O deputado estadual Marcelo Freixo decidiu deixar o Brasil, as seguidas ameaças de morte são o motivo.
Marcelo Salles
Marcelo Freixo se transformou em um militante de Direitos Humanos, segundo o próprio, quando começou a dar aulas de História no presídio Edgar Costa, em Niterói (RJ). Ensinava a pessoas que estavam presas. Mais de 20 anos depois, por ironia do destino, agora é ele quem tem sua liberdade ameaçada. Não por ter cometido alguma infração penal, mas justamente por combater, como deputado estadual pelo PSOL, organizações criminosas formadas por policiais, bombeiros e agentes penitenciários, que no Rio de Janeiro são chamadas de milícias, popularizadas no filme Tropa de Elite 2, que tem um dos personagens principais inspirados em Freixo.O parlamentar saiu do Brasil com a família rumo à Europa nesta terça-feira (1), a convite da Anistia Internacional e da Front Line Defenders. Segundo ele, sua segurança estava comprometida, não recebia retorno da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro a respeito do andamento das investigações das ameaças que vinha sofrendo - sete no último mês e 27 desde que presidiu a CPI das Milícias, em 2008.A mais grave dessas denúncias veio a público a partir de um documento preparado pela Coordenadoria de Inteligência da Polícia Militar, indicando que o ex-PM Carlos Ari Ribeiro, conhecido como Carlão, planejava o assassinato de Freixo. O suspeito integra uma milícia e o crime teria sido arquitetado quando ele estava detido do Batalhão Especial Prisional (BEP) da PM. Carlão, que fugiu do BEP no último dia 2 de setembro, receberia R$ 400 mil do miliciano Toni Ângelo Souza Aguiar.A Secretaria de Segurança afirma, em nota divulgada no mesmo dia em que o deputado saiu do País, que coloca à disposição da "Presidência da ALERJ os recursos necessários para garantir a segurança de seus deputados". A mesma nota garante que a Delegacia de Repressão às Ações do Crime Organizado e Inquéritos Especiais já investigou ou está investigando "todas as denúncias anônimas recebidas pelo Disque Denúncia e relativas a ameaças de grupos de milicianos à integridade física do deputado".Antes de sair do País, Freixo deixou claro que o problema não se resume à sua proteção pessoal, e sim à segurança de milhares de pessoas que vivem em áreas dominadas por milícias. "Se torturaram uma jornalista, assassinaram uma juíza e ameaçam um deputado, imagina o que fazem com milhares de pessoas que vivem nas favelas que eles controlam". A ida para a Europa é uma forma de chamar a atenção para esse problema. Nos países que visitar, o deputado terá reuniões com autoridades e ativistas de Direitos Humanos, a fim de captar apoios que fortaleçam a denúncia internacional das milícias no Brasil, que já atuam em 11 estados do País.Freixo reconhece que muito foi feito com a prisão de líderes - desde a CPI, centenas de milicianos foram retiradas de circulação -, no entanto, o deputado deixa claro que falta um enfrentamento que atinja os recursos econômicos e o controle territorial dos bandidos - ele afirma que desde 2008 essas áreas de milícia saltaram de 170 para 300 em todo o Rio de Janeiro.Entre essas medidas estão a maior fiscalização da venda de gás e de assinaturas de TV a cabo, além da concessão de licenças individuais para o transporte alternativo - o uso de cooperativas estaria servindo para mascarar um dos negócios mais lucrativos das milícias, em que apenas uma dessas associações fatura cerca de R$ 170 mil por dia, de acordo com o relatório final da CPI.Braço na política - As primeiras manifestações de políticos sobre as milícias datam de 2005, quando o ex-prefeito César Maia as classificou como "autodefesas comunitárias", dizendo que elas eram preferíveis aos traficantes. Um ano depois, o então candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro pelo PSDB, Eduardo Paes, deu a seguinte declaração à TV Globo: "Jacarepaguá, no Rio de Janeiro (Zona Oeste), é um bairro que a tal da polícia mineira, formada por policiais, por bombeiros, trouxe tranquilidade para a população. O morro do S. José Operário era um dos mais violentos desse estado, e agora é um dos lugares mais tranquilos".De lá para cá, as milícias ganharam força ao ponto de eleger parlamentares. Os mais famosos são Natalino Guimarães, ex-deputado estadual preso sob a acusação de chefiar a Liga da Justiça; Jerominho Guimarães, ex-vereador, irmão de Natalino; Carminha Jerominho, também da família; e Cristiano Girão, ex-vereador condenado por formação de quadrilha.A CPI presidida por Marcelo Freixo ajudou a identificar as redes criminosas e a descrever seus métodos de ação. Em geral, esses grupos entram nas favelas com um discurso moralista e cobram uma taxa de proteção aos moradores, supostamente utilizada para mantê-los livres de traficantes. Também passam a intermediar serviços como TV a cabo, venda de gás e transporte alternativo. Quem se recusa a pagar é ameaçado. Se a recusa é mantida, o morador pode ser expulso de sua casa, torturado ou executado pelos bandidos.De dois em dois anos, as áreas controladas por milícias viram currais eleitorais. O mapeamento das urnas nas últimas eleições revela que determinados candidatos receberam votos exclusivamente nessas regiões. As denúncias que chegam à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro dão conta de que muitas pessoas têm sido obrigadas a votar nos candidatos escolhidos por milicianos. Ou seja, milhares de cariocas vivem com a liberdade ameaçada.Nesse momento em que se discutem alianças e estratégias de campanha para as eleições de 2012, seria útil que as autoridades públicas, as lideranças empresariais e as organizações não-governamentais apresentassem um plano de ações para enfrentar o poder econômico e territorial das milícias que atuam no Rio de Janeiro e nos outros estados do País. Marcelo Freixo deu visibilidade ao problema. Abriu mão de sua tranquilidade para defender o povo pobre que sofre com a tirania dessas quadrilhas. Fez o que tinha de fazer, costuma enfatizar sem nunca reivindicar qualquer mérito. Agora, os demais atores envolvidos serão cobrados para que façam a parte que lhes cabe.(Leia reportagem publicada em novembro de 2010)
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