ATO NA UFRJ PEDE ARQUIVAMENTO DO PROCESSO DOS 13 PRESOS NA MANIFESTAÇÃO CONTRA A VINDA DE OBAMA AO RIO

or Eduardo Sá, 01.04.2011



Porta voz dos presos, Gualberto Tinoco (Pitéu), em frente a mesa de debate na Faculdade Nacional de Direito (RJ). Foto: Samuel Tosta.

Mais de 250 pessoas lotaram na noite de ontem (31) o auditório da Faculdade Nacional de Direito, no centro do Rio, para o ato em defesa do arquivamento do processo contra os 13 manifestantes presos durante a visita do presidente dos Estados Unidos ao Rio de Janeiro. A atividade, que contou com a participação de diversos parlamentares, juristas, sindicatos, movimentos sociais e estudantis, dentre outras representações, aconteceu no mesmo dia e local que há 47 anos estudantes resistiram contra as tropas militares quando aplicaram um golpe militar no Brasil, fato que institucionalizou um regime ditatorial em nosso país por décadas.

Mais de quinze pessoas participaram da mesa de debate, cuja atividade visava lançar uma campanha nacional em defesa das liberdades democráticas. Circulou um manifesto em defesa da democracia que foi assinado por todos os debatedores, além de um abaixo assinado pelo arquivamento do processo (http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N8248) e os presos foram homenageados no início do ato. As falas foram mediadas por Cyro Garcia, presidente do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU-RJ), que teve 10 integrantes de seu partido presos no protesto em frente ao consulado dos EUA no dia 18.

A reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), representada por Laura Tavares, destacou que a universidade não pode ficar calada e manifestou o “mais profundo repúdio e indignação” contra as prisões. José Maria, da direção nacional do PSTU, observou que a dimensão do ato vai além da truculência praticada contra os jovens e trabalhadores do Rio de Janeiro. “A presença do Obama vai além da diplomacia, com interesses de grandes empresas multinacionais, principalmente sobre o nosso petróleo. Foi uma arbitrariedade sem limite, o juiz disse que não podia libertá-los porque ameaçaria a integridade da visita do Obama. Lutar não é crime, lutar é direito”, destacou.

Muito aplaudido pela platéia, Nilo Batista, desembargador e ex-governador do Estado, fez questão de ressaltar que esse acontecimento foi um sintoma do que está acontecendo em nosso país. Para ele, tiveram que agregar um crime para fazer um tópico típico do autoritarismo, uma referência do jurista ao fato dos presos terem suas cabeças raspadas na prisão.

“É o sistema penal que traz o autoritarismo. Essa policização é muito útil, porque esconde o debate político pelo meio jurídico. A universidade tem que ter uma posição muito mais avançada para desconstruir essa expansão do estado de polícia. Hoje se tortura, se mata e se prende mais do que na ditadura. Os pobres, os irremediáveis, são as vítimas preferenciais desse capitalismo”, criticou.

Volta ao passado

"Ôh ôh, Obama, Dilma e Cabral, prenderam inocentes para vender nosso pré-sal!", gritaram no plateia, que estava composta em sua maioria por jovens. Foto: Samuel Tosta.

“O passado não conhece o seu lugar, ele teima a reaparecer no presente”, evocou um poeta no início de sua fala o deputado federal Chico Alencar (Psol-RJ). Segundo ele, “essa prisão em tudo e por tudo reviveu os instrumentos mais abjetos da ditadura militar, e volta e meia isso acontece. Os presídios são a expressão dessa continuidade do passado”, advertiu.

Também resgatando esse passado, Cecília Coimbra, fundadora do grupo Tortura Nunca Mais, lembrou que a ditadura foi aplaudida pela classe média e chamada pelos empresários. Ela homenageou o capitão militar Ivan Proença, que salvou os estudantes das tropas do Comando de Caça aos Comunistas (CQC) naquela universidade há 47 anos, fato que o levou a prisão e banimento do exército. Cecília acredita que a ditadura continua disfarçadamente.

“Hoje existe outro tipo de ditadura, a punição se espraia, o estado de exceção se implanta em nome de uma democracia que se diz participativa. Seus efeitos estão nos autos de resistência, desaparecimentos, prisões e mortes”, afirma.

