A revolução dos bits

Desde o surgimento do Napster, o serviço pioneiro de troca de arquivos ponto-a-ponto (peer-to-peer ou P2P), a internet, essa rede de pessoas, nos oferece demonstrações legítimas de que mudanças radicais estão em curso: a competição dá lugar à colaboração; a Economia da Atenção faz frente à Economia da (escassez) de Informação; a extraterritorialidade dos Estados dissolve fronteiras, inclusive, jurídicas; o conceito de propriedade imaterial é, enfim, posto em prática; o excesso de ‘propriedade’ intelectual traz ameaças à criatividade e às liberdades fundamentais; e, por fim, os Leaks abrem caminho para um maior grau de transparência por parte dos governos supostamente democráticos e questiona, transforma e redimensiona o jornalismo atual.O episódio Wikileaks nos conduz a cenários de divagação sobre a importância da internet, linda não mensurada por nós. A rede, incompreendida, quiçá incompreensível, pelos espíritos – como diria Octávio Paz – “condenados à modernidade”, veio para ficar e romper tradições centenárias. O impacto das transformações sobre a cultura (cujos efeitos infiltram todas as demais dimensões da vivência humana) exige reflexão: é fundamental compreender o novo ecossistema da informação – tarefa que envolve mais intuição, imaginação e participação do que conhecimento, embora, claro, não o dispense.
Portanto, uma nova realidade emerge com importantes implicações para o futuro que resultará dos conflitos que travamos hoje, especialmente contra representantes de ‘instituições’ que insistem em lastrear-se apenas na velhaeconomia, ignorando – infectados pela combinação nefasta de ânsia de lucro com medo de inovação – questões fundamentais de liberdade, criatividade, direitos civis e humanos que são cada vez mais os incontroláveis vórtices da rede.
Uma lição: desconfie da autoridade
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Faríamos bem, contudo, em recordar uma lição do passado: a repressão não só ameaça direitos fundamentais, mas, ademais, simplesmente não funciona – esforça-se por mascarar o potencial de energia criativa inerente à humanidade, mas não pode conter, nem sequer limitar, o explosivo poder dos movimentos espirituais e culturais.

Há exatamente 11 anos, a indústria fonográfica norte-americana iniciou seu suicídio ao mobilizar sua implacável batalha judicial contra o Napster, e venceu. No entanto, o desaparecimento do Napster abriu caminho para que Justin Frankel criasse o Gnutella, o primeiro sistema P2P sem servidor central e embrião tecnológico de todos os sistemas atuais. A sentença de morte judicial aplicada pelo Estado instrumentalizado pelo lobby da indústria fonográfica converteu-se, ironicamente, em seu suicídio como velho modelo de negócios: as novas gerações de serviços P2P já não podem ser encerradas – os novos serviços de compartilhamento de arquivos não são uma ‘pessoa jurídica’ ou mesmo física que pode ser perseguida como está acontecendo, agora, com Julian Assange, criador do WikiLeaks, site cuja perseguição por parte dos governos de países, especialmente dos EUA, resultou na criação do OpenLeaks e outras iniciativas similares, que não são concorrentes do WikiLeaks – como querem fazer parecer alguns veículos de mídia – mas, sim, parceiros que o complementam e apóiam.
Uma década de vitórias judiciais da indústria fonográfica – muitas das quais destroçou milhares de vidas – não logrou sequer retardar o crescimento do P2P que, ao contrário, se multiplicou, inclusive, para o bem de nossa cultura:o P2P pode salvar a música! Ironicamente, na era em que mais produzimos conteúdo enfrentamos mais problemas para preservá-lo. Os suportes digitais dependem, para minimizar o risco de perda e de arquivos corrompidos, de cuidados como constante manutenção e backups.
Entretanto, um estudo realizado nos Estados Unidos acerca do setor fonográfico revelou que apenas 14% das gravações estão comercialmente disponíveis pelos respectivos detentores dos direitos autorais, situação que não só limita muito o acesso a diversos materiais musicais, mas também quase aniquila as opções de preservá-los para o futuro – várias criações musicais podem simplesmente cair no esquecimento. Assim, o P2P pode salvar a memória da música através do compartilhamento de arquivos ponto-a-ponto, reverenciando o axiomático lema cyberpunk que caracteriza a rede: ‘se alguma pessoa tem algo, qualquer um pode acessar e também pode ter’.
Por esses dias, a repressão recai sobre o WikiLeaks. Seus perseguidores não entenderam o que, logicamente, já nos foi amplamente demonstrado: que a repressão, por precisa e pontual que seja, não é suficiente para deter os fenômenos que a internet catalisa e que, inversamente, também catalisam a rede. O WikiLeaks, efeito óbvio da falência da imprensa ‘oficial’ em face das potencialidades da internet, é o primeiro fenômeno que faz ruir, de forma legítima, o principal recurso que ao longo da História serviu ao poder e ao controle por parte de grupos políticos e econômicos dominantes: a manipulação da informação. Agora, a comunicação livre através da internet faz surgir uma outra lógica – o novo ecossistema da informação, não mais aprisionado pela lógica instrumental que sempre encobriu a dominação.
Os exemplos do Napster, do Google, do Twitter, do Facebook, doWikiLeaks e, agora, do grupo Anonymous – tudo isso constitui apenas o prólogo da nossa recente era digital que caminha, se nós assim o quisermos, para uma nova dinâmica de comunicação: livre, racional e crítica.
Você participa, quer saiba ou não, dessa história. Qual será o próximo capítulo?

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