Profissão Repórter sobre o Bope é breve aula de jornalismo

O Profissão Repórter (AQUI AQUI) da última terça-feira (21/12) alternou bons e maus momentos. O principal dos bons momentos, porém, extrapolou o tema do programa e transformou-se em uma pequena aula de jornalismo. Professor: Caco Barcelos.

O programa falou do Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro, o Bope, através de três focos: treinamento, operação, e relação com as comunidades onde atua. Uma equipe acompanhou o final do treinamento dos aspirantes a soldado do Bope, Mostrou seres humanos transformados em máquinas ou em animais irracionais, à escolha. É claro que, com as câmeras, as humilhações aos concorrentes foram reduzidas. Mesmo assim, foi um bom retrato. Faltou apenas questionar esse ponto. De alguma forma isso precisava ser colocado.
Outra falha aconteceu com a equipe que acompanhou uma incursão do Bope no Complexo do Alemão. Há que se considerar toda a tensão presente nessa cobertura. A repórter ia atrás dos policiais enquanto tiros podiam ser ouvidos sabe-se lá vindos de onde ou indo para onde. O caso é que, como costuma acontecer nas incursões do Bope nas favelas, três moradores foram mortos. Como também costuma acontecer, os policiais alegaram que esses moradores tinham atirado contra o Bope. Lembremos que alegar que os “marginais” reagiram ou atacaram primeiro era prática comum na Ditadura Militar brasileira quando executava a torto e a direito. No caso específico retratado no Profissão Repórter, a versão da polícia também incluiu a falta de documentos do primeiro dos mortos. A jornalista não checou.
Caco Barcelos tem vasta experiência nesse tipo de reportagem. E não é a experiência de pegar microfone, ajeitar o cabelo e falar para a câmera. É a experiência de reportagem mesmo, de contato, de investigação. Seus livros Rota 66 e Abusado são bons exemplos. Tarimbado, Caco criticou (sem constranger) seus repórteres. As perguntas sobre a checagem do que realmente tinha acontecido foram respondidas com “nãos”. Ou seja: o que a repórter fez foi apenas acompanhar o Bope, em meio à tensão esqueceu de fazer as perguntas essenciais, e de exercer a atitude essencial: o questionamento de tudo.
Caco esteve no Complexo do Alemão conversando com moradores, e recebeu denúncias de agressões, quebra-quebra e até tortura por parte dos policiais do Bope. Durante um bom tempo, ouviu uma família contar como o Bope invadira sua casa, agredira a todos e praticara tortura deliberada, inclusive com sacolas plásticas e enforcamento. Depois, foi ouvido o comandante da operação, que disse o tradicional “vamos investigar e blábláblá”. Caco Barcelos foi impecável, na relação com a comunidade, na crítica aos repórteres (sem ser agressivo) e na entrevista com o capitão.
O programa conseguiu tratar a questão de forma ampla, sem a espetacularização cinematográfica das ações policiais, mas também sem criminalizar os próprios soldados. Mostrou o dia difícil de um integrante do Bope que sai de casa com colete à prova de balas e apontando para todos os lados, com medo de sofrer uma emboscada. Mostrou o treinamento a que essas pessoas são submetidas, que as torna menos humanas, adaptando-se à estrutura que precisam defender sem se dar conta do que estão fazendo. Mostrou as consequências disso tudo para boa parcela da sociedade que acaba obrigada a temer, odiar e enfrentar o Bope. Faltou apenas mostrar as estruturas que causam o nascimento de polícias como o Bope, mas, mal comparando com os livros Elite da Tropa e com os filmes Tropa de Elite, isso pode ser assunto para um novo programa.
Postado por Alexandre Haubrich

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