por Tica Moreno
Esse post é parte da blogagem coletiva pelo fim da impunidade, organizada a partir deste caso: uma fulana estava dirigindo muito louca, entrou na contramão e atropelou uma mulher. Ainda pisou no acelerador mais de uma vez, como se fosse passar por cima da atropelada. Fulana que dirigia o carro: uma procuradora do trabalho. Mulher que foi atropelada: empregada doméstica.
A que atropelou ainda foi parar na delegacia mas não se pode fazer nada contra ela, porque tá previsto na lei que uma procuradora não pode ser indiciada em inquérito policial.
Classe. Taí um conceito que a gente não pode nunca esquecer. Ainda mais nós, que estamos o tempo todo falando sobre um outro conceito, o de gênero.
Foi nisso que fiquei pensando quando vi o caso que motivou a blogagem coletiva de hoje, e talvez por isso eu saia um pouco do assunto proposto no post.
É importante pra gente que é feminista se ver frente a essas situações que expõe um tipo de relação social que não é a de gênero. Uma mulher atropela outra e sai impune. A impunidade é legitimada pela profissão da que atropelou. A atropelada tem que voltar a trabalhar ainda com dores, e nem tem motivação pra processar a que a atropelou. Porque tem medo, sabe que vai dar um trabalhão, e pode não dar em nada. É fácil as vezes a gente pensar o que uma pessoa tem que fazer nessa situação. Mas não é a gente que teve que ir fazer uma faxina ainda cheia de dores no corpo.
Eu fico aqui pensando no que uma e outra tem em comum como mulheres. Devem ser mães, com certeza já sofreram alguma discriminação por serem mulheres, podem ter sido vítimas de violência, podem ter feito um aborto, uma pagando caro em uma clínica da zona sul do rio, outra de outra forma mais barata. Uma deve ter empregada doméstica. Outra é empregada doméstica.
Sem dúvidas as nossas lutas como mulheres pelo fim da violência, pelo direito ao aborto legal e seguro, pelo direito a viver livremente nossa sexualidade, pelo fim das discriminações e contra a mercantilização do nosso corpo são comuns a todas.
Mas não dá pra apagar isso que é gritante na sociedade brasileira, e que marca as relações sociais e o Estado: a desigualdade. Entre homens e mulheres, brancos/as e negros/as, rico/as e pobres. A Daniele Kergoat e a Helena Hirata chamam a combinação desses elementos de coextensividade ou consubstancialidade das relações de gênero, classe e raça. Não é que um ou outro elemento define o que é a relação, mas explica um sistema em que tudo está imbricado.
Assim, a gente não consegue alterar um aspecto da desigualdade se não muda os outros. Não dá pra gente falar em igualdade pras mulheres em um mundo com pobreza e exploração, porque enquanto uma pequena parcela de mulheres está entre as camadas exploradoras, a imensa maioria tá sendo explorada pra garantir o bem estar dos ricos. Não dá pra falar em igualdade pras mulheres se as brancas tem privilégios sobre as negras por sua cor.
E as mudanças não são automáticas, que nem tem gente na esquerda que ainda não aprendeu com a história e insiste em dizer “a gente acaba com o capitalismo e depois vê o que faz com o patriarcado”. E não dá pra ser ingênua do ponto de vista do feminismo achando que dá pra ter igualdade e liberdade pra todas as mulheres nos marcos de um mundo capitalista e racista. Tem que pensar as estratégias pra combater todos os elementos que compõem a dominação, opressão e desigualdade.
Se a gente não olha pra esse aspecto central das relações sociais do nosso presente, a gente vai fazer um feminismo distorcido, para pouquíssimas, que não é um projeto diferente de futuro.
“Ou a igualdade é para todas, ou não é igualdade” Essa frase é das feministas espanholas, e diz tudo.
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