Tabelamento de preços


<br /><b>Crédito: </b> ARTE PEDRO LOBO

Crédito: ARTE PEDRO LOBO

Crédito: ARTE PEDRO LOBO
Tem quem ache chato temas históricos. Eu acho a história muito engraçada. Uma fonte de lições que não aprendemos. A vocação de intervencionismo estatal brasileira, em favor dos mais aquinhoados, é antiga, assim como tabelamento de preços e leis que pegam ou não pegam. Talvez a primeira lei importante que não pegou tenha sido a de 1831, aprovada por pressão da Inglaterra, que proibia o tráfico de escravos e fazia de todo africano entrado no Brasil, a partir dessa data, um homem livre. Não pegou mesmo. Mais de meio milhão de escravos foram introduzidos depois disso. Os gaúchos começaram a invadir o Uruguai para raptar famílias e vender aqui. Alguns casos paravam no tribunais, que, não raro, demonstrando imparcialidade absoluta, contrariavam a lei, jamais revogada, e decidiam em favor dos "proprietários".

Os juízes alegavam que a lei caíra em desuso. Ainda em 1885, há apenas 126 anos, o Estado brasileiro tabelava produtos, entre eles o produto homem, gente, escravo. A famosa Lei dos Sexagenários, para evitar contravenções, tabelava o preço dos cativos por idade: menos de 30 anos, 900; 30 a 40 anos, 800; 40 a 50 anos, 600; 50 a 55 anos, 400; 55 a 60 anos, 200. Depois dos 65 anos, um escravo valia menos do que um Fusca velho de hoje. Melhor libertar. O Estado tabelava e cobrava impostos. O argumento mais hediondo é de que esses eram os valores da época. São incontáveis, no século XIX, os manifestos, depoimentos e protestos contra a hedionda instituição da escravidão, que, no Brasil, foi tão violenta a ponto de não possibilitar a renovação do estoque pela reprodução. Milhões de homens sempre tiveram plena consciência do quanto a escravidão era horrenda e absurda: os escravos.

Os Estados Unidos, em 170 anos, importaram 399 mil negros, que se transformaram em 4 milhões. O Brasil, em 300 anos, importou quase 4 milhões, que, num mesmo momento, nunca atingiram o montante americano de 1860. Os proprietários brasileiros eram vis e burros. Só quando começaram a faltar "peças" é que pensaram numa "indústria de reprodução". Trabalhadores livres havia, mas os fazendeiros não queriam pagar ou queriam tratá-los como escravos. Os senhores faziam filhos nas escravas e os tratavam em pé de igualdade... com os outros escravos, vendendo-os, trocando-os ou chicoteando-os. Era o sagrado direito da propriedade. Tudo isso no reinado do magnânimo imperador dom Pedro II, o amante da ciência e das artes.

Que tempos! Um estrangeiro registrou este interessante leilão no Rio de Janeiro de 1850: móveis novos e de segunda mão, quadros velhos, queijos holandeses, relógios americanos e 89 escravos. Sem a ingerência devida da Inglaterra, o Brasil teria mantido a escravidão. Lembram da "questão Christie", tão mal estudada na escola? Foi quando um diplomata inglês botou a boca no trombone denunciando o Brasil por manter em cativeiro africanos livres pela própria lei brasileira. O Brasil ofendeu-se com o intrometimento e cortou relações. O nosso Silveira Martins defecou este slogan: "O Brasil é o café, e o café é o negro". Tudo isso está em "Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil", de Robert Conrad. De fato, os temas históricos sempre ficam chatos para nós.

Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br

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