"Bote meu nome aí, eu vou falar sim. Eles mandaram calar a boca, mas eu não calo.": Dinhana foi morta dia 30

Primeiro queimaram sua casa, depois tiraram sua vida. Como a traballhadora Dinhana Nink entrou na mira do crime organizado na Amazônia


Dinhana Nink, 27 anos, foi uma das pessoas mais corajosas que entrevistei nos 8 dias que passei investigando a violência no sul do Amazonas para a Agência Pública. Entre tantas histórias sobre pistoleiros que saqueiam, agridem e matam quem se opõe ao corte das árvores, ela foi uma das poucas entrevistadas que me recebeu de cabeça erguida e não teve medo de mostrar o rosto:
- Bote meu nome aí, eu vou falar sim. Eles mandaram calar a boca, mas eu não calo.
Mas não há recompensa para a coragem na Amazônia. Dinhana foi morta com uma bala no peito na madrugada da última sexta, dia 30. O crime aconteceu na frente de seu filho de 6 anos, Tiago. O pai de Dinhana, primeiro a correr com o barulho do tiro, encontrou Tiago tentando limpar o sangue do rosto da mãe. Dinhana deixou mais dois filhos, um de 7 e outro de 10 anos, que moram com o pai.
Apesar da cara de valente, lembro de sentir a fragilidade de sua condição durante a entrevista, em janeiro deste ano. O Tiago brincava pertinho da gente, no chão da sala. Eu pensava que aquelas histórias eram fortes demais para os ouvidos de uma criança. E ele ainda se recuperava do trauma que foi ver sua casa queimada com tudo dentro em novembro passado. Mas as palavras que me chocavam não eram novidade para ele.
Dinhana me contou sobre as ameaças que recebia desde que desafiou um homem ligado à quadrilha de pistoleiros que toma conta da região. Ela morava em um assentamento de Lábrea, município do sul do Amazonas. Um daqueles lugares onde o Estado simplesmente não chegou. Não tem energia, delegacia, linha telefônica, sinal de celular. Destino certo para madeireiros ilegais, que contratam pistoleiros para garantir que ninguém atrapalhe a retirada do que chama de “ouro verde”. A reportagem completa foi publicada aqui.
Lábrea é um dos lugares mais violentos da Amazônia. Eu pude ir até lá porque estava acompanhando a líder Nilcilene Miguel de Lima, 45 anos, que hoje tem escolta da Força Nacional. Nilce, como é conhecida, também foi ameaçada por denunciar a quadrilha. Foi ela quem me apresentou à Dinhana.
Dinhana não era ambientalista ou líder. Não queria defender a floresta e as pessoas que moram nela, como Nilce. Queria apenas tocar a vida e proteger seu negócio, um pequeno bar e mercearia dentro do assentamento.
É verdade que Dinhana sabia demais. Enquanto trabalhava, ouvia conversas sobre as atividades das madeireiras. “O povo bebia e falava”, ela disse. “Tem muita gente lá que vive de madeira. Serra de dia, e tira de noite. Falam sempre que tem que ter cuidado na hora de entrar de noite com o caminhão, se a polícia pega, não pode deixar prejudicar os donos. Se pegar, não pode de jeito nenhum falar quem era o dono da madeira”.
Sua morte está relacionada à força do crime organizado que se formou na região graças ao comércio ilegal de madeira combinado com total ausência do Estado. Ela se meteu com a pessoa errada, em um local onde a polícia não age. Pagou com a vida.
Tudo começou em novembro, quando um de seus clientes no bar, Jheferson Arraia Silva, bebeu demais e começou a provocar briga. Ela pediu que ele fosse embora, ele ficou agressivo. Dinhana não era mulher de ficar calada. Apanhou, mas também bateu. Depois registrou tudo na polícia.
“Eles não gostaram que eu fui na polícia e, na semana seguinte, a mãe dele começou a mandar recado”, Dinhana disse. Suzy Arraia Silva, mãe de Jheferson, é citada em diversos relatos dos pequenos produtores rurais da região pela proximidade com a quadrilha. “Ela dizia que não ia ficar em branco, que ia queimar minha casa, que ia ter vingança”.
Assustada, Dinhana decidiu mudar para Nova Califórnia, a vila mais próxima, já no estado de Rondônia. Mas, enquanto procurava lugar para ficar, sua casa e bar no assentamento foram queimados com tudo dentro.
“Ficou tudo no chão, preto, queimado. O freezer ficou miudinho. Minha dor maior foi ver os meninos revirando as cinzas. Eles foram catando coisas para levar embora. Mas eu não deixei, tava tudo queimado”.
Esse foi o único momento da entrevista que Tiago se manifestou. Quando Dinhana disse que não lembrava dos objetos resistiram ao fogo, o menino mostrou que não esqueceu: “tinha colher, ferro, fogão, o DVD”. A mãe logo emendou: “tudo queimado, não dava pra aproveitar”.
Dinhana procurou a Força Nacional. “Eles disseram que só podem proteger a Nilce, me indicaram a polícia. Fui no posto da PM de Nova Califórnia, eles disseram que não podem fazer nada porque são de Rondônia e lá é Amazonas.”.
No Boletim de Ocorrência registrado na Polícia Civil de Rondônia, ela fala das ameaças que sofria. Segundo ela registrou no documento, Suzy “teria dito que iria eliminar três pessoas da localidade”, Dinhana era uma delas. Mas a polícia nada fez sobre o caso.
Em janeiro, quando entrevistei o responsável pelo posto policial da vila, ele disse que o posto recebeu mais de 20 registros de ameaças de morte do assentamento só no último ano. “Nós estamos de mãos atadas em relação a tudo que acontece lá porque não é jurisdição de Rondônia”, disse o sargento Fábio Cabral de Lima.
Dias depois do assassinato de Dinhana, já circula um boato de que ela usava drogas ilegais. A técnica da difamação é bastante usada pela quadrilha de pistoleiros, que espalham até o boato surreal de que a líder Nilcilene (escoltada 24 horas pela Força Nacional) dá “escapadas” para derrubar madeira.
“Esse grupo manda na região. Eles cometem crimes, perseguem e difamam quem os denuncia”, diz Neide Lourenço, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra do Amazonas. “Enquanto o estado não se fizer presente, colocar um posto policial, o crime vai continuar ditando a ordem”.
 

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