Cheguei animado. Sabia que a Marcha ia ser boa, não tinha a menor dúvida. Acompanhei todo o processo de organização da Marcha das Vadias do Distrito Federal muito de perto: algumas de minhas melhores amigas participam ativamente da organização. Perdi companhias queridas em diversas ocasiões em nome de reuniões. Mas tudo que eu fazia era saber do que se passava; eu não podia participar da organização.
Ao que tudo indica, sou homem (sim! reivindico-me enquanto um!) e homens não podem participar da organização. Não sei ao certo qual o argumento do Coletivo, mas entendo que existam vários argumentos e alguns muito mais que válidos, como também verdadeiros. A necessidade de espaços de auto-organização, por exemplo, é um argumento que me deixa bem balançado e dividido. De fato, a categoria mulher ainda não alcançou o suficiente para estar, todo o tempo e em todas as situações, em espaços mistos. São estes espaços que, várias vezes, de uma maneira ou de outra, costumeiramente de uma maneira mais simbólica reproduzem as condições de opressões a quais diversas mulheres são submetidas.
É, um espaço em que se possa falar, ouvir, dizer, olhar e se reconhecer é mesmo importante. Não nego isto de forma alguma. Muito pelo contrário, aliás, sinto falta de um espaço desse tipo. Um local onde os olhares se esbarram e as experiências convergem, a cumplicidade se coloca, a conversa flui porque há muito em comum. É importante que as mulheres encontrem esse espaço para gerar seu empoderamento cotidianamente. Sob esse argumento, as coisas parecem fazer bastante sentido. Sob aquele de os homens não poderem ser feministas, acho que nem tanto.
Mas aí, alguém vem apontar que eu sou transexual. Sim, é um fato, uma verdade. Nem por isso, menos homem. Ou, seria justamente por isso, um pouco menos homem? Minha trajetória nem sempre foi vivenciada a partir do lugar que é reservado aos homens. Minhas vivências e experiências não se construíram socialmente a partir de tal lugar de fala. Na verdade, foi justamente essa reivindicação que me tirou todo e qualquer possível privilégio que ainda rondasse por aqui.
Ok! Então, meu caso é diferente? Enquanto homem transexual tenho outras percepções que me permitem ser feminista e participar de espaços exclusivamente de mulheres? É, não sei, não me sinto confortável com isso. Não faz sentido que eu me esforce tanto para me afirmar enquanto homem e, então, justamente sair a me encaixar nas suas exceções.
A verdade, creio eu, é que aMarcha das Vadias do Distrito Federal foi muito boa, muito bacana, interessante, construtiva, empoderadora. Mas aquele não era o meu espaço. Era um lugar em que não cabia a minha manifestação, um lugar onde eu andava como um amigo, um apoiador. Não era ali que eu devia estar para dizer ao mundo qualquer coisa sobre mim, sobre quem eu era, sobre minhas opressões cotidianas.
Mas isto não é uma crítica, isto é ok! Há espaços e espaços, lugares e lugares. Ninguém vai a um show de rock esperando encontrar um campeonato de polo aquático. Simplesmente não faz sentido.
Mas isto não é uma crítica, isto é ok! Há espaços e espaços, lugares e lugares. Ninguém vai a um show de rock esperando encontrar um campeonato de polo aquático. Simplesmente não faz sentido.
Texto de Marcelo Caetano, disponivel em http://blogueirasfeministas.com/2012/06/marchemos-aqui-mas-nao-e-exatamente-o-meu-lugar/
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