas emendas, e pelo 4.221. Frente a essa situação e considerando o perfil privatista do Congresso brasileiro, é necessária uma forte ação para reduzir os estragos que a "reforma universitária" poderá causar ao país. A atuação decisiva dos colegiados das instituições de ensino superior, sérias e comprometidas com o desenvolvimento nacional, das associações profissionais e acadêmicas, das entidades representativas de docentes e estudantes, entre diversos outros setores da sociedade civil, se faz necessária e poderá contribuir para evitar o perigoso retrocesso que se desenha para a nação. Notas: [1] Esses artigos podem ser encontrados nos endereços eletrônicos http://www: jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=65207 e http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=6107 [2] http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2006/jusp783/pag02.htm [3] O texto pode ser encontrado no endereço www.andes.org.br/imprensa/arquivo/default_reforma_universitaria.asp Fonte: (Caros Amigos on-line)
Tramitação da 'reforma universitária': por que o sigilo?, artigo de Otaviano Helene e Lighia B. Horodynski-Matsushigue
Ana Paula Madruga
●
sábado, 7 de agosto de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Pesquisa no blog
Mais Acessados da semana
O que o fazemos por aí...
Em andamento:
- Forúm PRÓ-Cotas UFRGS
Pela garantia de continuidade e expansão das Ações Afirmativas na UFRGS
- Projeto Universidade Pública Tô Dentro
- Forúm PRÓ-Cotas UFRGS
Pela garantia de continuidade e expansão das Ações Afirmativas na UFRGS
- Projeto Universidade Pública Tô Dentro
-Organização do Ato "Basta de Violência, queremos Paz"
Manifestação dos Estudantes Internacionais Africanos contra a violência na Guiné Bissau.
Apoiamos o Avante Educadores!
Todo nosso apoio aos trabalhadores em Educação!
Somos trabalhadores e trabalhadoras em Educação do Rio Grande do Sul, e nos organizamos para ser mais um instrumento à serviço da luta por uma Educação Pública de Qualidade e Popular; para que se construa um Ensino Crítico que busque a emancipação do ser humano, formando pessoas para a ação democrática voltada à construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores.
Visite: www.avanteeducadores.blogspot.com
Somos trabalhadores e trabalhadoras em Educação do Rio Grande do Sul, e nos organizamos para ser mais um instrumento à serviço da luta por uma Educação Pública de Qualidade e Popular; para que se construa um Ensino Crítico que busque a emancipação do ser humano, formando pessoas para a ação democrática voltada à construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores.
Visite: www.avanteeducadores.blogspot.com
Movimento Estudantil
- DCE UFRGS
- DCE UFPel Site
- DCE UFPR
- Federação Nacional de Estudantes de Direito
- Associação Brasileira dos Estudantes de Filosofia
- CECS - UFRGS
- CHIST - UFRGS
- DCE FAPA
- DCE UCPel
- DCE UFC
- DCE UFF
- DCE UFPel
- Centro Estudantil de Biomedicina UFRGS
- Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura
- Diretório Acadêmico Linho Cânhamo dos Estudantes de História
- Federação do Movimento Estudantil de História
- PUCRS Movimento 89 de junho - Oposição DCE PUCRS
- UERJ Ocupada
Links
- Associação Servidores da UFRGS
- Avante Educadores
- Blog Quando Morar é um privilegio, Ocupar é um direito
- Blogueiras Feministas
- Caminhos Bolivianos - Blog Paula Biacchi
- Coletivo de Mulheres UFRGS
- Comite Contra aumento de passagens Porto Alegre
- Contramola - Blog de Mário San Segundo
- CPERS - 15 nucleo
- CPERS - Centro dos Professores do RS
- Curso Pré-Vestibular Popular Alternativa Cidadã
- Círculo de Blogueir@s Socialistas
- Deputado RJ Marcelo Freixo PSOL
- Diário Liberdade
- Enlace RS/ PSOL
- Garota Coca-cola - Blog da Vanessa Guedes
- Instituto Mario Alves - Pelotas/ RS
- Intersindical
- Jornal Brasil de Fato - midia alternativa
- Jornal Epidemia - midia alternativa
- Jornalismo B
- Memórias de uma Motoqueira Solitária - Blog da Letícia
- Movimento Direito Pra quem? UERJ
- Movimento O Morro é Nosso (Santa Teresa - Porto Alegre/ RS)
- Movimento Passe Livre
- MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
- Pedro Munhoz - Músico
- Pega e vai - Blog do Christofer Dalla Lana
- Ponto e travessão - Blog da Didi (Diângeli Soares)
- Professora Neiva Lazzarotto
- PSOL - Partido Socialismo e Liberdade
- Quadrinhos brutos
- Quem o Machismo matou até hoje
- Quilombo Silva - Porto Alegre/ RS
- Revista Viés
- Tarifa Zero
- UGEIRM
- Viva Mulher - Blog de Maíra Kubik Mano
- Vírus Planetario - midia alternativa
- Woman on Waves
0 comentário(s):
Postar um comentário
Deixe sua sugestão, crítica ou saudação juntamente com seu contato.