Bicicletas no caminho: será que sabemos mesmo dirigir?

Faça chuva ou sol, caia neve ou tenha uma forte neblina. Literalmente falando, não tem mau tempo para os alemães tirarem a bicicleta de casa. Com isso, não vou levantar aquela bandeira de que aqui as pessoas são mais conscientes dos problemas ambientais e que usam a “magrela” como meio de transporte sustentável. Até porque não é bem assim que funciona.
Ciclovia devidamente sinalizada / Foto:Christiane Telles
O que quero dizer é que os ciclistas alemães podem de modo geral se sentir seguros para ir e vir em qualquer situação climática e hora do dia ou da noite. Essa é pelo menos a impressão geral que tenho, apesar de ter lido um estudo feito pela ADAC, o maior clube de automóveis da Alemanha, divulgado em 2009, que mostrou dados considerados “não muito otimistas” e que apontam desafios de infraestrutura e de convivência entre motoristas e ciclistas.
Bicicletário lotado mesmo em dias de pouca visibilidade / Foto: Christiane Telles
De acordo com o documento, as bicicletas respondem a 9% do trânsito do país e cerca de 10% das vítimas no trânsito são ciclistas. (Veja aqui matéria da DW em português sobre o estudo). Embora eu não tenha encontrado nada mais recente, acredito que de lá pra cá muito coisa melhorou. Em todo caso, quando comparamos com o que temos no Brasil, os alemães estão “muuuito bem, obrigada”.
Acho justo ressaltar que mesmo que o país apresente uma taxa de motorização da população de quase dois carros por habitante, o planejamento das cidades e dos sistemas de transporte não deixam de lado o respeito e a segurança aos pedestres e aos ciclistas. Quem não usa carro para se locomover não é negligenciado.
Pelas diversas cidades por onde transito regularmente, a exemplo de Berlim, passando por Hamburgo, Munique e Bielefeld, onde moro, encontrei uma ótima estrutura para quem pedala. As ciclovias são bem sinalizadas e demarcadas e os pedestres e motoristas devem estar sempre atentos para não invadir o espaço destinado aos ciclistas. E por isso é impressionante a autoconfiança com que eles seguem seu caminho sem achar que serão atingidos por um carro. O raciocínio é lógico: “Está tudo sinalizado. O que temer?”
Sinal verde para todos, mas cada um no seu lugar. A frase na placa pede “Pedestre, por favor deixe livre o caminho para bicicletas” / Foto:Christiane Telles
É interessante é notar também que mesmo que eles transitem pelas calçadas ou por uma rua que não possua ciclovia, eles não se sentem ameaçados, pois já muito normal conviver com as bicicletas que transitam, às vezes até rápido demais.
Ao vivenciar essa relação entre pedestres, motoristas e ciclistas penso sempre o quanto o Brasil ainda está longe de oferecer um ambiente apropriado a esse tipo de transporte e como é bom ver que isso é possível e provar dessa realidade. Afinal, aqui eu também sou ciclista. Como gostaria de ver isso no meu país!
Contudo, minha experiência com as pedaladas não foi tão impactante quanto a de motorista. Explico por que…
Tudo começou com um “Ninguém merece!” Esse foi meu primeiro pensamento ao descobrir que com 14 anos de Carteira de Habilitação no Brasil teria que voltar para auto-escola na Alemanha e fazer provas teórica e prática para ter o direito de dirigir. Essa foi difícil de engolir!
Mas depois dessa experiência e de refletir mais, reconheço a necessidade de “reaprender” a dirigir.
A primeira coisa que meu instrutor disse foi que no teste eu não seria avaliada necessariamente pela minha habilidade em dirigir o carro, mas sim se eu não colocaria a vida de pedestres e ciclistas em risco.
Parece óbvio, não? O fato é que vindo de um país onde o número de bicicletas nas ruas é ínfimo e não estando habituada com os meus confiantes companheiros de tráfego tive que redobrar minha atenção.
Se no teste de direção o condutor não virar mesmo a cabeça, a famosa olhadinha pelo ombro, antes de fazer uma conversão ele é reprovado. Se não conduzir com a distância mínima lateral de 1,5 metro ao passar pelo ciclista ou ainda se ao querer converter não der preferencia ao ciclista ele também não é aprovado. Olhar pelo retrovisor não basta, tem que fazer “tudo ao mesmo tempo agora” para garantir a segurança de todos. Nos testes teóricos também não faltam perguntas sobre o comportamento em relação à preferencia ao ciclista.
Tudo soa básico, mas não é. No começo, ao dirigir ficava tensa olhando pra todos os lados possíveis para perceber os ciclistas o mais cedo possível. Esse sentimento e preocupação não temos no Brasil e por isso não é algo “instintivo” e por isso eu queria muito que no meu teste prático nenhum ciclista cruzasse meu caminho. Mesmo sabendo que se eu parar antes de virar para que o ciclistas passe, os veículos atrás também irão parar e não irão bater na traseira do carro, é uma sensação estranha.
Quem espera por quem? / Imagem: site Fahrenlernenmax
Eu sei que no Brasil também temos um Código de trânsito que dispõe sobre os direitos e deveres dos ciclistas, dos outros veículos com relação a eles e outras medidas que devem ser tomadas. (Veja aqui uma apresentação interessante sobre o código brasileiro e as biciletas). A diferença é que aqui tudo deve ser seguido ao pé da letra. Não devido à fama da rigidez alemã com as regras e leis, mas, sobretudo, para não nos envolvermos em situação de risco.
Enfim, ao ler as notícias mais recentes sobre mortes de ciclistas no Brasil, achei que esse seria um tema pertinente para esse início de conversa e acrescentar algo sobre respeito no trânsito e a nossa responsabilidade como condutores. Em uma próxima oportunidade posso contar como os ciclistas devem se preparar para sair pelas ruas. Não basta ter uma bicicleta!
(Christiane Telles/Mercado Ético)

0 comentário(s):

Postar um comentário

Deixe sua sugestão, crítica ou saudação juntamente com seu contato.

 

© 2009-2012 movimento contestação