Passeata lembra os extermínios realizados na Baixada Santista em 2010


Neste mês, completa-se 1 ano do extermínio de 27 pessoas ocorrido na Baixada Santista, no Estado de São Paulo, pela Polícia Militar e grupos paramilitares. As mães de maio estão convocando uma passeata para esta quinta-feira, dia 21, em homenagem às vítimas. Leia abaixo a íntegra da reportagem que denunciou o caso, publicada na Revista Caros Amigos de maio de 2010:
 Grupos de extermínio matam com a certeza da impunidade
As investigações indicam a participação de policiais militares em chacina na Baixada Santista Até agora, foram presos 23 PMs suspeitos de envolvimento nas mortes do litoral.
Por Tatiana Merlino
–Quem vai comprar cigarro com o Chimiro sou eu, diz Marcos Paulo.
– Nem vem… Eu que vou, retruca o rapaz.
Depois de muita discussão, Marcos Paulo pega o capacete e monta na garupa da moto do amigo de infância: “Eu é que vou”, diz, decidido.
O trajeto do Bar Paradinhas, no bairro de Catiapoã,  em São Vicente, até o local onde os rapazes querem comprar cigarro, não é longo. Àquela hora da madrugada, véspera de feriado de Tiradentes, seria ainda mais rápido. Logo estariam de volta ao bar, onde outros amigos da turma o esperavam.
Erich, de 21 anos, conhecido como Chimiro pelos amigos, dirige a moto, e Marcos Paulo, de 18, vem à garupa. A moto vira na rua Pérsio de Queiroz Filho e, antes de chegar no meio da primeira quadra, duas motos vêm em direção aos rapazes. Cada uma delas com dois homens. Na esquina, um carro preto, modelo Siena, bloqueia a passagem.
Ao serem abordados por um dos homens da moto, os jovens tiram os capacetes e mostram as identidades. Marcos Paulo é o primeiro a ser atingido. Ele tenta se defender. Levanta e cruza os braços para se proteger das balas. Em vão. Ele é atingido por mais de dez disparos no peito, orelha esquerda, cabeça, ombro, costas, braços e pernas. Na sequência, Erich leva três tiros: mão direita, tórax e pescoço.
Horas antes, Marcos Paulo saía de casa de bicicleta para encontrar os amigos num bar. Às 23h, falou com a mãe, Flávia, ao telefone. “Não saia hoje, não, meu filho”. “Ah, mãe, hoje é véspera de feriado”, respondeu o rapaz. Do bar, Marcos Paulo foi a uma festa com amigos e, depois, todos foram ao Paradinhas.
Flávia fazia plantão na enfermagem de um hospital de Santos quando recebeu, pouco depois das 4 horas da manhã, um telefonema: “O Marcos Paulo levou um tiro”, ouviu da irmã. A enfermeira seguiu até o Centro de Referência em Emergência e Internação (Crei) de São Vicente, para onde o rapaz teria sido levado. “Ninguém deu entrada aqui com esse nome”, ouviu, chegando ao hospital.
– Como ninguém foi buscá-lo? Ele foi baleado!
– Acho que não tinha transporte, senhora.
A mãe de Marcos Paulo seguiu para o local do crime. Lá, encontrou o corpo do filho no chão, cobertopor um lençol.
– Pode mexer nele, mãe –, Flávia ouviu de um policial militar
– Como? Eu não posso mexer. Quando é assassinato, ninguém pode chegar perto, e vocês ainda não fizeram perícia.
Marcos Paulo Soares Canuto e Erich Santos da Silva estão entre as 22 pessoas que foram mortas na Baixada Santista (SP), no período entre 18 e 26 de abril, após o assassinato do soldado da Força Tática Paulo Rafael Ferreira Pires, em Vicente de Carvalho, no Guarujá, no dia 18.
Os principais suspeitos dos assassinatos são policiais militares que integrariam um grupo de extermínio. O modus operandi das ações são semelhantes às ocorridas em maio de 2006. “A relação entre a série de crimes de 2006 e os de 2010 é que ambos foram cometidos na sequência de mortes de policiais por grupos de extermínio com indícios de serem formados por policiais, com pessoas encapuzadas ocupando uma moto, acompanhadas de um carro, usando mini metralhadora e com recolhimento dos projéteis logo depois, desconfigurandoa cena do crime”, acredita o defensor público do Estado Antonio Mafezzoli.
