Uma nova editoria para Zero Hora: criminalização

18 outubro 2010

A Zero Hora poderia perfeitamente ter uma editoria chamada “criminalização”. Ali estariam matérias sobre movimentos sociais, manifestações e protestos de qualquer tipo e outras atividades ligadas à busca por mudanças sociais ou desenvolvidas, sob qualquer forma, pelas classes mais baixas. Nessa editoria, a estrela maior seria o repórter Carlos Wagner.

Carlos Wagner é o enviado pelo jornal sempre que há alguém para ser criminalizado. É sempre assim em reportagens sobre o MST, por exemplo. E dá-lhe expressões como “invasão”, “depredação”, “vandalismo”, “arruaceiros” e afins. Na falta de uma editoria específica, as matérias de Wagner são distribuídas basicamente entre Polícia e Geral. Nesta segunda-feira, a página 37 foi o espaço destinado ao trabalho quase diário de discurso da exclusão social.

A reportagem em questão tem o título “Menos pedintes, mais vendedores”, e a linha de apoio “Com fechamento de vãos que abrigavam sem-teto, esquinas de uma das principais artérias da capital são tomadas por ambulantes”. Por trás de uma falsa aparência de defesa dos vendedores, ambos os grupos são criminalizados. Atente aos dois primeiros parágrafos:

Um problema a mais para os fiscais da Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic) de Porto Alegre, mas um obstáculo a menos para a polícia.
Esse é o resultado da substituição de pedintes, depredadores de veículos e ladrões por vendedores de frutas e flores nas esquinas da Ipiranga – por onde transitam, em média, pelos 10,2 quilômetros da avenida, 60 mil veículos por dia.

Vamos passar por cima do fato de a reportagem ignorar as causas sociais da existência de “depredadores de veículos e ladrões”, tratando-os exclusivamente como um “obstáculo para a polícia”, demonizando-os indiscriminadamente.

E os pedintes, são caso de polícia? Para a Zero Hora, sim. Porque a Zero Hora reproduz o discurso excludente de parte das elites brasileiras, o discurso da repulsa, o discurso dos condomínios fechados e do insulfilm nos carros. A retórica do isolamento da classe média, do cerramento dos portões e dos olhos frente à pobreza, à miséria. A posição do comodismo e do “prefiro não ver” em detrimento do mínimo esforço por ajudar. A estática sobre o sofá em frente à novela como remédio para a loucura, um remédio paliativo que não cura, apenas disfarça os sintomas.

Depois, mais tarde, os próprios vendedores também são marginalizados. A matéria reclama do que chama, no título de uma retranca, de “Carência para fiscalizar comércio irregular”. Antes disso, motoristas são entrevistados, e dizem que os vendedores “não incomodam”. Ponto para eles. Mas, ainda assim, Zero Hora faz questão de cobrar fiscalização, de colocar os ambulantes como caso de polícia. Sim, de polícia, pois, em última instância, os fiscais fazem trabalho de policiamento nesses casos. Mais um trabalho para Carlos Wagner.

Postado por Alexandre Haubrich

Fonte: http://jornalismob.wordpress.com/2010/10/18/uma-nova-editoria-em-zero-hora-criminalizacao/

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