5x Favela, 5x Humano, 5x Carioca

*** Artigo publicado em outubro de 2010, na 8ª edição impressa da revista
Por Mariana Gomes
O filme que conquistou Cannes, Paulínia e até a Barra!
O longa, que é um remake de “5x favela”, feito no anos 60 por Cacá Diegues, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Marcos Farias e Miguel Borges, membros ativos do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes, o CPC da UNE. Desta vez, o filme foi dirigido por cinco moradores de favelas e bairros pobres do Rio de Janeiro e produzido por Cacá Diegues e Renata Magalhães. O resultado foi uma seleção para a mostra não competitiva do Festival de Cannes, onde foi ovacionado, e sete prêmios no Festival de Cinema de Paulínia-SP. Os diretores Manaíra Carneiro, de apenas 23 anos, Luciano Vidigal, Luciana Bezerra, Rodrigo Felha, Wagner Novais e Cadu Barcellos deram um show. Nenhum deles havia dirigido um filme de grande orçamento antes, apenas curtas amadores.

Sensibilidade é a palavra que resume o longa repartido “5x favela – Agora por Nós Mesmos”. O filme narra cinco histórias belíssimas, algumas cheias de clichê, mas todas muito bem produzidas e dirigidas. Uma delas em especial arrancou risos do cinema inteiro pela fofura. A aventura de Wesley e Orelha, dois meninos super companheiros e inteligentes que só querem conseguir um frango para o aniversário do pai de Wesley, dá ao filme a leveza das crianças, que, por sinal, roubam a cena. Aliás, os atores parecem ter sido escolhidos a dedo. Adequaram-se completamente ao roteiro e, com raras exceções, mandaram muito bem. Talvez pela falta de experiência do pessoal, alguns roteiros eram quase fábulas completas, principalmente o “Fonte de Renda”. O episódio não perde seu valor artístico por isso, os enquadramentos continuam singulares, os atores te fazem mergulhar nos diálogos, mas a lição de moral ainda incomoda. Talvez mais a mim, porque não acho que é isso que a favela precisa.
Eu poderia ter aproveitado cada cena do filme, não fosse um simples detalhe: fui assisti-lo no UCI New York City Center, na Barra. Foi quase uma experiência antropológica. Não foi só assistir ao filme, foi assistir um filme sobre favela em um cinema na Barra. Levi Strauss me invejaria. Algumas cenas do filme, mesmo as mais óbvias, eram explicadas por essas pessoas aos amigos sentados ao lado como se estivessem assistindo a um documentário super complexo. E pelo volume da voz, em casa. O mais impressionante foi o comentário sobre uma menina tocando violino na favela “ah, até parece”. Já imaginou ver uma pessoa sendo queimada viva numa tela enorme e alguém rindo disso? Pois é, na Barra tem. Não sei se é uma completa falta de noção da realidade, como se a favela ficasse muito distante da casa deles, ou se é simplesmente não saber que isso pode acontecer no lugar onde a faxineira deles trabalha.
Em termos de linguagem, o filme prova que tem muita gente boa por aí pelo Brasil querendo investimento em seus potenciais. E não falo só de investimento financeiro, ele é importante sim, mas não é tudo. Digo isso porque, mesmo com Cacá Diegues dando aos diretores todo o mérito do projeto, o filme continua sendo dele. E é ele, o global Cacá, que tem legitimidade neste filme. Não só ele, é claro, a trilha sonora, por exemplo, é de Guto Graça Mello. Isso me cutuca, me deixa pensando “será que este filme só teve todo este espaço porque tem o ‘respaldo’ de profissionais consolidados?”; ou “será que se o filme fosse feito apenas a partir das oficinas idealizadas por Cacá, mas não levasse seu nome, estaria no grande circuito?”. Não sei. Mas isso me leva a outra dúvida: algum dia vamos ver excelentes cineastas, como esses revelados por Cacá, sem precisar de sua “tutela”? Não estou dizendo aqui que isso é demérito, mas não seria ótimo não dar apenas voz aos favelados, mas sim, legitimidade para narrar suas próprias histórias?
Vale dizer que 5x favela não é um filme estilo ONG. Não foi um projeto social, e sim um projeto cinematográfico sério e consistente, e com novas vozes. Não tem a intenção de apelar para mostrar um tal “outro lado” da favela carioca. Apesar das insistentes lições de moral presentes nas histórias, o filme traz um olhar diferente e natural dos costumes e dos modos de viver das pessoas. Embora um dos episódios também force um pouco a barra, exagerando nas relações entre moradores de favelas dominadas por facções rivais, como se um morador da Rocinha jamais pudesse visitar uma favela controlada pelo Comando Vermelho sem ser visto como um “alemão” e tratado com hostilidade. O filme é bom, só poderia ter sido mais combativo quanto aos problemas básicos da favela. Acho que essa não era a proposta, mas se fosse, seria ótimo. Até porque, quando o filme acaba, a sensação é a de querer mais!

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