Até o fechamento da edição, 23 policiais da Baixada Santista haviam sido presos administrativamente. Eles são suspeitos de fazer parte do grupo de extermínio conhecido como “Ninjas” que matou 22 pessoas no litoral paulista. Caso haja evidências da participação desses policiais nas mortes, a Corregedoria pode pedir a prisão temporária dos acusados. Os nomes dos suspeitos não foram divulgados.
Projéteis recolhidos
A reportagem da Caros Amigos teve acesso aos Boletins de Ocorrência (BOs) de cinco vítimas de São Vicente (quatro óbitos e um sobrevivente) e oito de Vicente de Carvalho, no Guarujá – seis mortes e duas tentativas. Na maioria deles, constava a informação de que “não foram arrecadados cartuchos ou projéteis [para perícia]” e, também, que as vítimas foram abordadas por indivíduos encapuzados.
Embora os representantes das Polícias Civil e Militar tenham considerado a possibilidade da participação de policiais nos assassinatos de abril, os crimes ainda não foram esclarecidos.
Para Débora Maria da Silva, militante das Mães de Maio e mãe de uma das vitimas dos crimes de 2006, “se os assassinatos de quatro anos atrás tivessem sido resolvidos, isso não estaria acontecendo”. Para ela, a recente onda de assassinatos da Baixada pode ser chamada de “crime de Maio continuado”, afirma.
Na opinião de Mafezzoli, é possível que os responsáveis pelos assassinatos de 2006 sejam os mesmos dos crimes recentes. “É provável que sejam as mesmas pessoas, porque o modo de cometimento é idêntico. Acho que a não punição dos crimes de maio de 2006 gerou uma sensação de que esse grupo podia continuar atuando dessa forma porque não ia mudar nada, ninguém ia ser punido, a Polícia Civil e o Ministério Público nem iam chegar perto deles. Assim, sentiram-se à vontade para continuar”.
O defensor explicou que, depois do episódio do “maio sangrento” de 2006, outras mortes aconteceram em Santos e na Baixada com o mesmo perfil e “sempre posteriores à morte de um policial”. Em novembro do ano passado, disse, um policial morreu em Cubatão. “Em seguida, metralharam 16 pessoas”. Segundo Mafezolli, dados da Ouvidoria de Polícia levantados pela organização não governamental (ONG) Justiça Global, entre maio de 2006 e dezembro 2009, 70 pessoas foram mortas em situações semelhantes, “sem contar os 40de maio de 2006 e os 23 de abril de 2010. Isso mostra que esse grupo continuou em atividade, esempre vingando a morte de policiais”.
Para o advogado Fernando Delgado, da Justiça Global, é possível estabelecer uma relação entre os grupos de extermínio de hoje e os esquadrões da morte, criados no final dos anos 60 e atuantes durante a década de 70. “A metodologia é bastante parecida e há simbologias semelhantes, como a imagem da caveira”, explica.
Até o fim
Marcos Paulo era o único filho de Flávia Soares. Separada do pai do menino, ela morava com o adolescente num pequeno apartamento no bairro do José Menino, em Santos. “Não tenho mais condições de morar aqui. São muitas lembranças”. Logo depois da morte do filho, Flávia iniciou uma pequena investigação por conta própria. “Eu não vou sossegar porque o que eu tinha que perder já perdi. Agora, o que eu tenho, a minha vida? Quero que se dane! Eu vou até o final. Nem que para isso um dia vocês escutem: mãe de Marcos Paulo foi assassinada”.
No dia da morte do filho, Flávia ouviu de um policial militar que o calibre da arma que usaram para assassiná-lo era o 380, “aquela bala pequenininha que entra, não faz furinho nenhum, mas, quando chega dentro, explode tudo”. Porém, ao prestar depoimento na delegacia, o escrivão disse à mãe que ainda não se sabia qual era porque não havia sido feito o exame de balística. “Se for mesmo 380, quemusa é polícia da pesada ou bandido”, diz.
Marcos Paulo tinha terminado o ensino médio no final de 2009 e pretendia fazer curso para técnico de contêiner. Tinha uma namorada, gostava de jogar futebol na praia, fazia musculação. “Era muito alegre e extrovertido”. Era o conselheiro amoroso da turma, e ajudou Erich a arrumar uma namorada.
Testemunhas e amigos contaram que, na noite do assassinato dos rapazes, alguns homens que circulavam pelas redondezas do bar estavam anotando placas de moto e carros. Porém, a maioria dos jovens tem medo de testemunhar e sofrer represálias posteriormente.
Em recente entrevista concedida ao jornal A Tribuna, dois homens que se identificam como participantes de grupos de extermínio relataram como atuam e afirmaram que, depois de uma certa hora, estar na rua de certos bairros da cidade é pedir para morrer. Flávia protesta: “Quer dizer que quem é de periferia não pode viver, não tem direito de sair na rua à noite?”, questiona. “Meu filho estava na periferia porque tem raízes e amigos lá. Foi ali que nós nascemos”, diz.
