No país do silêncio, o povo arrisca


Wálter Maierovitch


O presidente sírio Bashar el-Assad vestiu uma camisa de sete varas ao permitir que as forças paramilitares, compostas de 8 mil homens e conhecida por gendarmeria, usassem de violência na repressão aos revoltosos das cidades de Dera’a, Latania, Jabia, Sleibe, Hama, Homa, Sanamayyn e na capital, Damasco.
No poder desde 2000, Bashar não percebeu que as ditaduras, como os remédios, têm prazo de validade. Os protestos na Síria derivam da falta de liberdades públicas e do anseio por um sistema democrático. Com a manutenção, desde 1963, do estado de emergência, tornaram-se comuns as prisões por delito de opinião e os abusos policiais. E como em todo sistema fechado de poder, a corrupção alargou-se.
Fora isso, a grande maioria dos sírios estava inconformada com o governo do primeiro-ministro Muhammad Naji al-Otari, no poder desde novembro de 2003 e recém-defenestrado por Bashar para conter os protestos. Em resumo, as violações de direitos humanos colocaram a Síria entre os três piores do planeta, com o designativo de “país do silêncio”.
Por ironia, Bashar nasceu em 1965, quando já vigoravam a emergência, o toque de recolher e a pena de morte. Para a agência oficial Sana, ocorreram 36 mortes nos conflitos que se iniciaram em 15 de março deste ano. Os ativistas de organizações humanitárias falam em 126.
O certo é que Bashar se enfureceu quando opositores colocaram fogo na estátua do seu falecido pai Hafez el-Assad, que dirigiu o país de 1971 até a sua morte, em 2000. O atual presidente esqueceu-se que a chamada Primavera Árabe agitava diversos países e não abdicou dos métodos violentos. Por exemplo, a revolta popular na Tunísia derrubou, em 14 de janeiro, o então presidente Ben Ali, depois de 23 anos de ditadura. No Egito, Hosni Mubarak, após 30 anos de poder, caiu em 11 de fevereiro. Está em prisão domiciliar em palácio à beira-mar e vai responder a processos por corrupção, evasão de divisas e assassinatos. Na Líbia, a guerra civil iniciou-se em 17 de fevereiro. No dia 29, na Lancaster House ministerial, discutiu-se uma via de saída para Kaddafi, num “oba-oba” chamado Conferência de Londres. A concorrida conferência, idealizada pelos interessados Nicolas Sarkozy e David Cameron. Estes dois, na conferência, preocuparam-se em qual lareira colocar a pele do leão. Esqueceram, no entanto, que o leão continua vivo.
A propósito, Kaddafi já envia sinais de que quer acordo. Como acenou o seu vice-ministro de Relações Exteriores, está disposto a aceitar até a divisão da Líbia em dois países. A Cirenaica (dois terços do petróleo e gás) ficaria com os revoltosos liderados por Mustafá al-Jabali, ex-ministro da Justiça e apoiador, até o início da revolta de Bengazi, do tirano Kaddafi. A Tripolitânia e o desértico Fezzen permaneceriam com Kaddafi ou com o seu filho caçula, Saif.
A violência oficial na Síria, frise-se, uniu os revoltosos contra o regime de uma família que detém o poder há 40 anos e é acusada de ser a responsável pelo desaparecimento de 17 mil opositores nos últimos 30 anos. Os revoltosos, em razão dos massacres, aumentaram as exigências. Passaram a reivindicar o fim da impunidade dos policiais, dos milicianos da gendarmeria e dos 007 dos serviços de espionagem do país. Os opositores se dizem frustrados com as promessas de reformas e democratização, a ponto de chamarem Bashar de “reformador farsante”.
Os especialistas em relações internacionais se surpreenderam com o clamor popular, que o antigo e frio ditador Hafez el-Assad sabia calar. Hafez, por exemplo, cortou a influência da Fraternidade Muçulmana na cidade de Hama. Mandou matar os seus membros e, de quebra, destruiu edifícios da cidade com buldôzeres.
A propósito do frio e calculista general Hafez, é importante lembrar que ele chegou ao poder mediante golpe militar jamais esperado pelos 007 da CIA. Antes dele, o partido Baath, depois do insucesso sírio na Guerra dos Seis Dias, em 1967, promoveu o golpe de 1970. Com o passar do tempo e por divergências internas, o partido enfraqueceu. Então, uma ala minoritária alauíta do Baath, sob a liderança do general Hafez el-Assad, apropriou-se do Estado. Hafez virou ditador a partir de 1971, dois anos depois do golpe militar do então capitão Muammar Kaddafi (1969).
Na Presidência, Bashar, um ex-estudante de Oftalmologia em Londres e que se tornou o sucessor do pai, Hafez, por causa da morte do primôgênito, Bassel, em um acidente em 1974, manteve a linha de afastamento dos EUA. Realizou importante aproximação com a Turquia e estreitou ainda mais os canais diplomáticos com o Irã. Com o aguardado discurso nacionalista apresentado nesta semana, promessas de reformas e o antigo premier já em casa, Bashar deve acalmar os opositores por um bom tempo.

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