Paulo Ramos, deputado estadual, sustenta que a constituição de 1988, da qual participou, não marca um divisor de águas em nosso país. Ele exemplificou essa característica ainda repressora no aparato estatal com o governo do Rio de Janeiro, afirmando que o Sérgio Cabral “tem uma política de segurança pública na eliminação daqueles que moram nas comunidades”.

Arquivamento e processo

O ato foi transmitido pela Tv universitária da UFRJ e no site do PSTU. Foto: Samuel Tosta.

Expressando o sentimento de vergonha por participar de um órgão estatal da justiça carioca, o juiz Rubens Casara, também da Associação Juízes para Democracia, afirmou ser um absurdo a utilização do sistema penal para a criminalização da própria democracia. Atendendo o pedido de Chico Alencar, por sua vez, Marcelo Cerqueira, advogado renomado, afirmou que vai processar o delegado responsável pelo caso e o diretor de Água Santa por conta do ocorrido.

“A relação material teria sido alguém jogar o coquetel molotov, que aliás não é prática do partido. Para configurar prova penal teria de ser 13 lançados, prtanto houve abuso de poder. Esse delegado vai ser processado por dano moral [raspar a cabeça], e o diretor de Água Santa, que não raspou o Cacciola, vamos processá-lo”, destacou.

Cerqueira ainda observou que o último processo da ditadura também foi contra 13 pessoas, todos estudantes, em Santa Catarina, pelo xingamento ao então presidente Figueiredo Magalhães. O advogado se disse surpreso ao retomar esse assunto, para ele já superado, tantos anos depois.

O advogado que vem acompanhando o caso desde o início, Aderson Bussinger, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, relatou ter chegado na delegacia sem que a prova do crime tivesse no local.

“Eu cheguei na delegacia logo em seguida e vi muito bem que não havia coquetel molotov com nenhum deles. Nós interpelamos o delegado sobre aquilo e ele disse que aquilo ali era um contexto. Naquele momento nós já sabíamos a que contexto ele se referia, que era exatamente a fraude, a farsa, que se produziu através daquele indiciamento, que foi depois suspenso pelo Tribunal de Justiça quando concedeu o habeas corpus. Isso é suficiente para classificar como um ato da ditadura, um ato travestido de inquérito policial”, denunciou.

Bussinger defende que essas prisões foi um ato contra todos aqueles que querem exercer o direito de livre organização e expressão nesse país, e está lutando para que após essa etapa de libertação o processo seja arquivado.

Presos e familiares

Entre os presos presentes estudantes, trabalhadores e um advogado. Foto: Samuel Tosta.

Gualberto Tinoco, mais conhecido como Pitéu, foi o porta voz dos presos durante o evento. Ele explicou a importância dos protestos contra a vinda de Barack Obama ao Rio para denunciar a força do imperialismo em nosso país, e associou a repressão à criminalização da pobreza.

“Nós não fizemos isso [jogar o coquetel molotov], não é o nosso método. Mas nós conseguimos juntar o conjunto da nossa classe, que deu um passo no seu nível de consciência. Fomos presos por causa de uma arbitrariedade do governo do estado, de uma ordem do seu Barack Obama. Agora, carecas ou não, temos que juntar o conjunto da classe para lutar. Não vamos nos baixar à repressão policial, à repressão do estado ou de qualquer governante”. desabafou.

Os familiares dos presos foram homenageados pelo PSTU com flores, e toda a platéia, composta em sua maioria por jovens, os saudou.

A cobertura da mídia 

“Nunca houve uma recepção tão midiática”, disse Ivan Pinheiro, secretário geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ele lembrou a morte de Edson Luís, o primeiro estudante assassinado pela ditadura, quando em passeata com o corpo do jovem no centro carioca muitos vidros do consulado norteamericano foram quebrados e ninguém foi preso.

A opinião do presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Mauricio Azêdo, também foi bastante crítica em relação à mídia. “Foi uma relação de cumplicidade muito grande e lamentável, porque ofereceu a ideia de que tudo que envolvia a sua presença aqui no Brasil era natural quando não era natural esse sabor colonialista com que a organização da visita dele foi tratada”, disse.


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