Na mesma madrugada em que Marcos Paulo e Erich foram mortos, outros dois jovens também foram assassinados e um terceiro ficou ferido. De acordo com o Boletim de Ocorrência da 1ª DP de São Vicente, Anderson Souza Reis e Wandilson de Oliveira Silva “foram abordados por dois indivíduos encapuzados que desceram de um veículo preto não identificado e, sem nada dizer, passaram a efetuar disparos com arma de fogo”. O relato foi feito pelo sobrevivente. No B.O., também consta que, no local, não foram encontrados projéteis para a realização de perícia. Anderson e Wandilson foram mortos às 4h47 e 5h, respectivamente, também no bairro de Catiapoã.
Sete tiros
Numa manhã de sábado, Jane Aparecida Matos Madeira, a dona Jane, recebe a reportagem em seu apartamento no bairro de Aparecida, em Santos. Lá, também estão as netas, de dois, sete e dez anos. A pequena mexe no gravador, a do meio, cuida da menor e a mais velha participa da conversa. No dia 23 de abril, Alessandra Aparecida Matos Madeira, de 29 anos, filha de Jane e mãe das meninas, estava num bar com duas amigas quando um carro e uma moto Biz começaram a rondar o bar. “Esse carro já passou aqui, vamos tomar cuidado”, diz uma delas. O carro para, um homem encapuzado sai do seu interior e dispara na direção de Alessandra. As amigas correm, mas ela, de salto alto, cai e não consegue fugir. “Foram sete tiros, todos do mesmo lado, no ouvido, na cabeça. Ela não teve chance de nada”.
A morte da filha de dona Jane teria sido “queima de arquivo”. “Eu ouvi isso no próprio distrito policial”, afirma a senhora. Alessandra teriatestemunhado o assassinato de Rafael Souza de Abreu, de 16 anos, na noite de 26 de março. Ela era amiga da namorada do adolescente e estava no local quando ele foi morto.
Há seis anos, Jane perdeu o outro filho, também assassinado por policiais. “A gente coloca os filhos no mundo e não acha que essas coisas vão acontecer”. A enfermeira de 53 anos diz que teme pelas netas, que dependem dela: “Fico com medo porque tenho três crianças. Tenho que trabalhar muito para mantê-las”.
Mesmo assustada, Jane participou da audiência pública “A violência na Baixada Santista”, realizada em 14 de maio, em Santos, para discutir a impunidade dos crimes de maio de 2006 e a onda de violência que marcou o mês de abril deste ano na Baixada. “Quero saber quem foi que fez isso com a minha filha”, disse dona Jane, emocionada, na primeira fileira do auditório, ao lado de outros familiares de vítimas da violência do Estado.
Organizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Movimento Mães de Maio e Fórum da Cidadania de Santos, com o apoio dos deputados estaduais do PT Fausto Figueira e Maria Lucia Prandi, o encontro reuniu pais e mães de vítimas, comando das Polícias Militar e Civil, Ministério Público, Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e organizações da sociedade civil. Entre os participantes, estava o ouvidor-geral de Cidadania da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, FerminoFechio, que afirmou que a situação exige um choque de gestão para mudar o modelo de polícia: “O Estado sempre é lerdo para atender às mães”.
Na ocasião, o coronel Sérgio Del Bel, que responde pelo Comando de Policiamento do Interior 6 (CPI-6), unidade responsável pela Baixada e Vale do Ribeira, admitiu que há “fortes indícios” da participação de policiais militares no crimes, mas “eles não são a maioria”. “Sob meu comando, não permito nenhum tipo de violação. São expulsos em média 280 policiais todos os anos”. Del Bel disse, ainda, que “deve haver a participação de policiais. Não vejo a hora de colocar esses caras na cadeia”.
O delegado Waldomiro Bueno, do Deinter-6, responsável pelo policiamento do litoral sul de São Paulo, também reconheceu a possibilidade de participação de policiais nos crimes. “Temos indícios fortes. Mas estamos trabalhando com todas as hipóteses: vingança, tráfico e, principalmente, crimes praticados por PMs. Mas vamos esclarecer tudo isso o mais rápido possível. Doa a quem doer”.
