Cobertura da Carta Capital sobre tragédia no Rio de Janeiro revela caos urbano

Após um período em que a natureza foi a culpada, agora a mídia brasileira começa a buscar novas explicações e a cobrir o pós-tragédia do Rio de Janeiro. De modo geral, a grosso modo, pode-se dividir a cobertura da grande mídia nacional – é claro que fazendo aqui uma enorme generalização – em três momentos.
Primeiro teve lugar o estarrecimento e a imediata declaração de culpa da natureza, as chuvas como assassinas, o Estado impune, o silêncio sobre a necessidade de reforma urbana e de cuidado com a administração das cidades. Em seguida, os personagens da tragédia, as histórias de superação, os heróis, os “milagres”. Agora vivemos o terceiro momento, no qual os interesses políticos de lado a lado criam uma busca insana por culpados entre os adversários, cobrando dos outros ações que os cobradores nunca tiveram. Esse é o cenário.
Esse mar de coberturas semelhantes e, em alguns momentos, desonestas, uniu os grandes portais de internet, as emissoras de televisão, os jornalões e até as revistas. Estas últimas, com mais tempo para pensar reportagens aprofundadas, diferenciadas, mostraram porque nem todos os veículos impressos poderão sobreviver às novas tecnologias. Não pensaram muito além do óbvio, não foram nada além dos jornais.
Nesse contexto, acessar o site da Carta Capital pode trazer boas surpresas. Sem politicagens, sem sensacionalismo, sem culpar a “natureza”. O foco é nas causas do problema e nas advertências que vinham sendo feitas há tempos. Como costuma acontecer, a Carta Capital trabalha com textos sóbrios e objetivos, claros, com grande carga de informação ao mesmo tempo em que traz o elemento da análise. A informação vem acompanhada de reflexão, mas sem apelação, com equilíbrio.
Algumas das principais chamadas do site da Carta Capital e da edição impressa da semana:
Tragédia anunciada: ocupações urbanas em relevos topograficamente acidentados
A gestão e o planejamento do solo parece não fazer parte da política urbana no Brasil
Tragédia em 1967 seria a maior da história do País
Sem política habitacional, enchentes facilitam remoções
A culpa é do homem
Catástrofe no Rio: as doações e o apoio chegam aos desabrigados
Ocupação intensa do território não pode continuar, afirma urbanista
São matérias curtas, mas que se complementam e traçam um perfil claro da situação do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras. Na primeira chamada citada, por exemplo, há um artigo de 2009. Esse artigo comentava, a partir de Santa Catarina, o problema das construções irregulares nas cidades brasileiras. Essa prática está espalhada pelo Brasil inteiro, e mais tragédias certamente acontecerão se não forem tomadas medidas radicais em um prazo muito curto. Os exemplos se multiplicam.
O texto “A culpa é do homem” vai no mesmo caminho, trazendo exemplos de outras cidades brasileiras com os mesmos problemas e mostrando que culpar a “natureza” é um grande engano. O factual não é abandona na cobertura da Carta. “Catástrofe no Rio: as doações e o apoio chegam aos desabrigados” relata as mobilizações de auxílio e lista os locais onde os donativos podem ser entregues.
A visão da revista, porém, dá a impressão de uma visão “de cima”, sem aproximar o foco. Falta gente nas reportagens. Faltam personagens, falta o povo, faltam as palavras de quem sofreu diretamente. O distanciamento tem sido exagerado, o equilíbrio é sempre o melhor. A questão se torna um tanto técnica demais, pouco humana. Está aí um ponto que merece ser criticado nessa boa cobertura.
O conjunto das matérias da Carta Capital deixa claro que a tragédia do Rio de Janeiro não foi um fato isolado, nem aconteceu por intervenção dos deuses nem porque a “natureza” estava de mal humor. É como uma sequência de fotos que, em 360º de cobertura, mostra as mortes como um consequência da forma como as cidades são administradas e da forma como o povo que mora nessas cidades é ignorado pelo poder público. É o caos urbano retratado.

Postado por Alexandre Haubrich

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