Depois de 18 dias de manifestações por todo o Egito, Hosni Mubarak, ditador no poder há 30 anos, renunciou nesta sexta-feira. Pelo tamanho da rebelião, pela relevância histórica do país e pela sequência de revoltas populares no Norte da África, a mídia mundial foi dominada nesses dias pela cobertura da crise egípcia. A brasileira não ficou de fora. Encerrada a primeira parte da crise, encerra-se também a primeira parte da cobertura, e cabem alguns comentários gerais sobre o que foi feito.
As condições de cobertura no Egito foram terríveis. Ameaças, agressões, sequestros. A imprensa, que mesmo nas guerras costuma ter seu espaço respeitado, ficou acuada, tida pelos governistas como uma das vozes responsáveis pelos protestos. Ainda assim, auxiliada pelas pautas das agências internacionais e, em especial, pela comemorada cobertura da TV Al-Jazeera, a mídia brasileira se virou para mostrar com a maior proximidade possível o que acontecia especialmente no Cairo, capital do país.
Tanto as televisões quanto os jornais estiveram próximos dos acontecimentos populares, constantemente cobrindo os protestos na Praça Tahir, que concentrou os manifestantes – que chegaram a dois milhões. As imagens de televisão e as fotografias retrataram de forma honesta e extremamente competente as movimentações nas ruas. O dia a dia do país, alterado pela rebelião, foi muito bem e corajosamente abordado, de modo geral.
As dificuldades e falhas da cobertura ficaram na parte da política institucional. Poucas explicações sobre as origens da revolta e sobre como as altas esferas da política local e internacional trabalharam para sua continuidade e seu desenvolvimento. Uma “revolta popular” apoiada e comemorada pelos EUA e pelos setores mais fortes do capitalismo internacional não soou estranho a ninguém? Os investimentos dos norte-americanos no Egito foram comentados de passagem, e sua continuidade e aprofundamento também, mas de que forma isso vai refletir na formação do novo governo, de que forma os bilhões de financiamento estado-unidense ao exército egípcio pautaram a atitude da instituição, entre outras questões, passaram despercebidas.
A mídia independente, fortemente articulada com os blogs e as redes sociais – que, especialmente no início da revolta, foram a principal fonte de informações sobre a crise e, principalmente, de mobilização – também não tem dado conta da demanda de cobertura da política internacional ligada aos desdobramentos egípcios. Por limitações óbvias – estruturais – ou nem tão óbvias – grande distância física e cultural, desconhecimento sobre a história recente do Egito, etc – a imprensa alternativa viu-se limitada a conjecturas e análises pouco aprofundadas, com algumas exceções.
É preciso que a mídia internacional – incluindo, obviamente, a brasileira – fique atenta aos desdobramentos da política egípcia. Os fatos servem sempre como exemplos para outras iniciativas, e os erros que podem ter sido cometidos pelo caminho da revolta egípcia só ficaram claros com o início do novo governo. Por isso, por esse direito do povo à informação completa, a situação do Egito precisa continuar sendo acompanhada de perto.
Ao mesmo tempo, a relevância inegável dos blogs e das redes socias na derrubada do governo de Hosni Mubarak contraria a opinião dos mais céticos quanto à força da internet. A capacidade de mobilização política via web está empiricamente demonstrada. Se este lastro vai se espalhar dependerá dos rumos que dermos à rede. Mas o caso do Egito provou o potencial mobilizador, que precisa ser ativado para que a pressão “física” transforme a latente sede de mudança em realização popular.
Postado por Alexandre Haubrich
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