Cenário do crime
O pai e a avó de Rafael, cujo assassinato Alessandra testemunhou, também estiveram presentes à audiência. O adolescente estava na porta da casa de um amigo no bairro do Estuário quando foi morto. Ele comia uma esfiha de frango com catupiry quando dois homens numa moto passaram no local e o executaram. O primeiro tiro foi no joelho. Rafael caiu e pediu “pelo amor de Deus”, por duas vezes, para que não o matassem. Os tiros seguintes atingiram seu pescoço, rosto, peito e cabeça.
O pai do rapaz, José de Abreu Nabo Neto, conta que correu para o local assim que recebeu a notícia: “Eles queriam mudar o cenário do crime. A primeira coisa que eles estavam procurando eram os projéteis, os cartuchos. Eu fui pegando tudo e falei: aqui não, aqui vocês não vão colocar mão. Eu perguntei: por que vocês não vão procurar, correr atrás? Foi a própria Polícia Militar que matou. Aí eu passei mal, a pressão subiu e fui parar no Pronto-Socorro”. O caso foi registrado no 3º DP de Santos.
Rafael era usuário de maconha e, para poder comprá-la, cometia pequenos furtos. Por conta disso, era constantemente ameaçado de morte por um policial militar, que José acredita ser o autor do crime. A motivação do assassinato, acredita o pai do rapaz, teria sido um assalto ocorrido numa loja de roupas do bairro. Segundo José, os policiais acreditavam que Rafael fosse um dos assaltantes da loja. “Dois dias antes do meu filho ser executado, dois policiais militares que faziam segurança da loja entraram na minha casa sem mandado de segurança procurando roupas”.
No dia da morte, o tal policial que ameaçava o menino passou de moto na frente da casa da família. “A gente acha que esse dono da loja deve ter pago a polícia para executar meu filho”. Uma das testemunhas que estava no local era a namorada de Rafael, que mudou de cidade por medo de também ser morta. “Eles estavam rondando a casa dela, então, depois de depor no Ministério Público, ela foi embora”. Outra testemunha era Alessandra, que foi assassinada.
Seu José, que trabalhava como portuário, disse que não consegue mais trabalhar: “Estou acabado”. Ele também vem sendo ameaçado de morte.  “Eu não uso droga, não vendo droga, eu trabalho… mas qualquer dia podem me forjar. Vão me forjar ou me matar. Não estou saindo. Chego em casa, fecho as portas e vou dormir”, conta o homem, após tranquilizar um parente por telefone: “está tudo bem, já cheguei aqui”.
Segundo José, um dos meninos que jogava futebol com Rafael foi abordado pelo mesmo policial militar quando ia para a escola. De acordo com ele, o PM jogou o material do menino chão e deu um tapa em sua cara. Na volta da escola, ele foi abordado novamente pelo PM, que teria dito: “Sabe quem matou o Rafael? Fui eu. Vou fazer da mesma forma que fiz com ele com você”.
Essa denúncia foi feita pelo adolescente, de apenas 14 anos, no 6º Batalhão da Polícia Militar de Santos, onde está localizada a corregedoria da PM. No dia em que foram depor, o próprio policial que ia ser denunciado estava no local: “Ele ficava dando voltas, olhando de cara feia”, conta José.
Embora o caso do seu filho não entre na contabilidade dos 22 assassinatos do período de 18 a 26 de abril, ele possui as mesmas características de assassinatos cometidos por grupos de extermínio, “que não deixaram de atuar entre os crimes de maio de 2006 e abril de 2010”, alerta o defensor Mafezolli.
Toque de recolher
Em Vicente de Carvalho, onde a matança após a morte do soldado da Polícia Militar Paulo Raphael Ferreira Pires, de 27 anos, começou, o clima era de muita tensão nas semanas seguintes aos crimes. Na sequência do assassinato do PM, outras cinco pessoas foram mortas, entre elas, o comerciante Fábio Luiz Basílio, de 31 anos, baleado por volta das 11 horas do dia 20 na avenida Santos Dumont, em frente ao Banco Bradesco. Segundo testemunhas, dois homens em uma moto efetuaram o disparo. A causa do homicídio ainda não foi esclarecida.
De acordo com uma moradora do distrito de Vicente de Carvalho, que não quis ser identificada por medo de represálias, a região viveu dias de muito medo. “Como eu moro mais afastada da avenida, o pessoal vinha dizendo que as lojas iam fechar cedo porque ia ter toque de recolher. Se você esperar para descobrir se é boato ou verdade, está pagando para ver”.
A moça relata que mortes por grupos de extermínio não são novidade em Vicente de Carvalho: “Sempre que se comenta que alguém foi morto na favela, as pessoas associam a morte com os encapuzados”, diz, deixando claro que, por encapuzado, subentende-se policial de grupo de extermínio. Em maio de 2006, também houve mortes na cidade. Porém, como a impunidade vigora, “ninguém quer ser testemunha, ninguém quer falar… você acaba comprando uma briga que não é sua e, às vezes… né?”.
