Ontem o Metheoro me mandou uma entrevista com um famoso humoristamacho engraçaralho. Entre algumas frases proferidas em seu “show de humor” estão:
“Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho.”
“Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade.”
“Homem que fez isso [estupro] não merece cadeia, merece um abraço.”
O estupro é uma das formas de violência mais cruéis. Não é apenas a violência física, como uma porrada ou um chute no rim, é também a violação do corpo, do privado, do íntimo, a submissão e humilhação. Há também graves consequências, físicas e psicológicas que podem resultar desse ato. Desde uma gravidez, passando pela contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, até ferimentos graves na vagina e no reto.
A grande maioria das vítimas de estupro são mulheres. Em nossa sociedade é obrigação da mulher ser bonita. Se ela for feia não tem direito a nada, nem mesmo a uma trepada. Você não vê homens feios sendo chamados de dragão. Quando homens feios estão de mau humor ninguém diz que eles são pessoas mal comidas. Os padrões de beleza também são impostos aos homens, mas você não vê alguém dizendo: “Todo homem que eu vejo na rua reclamando que foi estuprado é feio pra caralho”. Dizer que mulher mereceu ser estuprada porque usava uma saia curta é justificativa para muita gente. Afinal, vivemos num mundo em que nos ensinam: “Não seja estuprada”. Ao invés de: “Não estupre”. Em nossa sociedade existe o conceito moral da mulher estuprável.
Acredito que as pessoas devem censurar certas piadas. Porém, a Renata Correame mostrou que o humor pode falar de tudo, mas que ele só é realmente engraçado quando é criativo, quando cumpre sua função de destruir o senso comum. “A ofensa pela ofensa, pode causar espanto, surpresa, vergonha alheia, constrangimento. Mas chega a ser desqualificar o trabalho de humoristas realmente engraçados, chamar isso de humor. Pois isso aí não tá invertendo a lógica vigente. Isso aí não tá dando um nó, isso aí não tá sendo novo. Tá sendo velho. Conservador. Ultrapassado pra cacete. Nesse sentido, os bordões do Zorra Total estão anos luz a frente”.
Ofender mulher feia é chutar cachorro morto. Somos ofendidas todos os dias quando ligamos a tv e só vemos mulheres perfeitas. Acho que as propagandas de comércios locais são as únicas com mulheres comuns, que podem ser encontradas facilmente pelas ruas ou em nossas casas. Mulheres não podem ser feias e não podem envelhecer. Não há uma única mulher apresentadora de cabelo branco na tv, mas podemos citar rapidamente 4 apresentadores de telejornal homens, carecas/calvos, velhos e sérios. A maioria com uma apresentadora jovem, branca e sorridente dividindo a bancada. Há homens, apresentadores de telejornais, jovens, velhos, bonitos, feios, brancos, negros e até asiáticos. Não há pluralidade para mulheres. Há poucas chances de fugir dos padrões. Imagine qual nosso papel na maioria dos programas humorísticos: gostosa burra ou feia chata. Hilariante, não?
Concordo com o Laerte quando fala dos limites do humor: “Não, não tem que ter limites. O que a gente tem que ter também é uma crítica ilimitada. O humor tem que ser solto como qualquer linguagem humana tem que ser solta e livre, o que a gente tem é que ter o direito de exercer o poder da crítica sobre isso permanentemente. Então você dizer que uma piada é racista, ou sexista, e argumentar nessa direção, não é censurá-la, é exercer seu direito de crítica”.
O humor ofensivo segue a linha de pensamento de uma sociedade conservadora. Não é transgressor. Ensinar a arte de insultar é fazer o que já fazem há milhares de anos, cada família ensina a seus filhos seus próprios preconceitos. E também ensinam a dizer que o preconceito está na cabeça das pessoas. Porque ninguém quer assumir sua parte e seus privilégios. Somos todos preconceituosos. Porém, o que ganho insultando outra pessoa?
Hoje está cheio de humoristas engraçaralhos por aí, na mídia e em blogs de sucesso. Por quê? Por que querem tanto ter o direito de ofender? Por que mulheres e homens acham graça e reverberam essas falas? Na minha opinião, essas pessoas não querem fazer piadas, querem é mostrar quem manda no pedaço. Não fazem um humor de quem ri de si mesmo, mas sim de quem agride os outros. Porque toda vez que uma minoria cresce, ganha poderes e direitos, há um movimento contrário que quer colocar essas pessoas de volta no lugar delas, de onde não deveriam ter saído. Querem homossexuais nos guetos com seus trejeitos. Querem negr@s fora da elite com sua pobreza. Querem lembrar as mulheres que para serem valorizadas devem ser gostosas e burras. Querem sempre reproduzir estereótipos e clichês. Não é engraçado como a única vez em que sua raça ou gênero são questionados, é quando você não é um homem branco? Há piadas com brancos e heterossexuais, naquele estilo: quando é que um branco sobe na vida? Ou 4 heterossexuais estão num posto de gasolina, qual o nome do filme?
Então, até apoio que Rafinha Bastos vá as cadeias abraçar todos os estupradores. Porque realmente acho que todos merecem uma segunda chance, inclusive os idiotas. Mas antes, talvez ele pudesse aprender algumas coisas sobre humor com a Wanda Sykes.
Update: O Metheoro fez um ótimo post explicando como fazer denúncias ao Ministério Público ou ao Safernet. Porque humoristas engraçaralhos também podem responder por suas ofensas.
0 comentário(s):
Postar um comentário
Deixe sua sugestão, crítica ou saudação juntamente com seu contato.