As armas, por José Saramago

O negócio das armas, sujeito à legalidade mais ou menos flexível de cada país ou de simples e descarado contrabando, não está em crise.
Quer dizer, a tão falada e sofrida crise que vem destroçando física e moralmente a população do planeta não toca a todos.
Por toda a parte, aqui, além, os sem trabalho contam-se por milhões, todos os dias milhares de empresas declaram-se em falência e fecham as portas, mas não consta que um único operário de uma fábrica de armamento tenha sido despedido.
Trabalhar numa fábrica de armas é um seguro de vida.
Já sabemos que os exércitos precisam de armar-se, substituir por armas novas e mais mortíferas (disso se trata) os antigos arsenais que fizeram a sua época mas já não satisfazem as necessidades da vida moderna.
Parece portanto evidente que os governos dos países exportadores deveriam controlar severamente a produção e a comercialização das armas que fabricam.
Simplesmente, uns não o fazem e outros olham para o lado.
Falo de governos porque é difícil crer que, a exemplo das instalações industriais mais ou menos ocultas que abastecem o narcotráfico, existam no mundo fábricas clandestinas de armamento.
Logo, não há uma pistola que, por assim dizer, não vá tacitamente certificada pelo respectivo, ainda que invisível, selo oficial.
Quando num continente como o sul-americano, por exemplo, se calcula que há mais de 80 milhões de armas, é impossível não pensar na cumplicidade mal disfarçada dos governos, tanto dos exportadores como dos importadores.
Que a culpa, pelo menos em parte, é do contrabando em grande escala, diz-se, esquecendo que para fazer contrabando de algo é condição sine qua non que esse algo exista.
O nada não é contrabandeável.
Toda a vida tenho estado à espera de ver uma greve de braços caídos numa fábrica de armamento, inutilmente esperei, porque tal prodígio nunca aconteceu nem acontecerá.
E era essa a minha pobre e única esperança de que a humanidade ainda fosse capaz de mudar de caminho, de rumo, de destino.


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