Tenho um grande amigo que desenvolveu uma tese sobre a leitura crítica nas escolas, analisando como leitores bem preparados são capazes de separar o joio do trigo e perceber falácias e engodos nos discursos. A tristeza dele é que estamos longe de aplicar isso nos currículos da maioria das escolas públicas e privadas. Até porque dar instrumentos de cidadania ao povo é um risco, como sabemos, a quem está no poder e se nutre com a ignorância alheia.
Não apenas o poder político, mas também o cultural, o econômico, o religioso.
Alguns vão dizer que estou chutando cachorro morto, mas me deu uma preguiça ler o texto do vereador Carlos Apolinário (DEM) na Folha de S. Paulo desta segunda (11), afirmando se preocupar com o futuro de uma criança adotada por um casal do mesmo sexo. Cada religião tem a total liberdade para professar o que quiser, desde que isso não inclua transformar a vida dos outros em um inferno.
“Algum psicólogo ou juiz já parou para pensar como esta criança se sentirá diante dos seus colegas na escola ou na rua da sua casa, quando ela tiver que enfrentar o mundo, para explicar que está registrada no nome de um casal formado por duas pessoas do mesmo sexo (…) O que acontecerá com uma criança que vai morar com duas pessoas do mesmo sexo que têm relacionamento sexual? Como estará a cabeça dela durante a infância ou a adolescência?”
Até uma ostra saudável em dia de maré baixa se perguntaria: “Ué? Mas não é ele mesmo, com suas posições, que ajuda a produzir e manter esse mundo preconceituoso?”
Ou seja, a velha tática de, uma vez questionado, usar o discurso de culpar a vítima.
- Ah, mas ela pediu. Ninguém bota uma saia curta dessas se não estava pedindo.
- Quem mandou esse reporterzinho ir fuçar os nossos negócios. Se ele tivesse ficado na dele, estaria vivo agora.
- O fazendeiro estava apenas se protegendo. Aqueles índios deveriam ter se mudado quando a fazenda foi aberta. Decidiram ficar, assumiram o risco.
- O trabalhador acaba entrando porque quer nessas condições de serviço e depois diz que é escravo só para que o Estado confisque a terra e lhe dê de presente na reforma agrária.
Adoraria que isso fosse engraçado. Ou ficção. Muita gente agarra argumentos como o do vereador e, sem pensar, o acolhem. Por quê? Porque é mais fácil viver assim e justifica o preconceito. Para quem não foi instigado a duvidar de tudo o que lê, ouve e vê – inclusive disto que escrevo agora – pode ser um porre ter que pensar no que há por trás das coisas.
Mas a sociedade evolui. As justificativas “Porque Deus quis assim”, “Se você não gosta do seu país, deixe-o” ou “A mulher existe para servir ao homem” não são mais aceitas por qualquer um. Daí a busca por razões, mesmo irracionais, para justificar o injustificável. E a importância para a educação nesse processo.
Não só aquela que tradicionalmente é dada nos bancos de escola, mas que vem do trato com a sociedade. O contato com o “outro”, e com suas diferenças, contribui para fomentar essa consciência. Ou seja, aceitar que as pessoas têm direito à própria vida e ao próprio corpo e que não é com uma sociedade ditatorial e sumária que se resolverão os problemas. É redundante dizer que uma (nova) escola tem um papel fundamental nesse processo, de abrir as portas do aluno para aquilo que está além da superfície. Dos textos. Das relações humanas.
PS: Já sugeri, respeitosamente, a um bispo e faço o mesmo com o vereador Apolinário e com o líder da igreja Vitória em Cristo, Silas Malafaia, cujas palavras já foram aqui debatidas. Vamos fazer um amplo debate sobre religião, mídia e liberdade de expressão? O Tuca, na PUC, seria um local perfeito, por sua história de respeito à democracia e à diferença. Eu tenho a certeza de que, colocando os pingos nos is em público, a qualidade de vida desta e das futuras gerações sairão ganhando.
Disponivel em http://mariadapenhaneles.blogspot.com.br/2012/06/como-garantir-que-vida-dos-filhos-de.html
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