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Aborto, legalização, saúde pública, mortalidade e violência

Sempre acreditei em não apontar o dedo para julgar ninguém, independente do que eu considere bom ou ruim para mim. Quem sou eu para saber o que se passa na cabeça de uma pessoa? Mas, não é assim com a maioria das pessoas, muita gente acredita que mulheres que fizeram um aborto merecem cadeia ou até a morte (sim, já vi muitas pessoas desejando a morte de mulheres “abortistas” por aí).
Se você é uma dessas pessoas, peço que me dê alguns instantes de sua atenção e leia esse post, acredito que posso fazer você entender o motivo de eu acreditar que nem eu e nem você temos o direito de decidir por alguém o que é moral ou imoral.

 
Católicas em campanha pela legalização do aborto – Créditos: Católicas pelo Direito de Decidir

Primeiro a se dizer é que, ser a favor da legalização do aborto não é ser a favor do aborto em si, apenas é acreditar que o aborto clandestino mal feito é um problema de saúde pública que requer um gasto muito maior do Sistema Único de Saúde que o procedimento feito legalmente em um hospital público (que é super simples e rápido, diferente de cuidar de uma hemorragia interna ou fazer uma histerectomia). Legalizar o aborto está muito além de nossa escolha pessoal, é uma questão de saúde e direitos das mulheres em geral. A legalização está muito além do “eu faria” ou do “eu não faria”.
A Roménia é um óptimo exemplo para o estudo dos factores que influenciam a prática de abortos feitos sem acompanhamento médico seguro: em 1966 o aborto legal foi restringido e a taxa de mortalidade de mulheres grávidas causada por abortos clandestinos aumentou dramaticamente, tornando-se dez vezes mais alta que no resto da Europa. Em 1989 o aborto foi de novo legalizado quando pedido pela mulher, e a taxa de mortalidade de mulheres grávidas diminuiu drasticamente.
E sabemos que a proibição aqui no Brasil não faz com que mulheres não abortem. De acordo com pesquisas feitas pela UnB e UERJ,
pelo menos 3,7 milhões de mulheres entre 15 e 49 anos realizaram aborto. Ou seja, 7,2% das mulheres em idade reprodutiva.
E os números não param por aí não:
Desse total, menos da metade chega ao Sistema Único de Saúde (SUS). Estudos referentes a 2005 estimam em 1,5 milhão a ocorrência, na rede pública, de curetagens, o procedimento cirúrgico adotado para diagnosticar ou tratar sangramentos uterinos anormais. ‘Pode-se questionar que nem todas essas mulheres fizeram aborto, mas existe uma subnotificação nesses dados, que não incluem população rural e mulheres usuárias da medicina privada’, afirma Debora (Diniz), que é antropóloga.
EDUCAÇÃO SEXUAL PARA ESCOLHER, CONTRACEPÇÃO PARA PREVINIR, ABORTO LEGAL PARA NÃO MORRER. PELA VIDA DAS MULHERES! – Créditos: Católicas pelo Direito de Decidir no Facebook

E em relação a mortalidade de mulheres, de acordo com o site Católicas Pelo Direito de Decidir, o aborto é apontado como a quarta maior causa. E quando falamos em mortes femininas por aborto falamos de mulheres pobres, sem a possibilidade de pagar por um procedimento fora do país, em um local onde o aborto é legalizado, ou por uma clínica clandestina de boa qualidade. Essas mulheres são, na sua maioria, mulheres que não têm acesso a informação de contraceptivos, não têm dinheiro para pagar um ginecologista, um preservativo ou uma pílula anticoncepcional.
Sei que muit@s de vocês falarão que se encontra pílulas e preservativos em postos de saúde, mas a realidade não é tão cor de rosa: fiz o curso de planejamento familiar, tenho direito a pegar preservativos, pílula e até colocar DIU, se desejar, mas é muito difícil de encontrar preservativos em postos de saúde, pílula anticoncepcional também. Preservativos gratuitos peguei sempre em uma Ong LGBT da minha cidade, não em postos de saúde.
E, supondo que uma mulher pobre tivesse total acesso a contraceptivos pela saúde pública, sabemos muito bem que nenhum método contraceptivo é 100% seguro. Camisinhas estouram, quant@s filh@s de camisinha furada nós conhecemos por aí? Tem mulheres que só descobrem que a pílula não funciona direito com elas depois de engravidar usando pílula. Infelizmente, a única forma de se proteger 100% de DSTs e gravidez é não fazendo sexo. E, das pessoas que são contra a legalização do aborto, acredito que pelo menos metade delas fazem sexo. Como você reagiria se amanhã a sua menstruação ou a menstruação da sua namorada não descesse? É difícil saber antes de nos acontecer. E, mesmo quando já passamos por isso, é difícil saber se, da próxima vez, vamos fazer o mesmo que fizemos da primeira. É por essas e outras que eu prefiro não julgar!
E, claro, pra você que tem certeza que nunca vai abortar na vida, que diferença faz a legalização do aborto? Você não vai mudar de opinião mesmo, então, pra você, ele continua proibido. E é a proibição mais forte que tem, a sua consciência, moral e caráter que te proíbe de fazê-lo.
Esse mês é o mês da luta contra a violência contra a mulher, nada mais útil que falar da violência feita por tod@s nós contra várias mulheres no nosso país, que morrem ao fazer um aborto clandestino. Será o correto ficarmos calad@s enquanto isso acontece? Ser a favor ou contra o aborto é questão de opinião, ser a favor da legalização é uma questão de justiça com nós mulheres!
Para mais informações:

Texto de Sara Joker, em Blogueiras Feministas

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