Isto É faz ampla cobertura sobre tráfico no RJ, mas criminaliza usuários




A revista Isto É desta semana dedica 12 páginas aos confrontos do Rio de Janeiro. Evitando o factual, o primeiro mérito da revista é tentar aprofundar o tema, tratando-o a partir de perspectivas diversas, investigando vários elementos que levaram à situação em que se encontram hoje as favelas fluminenses. Algumas passagens das reportagens, porém, entram em contradição com a tese principal defendida pela revista desde sua capa: a criminalização do consumidor de drogas. Essas contradições, que à primeira vista podem parecer equilibrar os “lados” da questão não chegam, na verdade, a sequer arranhar a ideia do consumidor como culpado pela força dos “donos dos morros”.

A primeira matéria, chamada na capa, é assinada por Francisco Alves Filho e Débora Rubin, e tem o título “O papel do consumidor”, e a linha de apoio “Quem cheira cocaína e fuma maconha é parte da engrenagem que move o tráfico de drogas. É preciso que a sociedade assuma a responsabilidade de discutir e enfrentar com firmeza essa questão”. Não precisaria reproduzir aqui mais trechos dessa reportagem. O tom está perfeitamente resumido aí. Através de fontes diversificadas e que defendem todos os lados, a revista constrói um editorial que chega à beira de chamar a população a uma caça às bruxas contra os consumidores de drogas.
Todas as imagens criadas pela matéria remetem a usuários alienados, bitolados e coniventes com a violência. Apenas depois de montar essa imagem aparece esse mesmo usuário defendendo a legalização das drogas. Que credibilidade esse personagem acaba por passar? Nenhuma. Do outro lado, sociólogos, autoridades e artistas, como Jorge Mautner. De que lado o leitor médio tende a ficar? Vale ler a reportagem para notar o tom de defesa de tese. Vêm junto com a ligação do usuário com o crime organizado outros argumentos antidrogas. Um psiquiatra falando apavorado dos efeitos da maconha, e a história desta droga como porta de entrada para outras drogas, tratada de forma quase automática pela revista. Em alguns momentos, sem declaração de ninguém, fala dos próprios repórteres:
O caminho do vício começa na adolescência, entre os 14 e os 17 anos, quando o garoto ou a garota experimentam maconha, e segue na juventude, até os 25 anos, quando ocorre o primeiro contato com a cocaína (…). Depois vem o crack (…).
A matéria seguinte tem apenas uma página, é um perfil do secretário de Segurança do RJ, José Mariano Beltrame, e não deixa de voltar ao tema de capa. Depois de uma ode a Beltrame (humilde, trabalhador, corajoso), o texto é encerrado assim: “Quem consome drogas e lamenta a tragédia carioca como se fosse um simples espectador está incluído na categoria que o secretário gostaria de banir”.
A cobertura acaba com uma matéria sobre o uso do Twitter por alguns moradores do Complexo do Alemão para cobrir os confrontos da última semana – matéria essa bastante rasa, se furtando da discussão sobre tudo o que implica esse novo tipo de comunicação. Porém, antes disso, está a melhor reportagem da edição, tratando do tráfico de armas e de como ele, sim, confere poderio ao crime organizado.
Os senhores das armas”, assinada por Wilson Aquino, traça um panorama amplo de como as armas chegam aos morros. Os diversos pontos nas fronteiras e as responsabilidades pela fiscalização, a corrupção policial, as milícias. Além de um bom texto e bom material gráfico, uma excelenteentrevista com o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), feita por Bruna Cavalcanti. A análise de Freixo é extremamente sóbria, e foi ajudada por perguntas bem colocadas e que conseguiram abordar os diversos assuntos mais específicos tratados ao longo da cobertura. É ali, inclusive, que aparece pela primeira vez a importância da chegada do Estado aos morros através de outras abordagens que não a policial. Um exemplo: “Não é possível que, com mais de 200 mil moradores no Complexo do Alemão, existam só duas escolas públicas funcionando de forma precária”, diz Freixo. A preocupação com políticas públicas e com a garantia de direitos perpassa a entrevista, único espaço onde ganha lugar nas 12 páginas.
Nesta mesma semana, a edição da Carta Capital traz uma reportagem de Rodrigo Martins que, em cinco páginas, apresentou de forma mais clara e reflexiva tudo o que a Isto É precisou de 12 páginas para dizer. A matéria da Carta parte do factual para levantar questões para o futuro, e, aí, aprofunda os temas principais. O texto de Rodrigo é um primor de clareza e informação, “os resultados reais da ação, sem demagogia”, como diz a chamada na capa.

Postado por Alexandre Haubrich

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