A Segurança Pública como Direito à Cidade

Vivemos dias de apreensão, temor e indignação na última semana diante da multiplicação de situações de violência em nossa cidade. Seja nos arrastões e incêndios de veículos que se espalharam em diferentes lugares, seja nos conflitos violentos que se mostraram eminentes em algumas favelas, a sensação de insegurança e o medo pelas vidas ameaçadas tomaram conta da cidade.
São inaceitáveis as condições de segurança pública que vivemos há mais de três décadas. Mais inaceitável ainda é reconhecer que o atual quadro resulta da perda de soberania por parte do Estado
 
As ações violentas praticadas são inaceitáveis e representam atos criminosos que colocam em risco a vida de cidadãos e cidadãs, além de atentar contra a ordem pública urbana. Porém, não concordamos com a definição de tais atos como práticas terroristas, pois como conseqüência imediata, eles são usados para justificar respostas de exceção por parte da forças de segurança do Estado. É sempre bom lembrar que estabelecer exceções, invariavelmente, nos conduz ao abuso, particularmente quando o Estado é o único - e o exclusivo - protagonista no campo da segurança.

Chegamos muito próximos a situações de descontrole e de medo exacerbado, motivadas por ondas de boatos postados em mensagens pela internet, em telefonemas, ou difundidas pelas ruas. Contribuíram para o agravamento da insegurança a indesculpável atitude de empresas de transporte que retiraram ônibus de circulação, justamente na hora do retorno de cidadãos às suas casas. Finalmente, não podemos isentar deste processo a espetacularização da violência por parcela significativa da mídia, em especial determinados programas de TV, que insistiram em criar um “Rio em chamas” para defender ações de guerra contra os “batalhões de terroristas” nas ruas. Por outro lado, é importante louvar setores da imprensa que conduziram com responsabilidade o trabalho de informação ao público e o tratamento correto à complexidade dos acontecimentos.

Passados os momentos de maior tensão, o mês de novembro de 2010 deve ser considerado como mais uma amarga lição. Lição que exige um amplo movimento da sociedade civil em relação a políticas de segurança pública na cidade, no estado e no país. Afinal, todos nós queremos sair e voltar de nossas casas, trabalhar, estudar, conviver com o amigos, passear, enfim, realizar a vida em uma sociedade de direitos reconhecidos e respeitados integralmente.

Estamos colhendo os frutos amargos de políticas de segurança equivocadas e ineficientes, que jamais observaram a cidade em sua complexidade social e que jamais colocaram em pauta a proteção dos cidadãos como marco do enfrentamento à criminalidade violenta
 
Retomar a soberania republicana da Cidade
São inaceitáveis as condições de segurança pública que vivemos há mais de três décadas. Mais inaceitável ainda é reconhecer que o atual quadro resulta da perda de soberania por parte do Estado em relação a determinados territórios da cidade. Situação que é diretamente responsável pela afirmação do poder de grupos armados em favelas e, portanto, de sua presença criminosa na cidade.

No bojo deste processo as favelas se tornaram extremamente vulneráveis à violência urbana. Elas passaram, então, a ser tratadas como territórios do crime, das drogas e da violência. Embora sendo estratégicas na rede do tráfico de drogas, as favelas são os elos mais frágeis desta rede do ponto de vista político e econômico. Afinal, nas favelas não se planta e/ou se beneficia toneladas de cocaína; não se produz armamentos norte-americanos e israelenses; e, por fim, elas não abrigam a totalidade do mercado de consumidores de drogas. Razões pelas quais não podemos concordar com interpretações equivocadas e superficiais que evocam, após a ocupação de favelas nos conjuntos do Alemão e da Penha, uma triunfal “derrubada do tráfico”, como querem nos fazer crer muitas manchetes. Não se trata de deixar de reconhecer o significado da ocupação do estado em áreas que antes eram dominadas por grupos ligados ao varejo de drogas, mas seria ingênuo crer que o problema se resume à favela. Além disso, uma política de segurança pública eficaz não pode se restringir a esta ou aquela ocupação policial e militar.

Para estes territórios, os mais atingidos pelo contexto de violência da cidade, após a persistência da equivocada linha de confronto militarizado com as facções criminosas, o governo estadual inaugurou em 2008 uma nova estratégia de intervenção policial: as Unidades de Polícia Pacificadora. As  UPPs  explicitam a busca de retomada dos territórios sob controle do tráfico de drogas e da redução dos conflito entre as facções, e entre estas e as milícias, portanto, (re)estabelecendo  direitos civis  fundamentais de comunidades populares.

Por uma Agenda de Segurança Pública
Estamos colhendo os frutos amargos de políticas de segurança equivocadas e ineficientes, que jamais observaram a cidade em sua complexidade social e que jamais colocaram em pauta a proteção dos cidadãos como marco do enfrentamento à criminalidade violenta.

Porém, é hora de mudar. Mudar com conseqüência política e com ações públicas integradas. O Observatório de Favelas vem buscando, em tessitura com outros parceiros institucionais, construir uma agenda pública para a segurança no Rio de Janeiro. Dentre suas propostas destacamos: a retomada da soberania republicana de territórios ainda dominados por grupos armados (incluindo entre estes as milícias); a elaboração de políticas de segurança pública em amplo diálogo e integração com políticas sociais consistentes e duradouras; a criação de alternativas para saída de jovens das redes ilícitas; a afirmação da autoridade do Estado em consonância aos Direitos Humanos; e, sobretudo, o reconhecimento da legitimidade das comunidades populares como protagonistas de políticas de direitos urbanos.

Colocar em causa essa pauta positiva requer, de imediato, o compromisso da responsabilidade do Estado em relação às favelas, implicando a retomada republicana do território como garantia da promoção de direitos sociais e destacando o respeito à vida dos cidadãos como prioridade da política de segurança. É o que reclamavam de suas janelas os moradores do Alemão com seus “estandartes”’ brancos: o direito de viver com dignidade, paz e esperança no futuro.

Observatório de Favelas, 1º de dezembro de 2010

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