Amor de carnaval tem que ser sem violência

Desenho de Tom, em CC para a campanha de combate a violência machista no carnaval do PSOL

É fevereiro e começamos a contar os dias para a chegada do Carnaval. Época de festar, frevar, sambar e namorar bastante, como dizia a música: Beijo na boca é coisa do passado, a moda agora é, é namorar pelado. Em alguns estados são quase duas semanas de bloquinhos, bailes, micaretas, mesmo com as críticas que possamos ter a este período que começa a inebriar o país é importante lembrar que para nós feministas Carnaval não é sinônimo de carta branca para passar a mão na cabeça dos casos de violência machista e mercantilização do corpo da mulher e não é raro nos depararmos com aumento de casos de violência contra a mulher durante as folias, por que será, né?
O Observatório da Discriminação Racial, da Violência Contra a Mulher e a Comunidade LGBT, promovido pela Secretaria Municipal da Reparação (Semur), registrou 254 casos até o final da tarde da última terça-feira, 08 de março, último dia oficial do Carnaval.
A maior parte deles, 149, foi de racismo. As denúncias de agressão a mulher vem em seguida, com 63 registros. Contra grupos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis) foram 42 casos. (Violência contra a mulher foi a segunda mais recorrente no carnaval de Salvador)
A questão é tão séria que chama atenção dos governos estaduais, no nordeste aparecem campanhas em diversas unidades federativas com o eixo do combate à violência contra a mulher, principalmente a física. Tanto que este ano o afoxé Filhos de Gandhy levará para o circuito do carnaval soteropolitano o tema da violência machista, numa alusão carnavalesca e importante da campanha do laço branco. A questão é que o Carnaval, apesar de parecer para muitas pessoas, não é um momento de abertura de um vórtex onde toda a construção social e cultural que envolvem as mulheres e os negros somem como mágica.
Normalmente acabamos caindo pela máxima de que no Carnaval é meio inócuo de se fazer coisas para disputar ideologicamente a sociedade, passo longe dessa ideia e acho iniciativas como o “Maria vem com as outras” e o “Adeus Amélia” fantásticas e que devem ser mais exploradas, pois é importante ter bailes e bloquinhos que se pretendam festejar, mas sem perpetuar as opressões diversas existentes em nossa sociedade. Quando se tratam de blocos compostos por mulheres acho melhor ainda, pois normalmente as mulheres de verdade são substituídas pelas siliconadas da capa da playboy nas passarelas do samba. No caso das mulheres negras não somos apenas substituídas nas grandes escolas de samba, se em uma sociedade patriarcal a máxima para mulher é ser santa ou puta, para as mulheres negras é ser da  cor do pecado ou domésticas e raramente a mulher para ser assumida como parceira de vida ou companheira.
A questão da mercantilização do corpo das mulheres não é menor, mas obviamente assusta mais casos de violência sexual estimulados por esta mercantilização, a mulher é sempre de alguém, nunca dela mesma e paga caro por esta concepção arraigada no senso comum. Talvez no carnaval seja um dos momentos mais ilustrativos, até por que como todo mundo vai para avenida com o intuito de se divertir, pular carnaval e afins nunca imaginamos ser alvo de violência ao ir com as amigas para um bloco de carnaval ou para um baile.
A objetificação da mulher e a perpetuação da lógica de propriedade do homem se perpetuam no Carnaval, as vezes de forma mais grave do que em outros períodos, talvez que de maneira mais massiva só se presencie durante as calouradas, nas quais veteranos muitas vezes se aproveitam de calouras bêbadas para poder irar uma casquinha. No carnaval talvez seja pior, justamente por conta da lógica do ninguém é de ninguém e eu sou de todo mundo e todo mundo me quer bem.
Durante a festa a mulher bebe, se diverte, como todo mundo. Diz ao homem que não quer ficar com ele. Isso já deveria bastar para um homem com um mínimo de senso ético desencanar da dita mulher. Pois não. Ele fica lá, enchendo o saco. Ela continua dizendo que não quer ficar com ele. No final da noite, ela trêbada se deita. Ele vai lá e começa a abusar dela. Carícias não só não-solicitadas, como repelidas, não são carícias. São atos de violência. Se a mulher não diz não, isso não significa um “sim” automático, até porque ela não estava em condições de dizer nenhum dos dois. (MOSCHKOVICH, Marília. A cena do Big Brother é um problema do Brasil)
Grande parte das vezes as mulheres vítimas de violência durante as folias não são acolhidas dessa forma, mas sim como se tivessem provocado sua própria violência, perpetuando a lógica de culpabilização das mulheres pelas ações machistas perpetradas em nossa sociedade e, sobretudo, pelos homens. Rodinhas de homens coagindo garotas a beijarem ou até mesmo se aproveitar de mulheres que não tem a mínima condição de sequer ficarem sentadas, recolocando assim o debate sobre estupro de vulnerável na pauta da sociedade.
Tão grave quanto o ataque do estuprador são os comentários que consideram que a culpa do estupro é da vítima. Estar bêbada, usar determinadas roupas e até mesmo “olhar” de certo jeito são argumentos frequentemente usados por defensores de estupradores para culpar a vítima. Ora, se o estupro fosse causado por uma saia curta, quase todos os homens heterossexuais seriam estupradores e todas as mulheres teriam sido estupradas. O que causa estupro não é a roupa, o comportamento da vítima (corrobora com isso, inclusive, o fato de que a maior parte dos casos de violência sexual acontece dentro da família da vítima, em casa). É o estuprador.  (MOSCHKOVICH, Marília. A cena do Big Brother é um problema do Brasil)
Não fechar os olhos para coisas como estas enquanto nos divertimos entre amigos, ficantes, namorados e afins é importantíssimo, pois o combate a violência machista e a coisificação das mulheres também deve aparecer durante as festas e folias, é necessário que metamos a colher quando vemos acontecer em nossa frente abuso. Pois hoje pode ser com aquela menina que tu não conheces, mas amanhã pode ser tu, tua irmã, filha, mãe e faz parte das nossas tarefas como feministas sim reafirmarmos a necessidade de defesa e autodefesa das mulheres inclusive durante o Carnaval e em todos os estados do Brasil. Assim como deve estar casada uma política real de atendimento as mulheres em situação de violência, não apenas doméstica, mas de todas as formas. Política que tenha investimento suficiente para acolher e dar suporte as mulheres que sofrem com violência sexual, psicológica e afins durante os festejos momescos e que garanta para nós um ótimo Carnaval.
A maioria de nós curte pular o Carnaval e nada melhor do que pular nos bloquinhos e bailes sem ter a preocupação e o medo de ser abusada, violentada ou estuprada por um desconhecido, ou até mesmo por alguém próximo. O combate à violência contra mulher é por mim, por você, por todas nós e a todos os momentos.

Texto de Luka, disponivel em http://blogueirasfeministas.com/2012/02/amor-de-carnaval-tem-que-ser-sem-violencia/ 

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