A jovem era amiga de Fábio, e conta que nunca viu o rapaz participar de uma briga: “Era uma pessoa boa, legal. Todo mundo gostava dele, nunca vi ele brigando. Não sei o que ele pode ter feito de errado a ponto de alguém querer matar ele. Tem gente que tem dinheiro e sai por aí zoando… ele não, ele era sossegado”.
A jovem conta que, durante a onda de violência, os comentários em Vicente de Carvalho eram de que estavam matando todo mundo, até quem não tinha nada a ver com a história. “A mãe tinha medo do filho sair na rua, ir na casa da namorada. O papo era ‘tú tá na rua esse horário, vão te matar. A polícia pega e mata’. Falaram isso nessa época”. A moça afirma, ainda, que o policial que foi morto tinha fama de ser violento e ter “dedo mole”. “Bobeou, ele atirava para matar”.
Até o fechamento desta edição, duas pessoas haviam sido presas. Eduardo Rodrigues do Nascimento, conhecido como Eduardinho, que era foragido e condenado a 29 anos de prisão por homicídio, foi preso pela polícia como suspeito pela morte do policial da Força Tática. Recentemente, um ex-policial militar também foi preso em São Vicente. Dentro de seu carro, foram encontradas uma pistola 380 e duas toucas ninja.
Maior letalidade
As mortes na Baixada ocorreram no mesmo período em que dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo apontaram que a Polícia Militar do estado matou 40% mais nos três primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Entre janeiro e março de 2010, foram 146 mortes, contra 104 no mesmo período de 2009.
Nos últimos 12 meses, período do início da gestão do secretário da Segurança Pública Antonio Ferreira Pinto, que assumiu o cargo em março do ano passado, o número de mortes por policiais militares em serviço foi 54% maior do que nos 12 meses anteriores, na gestão de Ronaldo Marzagão. “A maior letalidade coincide com a gestão do novo Secretário de Segurança Pública, que colocou mais Rota na rua mesmo após o anúncio dos números de mortes envolvendo essa força policial”, comenta o advogado Fernando Delgado, da ONG Justiça Global. Segundo ele, a organização se reuniu com o secretário no ano passado para pedir especial atenção em relação aos casos envolvendo a Rota.
Para ele, a regra em relação aos crimes cometidos pela polícia é a não responsabilização: “E no caso dos crimes da Baixada, há o risco de acontecer o mesmo”. Delgado acredita que “o aumento de 70% nos casos de resistência seguida de morte de 2008 para 2009 são a prova dessa falta de punição dos crimes cometidos pela polícia, como ocorreu com os crimes de maio”, diz.
A lentidão nas investigações dos homicídios na Baixada foi um dos motivos do afastamento do corregedor da PM, Davi Nelson Rosolen, e sua substituição pelo coronel Admir Gervásio Moreira. O desgaste do corregedor também se deu por conta das recentes mortes dos motoboys Alexandre Santos e Eduardo Luís Santos e, também, do camelô Roberto Marcel Ramiro dos Santos, em São Paulo. Alexandre foi estrangulado por quatro PMs da zona sul de SP, Eduardo foi torturado dentro de um quartel da PM na zona norte e Roberto foi morto com mais de dez tiros. Dezenove dias antes de Roberto ser morto, ele e sua mãe foram ameaçados de morte pelo PM Valdez Gonçalves dos Santos, do 21º Batalhão.
Nesse período, quatro pessoas de uma mesma família foram mortas em Campinas, no interior paulista. Os assassinos, suspeitam os investigadores, seriam policiais militares, em vingança ao assalto que deixou um colega paraplégico. Segundo moradores, PMs fardados chegaram ao local logo depois da saída dos assassinos, arrastaram quatro corpos por alguns metros e recolheram todas as cápsulas que encontraram. O procedimento usual é deixar o local do crime intocado até a chegada da perícia.
Ao assumir o cargo, o novo corregedor declarou que uma das prioridades da instituição será a Baixada Santista. Admir considera a situação complicada, pois a suspeita de envolvimento de policiais é forte, mas ninguém aponta os culpados. O delegado diretor do Deinter-6, Waldomiro Bueno Filho, responsável pelas investigações, foi insistentemente procurado pela reportagem, para esclarecer o andamento das investigações, mas não foi encontrado.

* Ilustração da home: Latuff, especialmente para as Mães de Maio

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