A legalização do aborto no Uruguai ajuda as brasileiras?

Há duas respostas: não e sim. Não, porque de acordo com a lei, que foi ratificada pelo presidente Jose Pepe Mujica, no dia 17 de outubro, apenas a cidadã uruguaia ou a mulher de outra nacionalidade que seja cidadã do país, poderá ser beneficiada. Sim, porque é uma vitória simbólica importante para a América Latina. Apenas México e Cuba tem legislações abrangentes sobre o aborto abaixo dos Estados Unidos e Canadá, países em que o aborto é legalizado. A nova lei, tecnicamente, não legaliza o aborto, mas despenaliza a prática seguindo certos procedimentos regulados pelo Estado, impedindo que a interrupção da gravidez por parte de cidadãs uruguaias seja tratada como crime. A decisão final pode ser tomada pela gestante depois de haver sido observado um processo obrigatório de consulta a três profissionais vinculados ao sistema de saúde local e desde que o aborto seja praticado por centros de saúde registrados.

O primeiro passo estabelecido pela lei é a ida obrigatória da gestante a um médico, a quem deverá manifestar seu desejo de abortar. A partir daí, o profissional deve enviar a paciente a um comitê constituído por um ginecologista, um psicólogo e um assistente social para que receba informações sobre a interrupção da gravidez e para lhes manifestar as razoes pelas quais deseja abortar.
Após cinco dias de “reflexão”, a paciente deve expressar sua decisão final, e então o aborto deve ser realizado de forma imediata e sem obstáculos, em hospitais públicos e privados.
A lei não permite que mulheres estrangeiras se beneficiem desse novo direito.
A nova legislação também determina que a gravidez poderá ser interrompida, até sua 14ª. semana, quando a gestação incorrer em risco de vida para a saúde da mulher, quando houver malformações fetais incompatíveis com a vida extrauterina e quando a gravidez for resultado de estupro. Referência: Uruguai descriminaliza o aborto.
Não será tão simples realizar um aborto no Uruguai apenas porque a pessoa quer. Na maioria dos países em que o aborto é amplamente legalizado, não é preciso pedir uma autorização formal do Estado. Porém, essa iniciativa é importantíssima para que a questão do aborto seja debatida, especialmente no Brasil, sem demonizações e acusações de assassinato ou pecado. A discussão do aborto deve ocorrer de maneira séria, levando em consideração os altos índices de mortalidade em decorrência de abortos clandestinos, as políticas de saúde, a defesa do estado laico e os direitos reprodutivos e sexuais.
Para a cientista política Kauara Rodrigues, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), uma entidade que defende a legalização do aborto, a lei uruguaia tem um valor simbólico para a região, já que o Uruguai foi o primeiro país hispânico da América do Sul a assumir essa postura – também foi o primeiro a liberar divórcio e voto para mulheres. Referência: Despenalização do aborto no Uruguai tem valor simbólico para a região, diz integrante do Cfemea.
Mulher pinta o corpo durante manifestação a favor do aborto no Uruguai. Foto de Matilde Campodonico / AP Photo.
O Uruguai é um país pequeno, com uma população de 3,4 milhões de habitantes. Ocupa o 48º lugar no ranking de desenvolvimento humano da ONU, enquanto o Brasil é o 84º. Não há crucifixos em hospitais e nem ensino religioso nas escolas públicas. Algumas pessoas acreditam que estado laico significa que a legislação deve seguir a crença da maioria, resguardando as crenças das minorias desde que não configurem crime de acordo com a crença da maioria. Sim, há pessoas que pensam isso. Estado laico, na verdade, significa que o Estado é totalmente neutro em relação a questões religiosas, não apoiando nem se opondo a nenhuma religião.
A decisão não foi ato de voluntarismo solitário dos parlamentares. Ao contrário, foi um importante exemplo de como as instituições democráticas devem funcionar na América Latina. Há quase uma década, movimentos sociais, organizações médicas e acadêmicos defendem o que ficou internacionalmente conhecido como “modelo uruguaio de redução de danos”. O aborto era proibido no Uruguai, mas o acesso à informação, um direito fundamental. Médicos e enfermeiras eram proibidos de auxiliar mulheres a abortar de maneira segura, mas se sentiam no dever de informá-las sobre riscos e seguranças de cada método. Esse dever era garantido com o programa de redução de danos que vigorou no país antes da aprovação da lei agora em 2012. Há uma fronteira tênue entre praticar um aborto contra a lei e proteger as mulheres, informando-as sobre como reduzir os danos de um aborto clandestino. O modelo uruguaio desafiou o tabu do aborto, rompendo o cerco do silêncio, primeiro, sobre como proteger as mulheres na clandestinidade e, agora, sobre como oficialmente proteger suas necessidades de saúde como um direito reprodutivo. Referência: Aborto: uma viagem ao Uruguai.
Desde a adoção do modelo de redução de danos, até a legislação atual, o Uruguai avança para a pergunta mais básica de todas: o que a legalização do aborto muda na vida de quem é contra o aborto? A resposta é: nada. Se você não quer salvar futuras almas para seu rebanho, sua vida não muda nada.
Criminalizar o aborto resolve o quê? As clínicas clandestinas continuam ganhando muito dinheiro em espécie e mulheres continuam morrendo sem assistência. Apesar de iniciativas esdrúxulas como o bolsa-estupro e o estatuto do nascituro, quero crer que a maioria dos brasileiros é a favor da legislação atual, que já existe desde 1940 e que permite o aborto em casos de estupro, risco de vida para mãe e fetos anencéfalos. O figura do aborto existe legalmente no Brasil, por meio de uma escusa absolutória, há mais de 70 anos e, a não ser que você tenha usado o direito de realizar um aborto legal, sua vida não foi afetada mesmo que fetos tenham morrido.
Sabemos que matar embriões não é crime, porque as pesquisas científicas e, principalmente, a área da fertilização in vitro tem manipulado óvulos, espermatozóides e embriões em grandes quantidades, implantando-os, selecionando-os, descartando-os ou armazenando-os para posterior uso ou não. Muitas pessoas adultas, donas do próprio nariz são beneficiadas por essas técnicas da medicina que se aprimoram a cada dia. E, é no benefício de pessoas nascidas, cidadãs e cidadãos plenos, que vivem suas vidas diariamente, que tem direito a decidir sobre seus corpos, é que devemos pensar quando discutimos sobre aborto.
A implementação efetiva da lei uruguaia depende agora do Parlamento e do Ministério da Saúde que no prazo de um mês (até 17 de novembro) deverão apresentar um regulamento detalhado. Há críticas:
Entre os argumentos contra o projeto está o de que ele “não despenaliza o aborto, porque o mantém como delito no Código Penal”, segundo afirmou à Télam Alejandra López, codiretora da ONG uruguaia Mulher e Saúde.
A mulher terá então cinco dias para ratificar sua decisão mediante a assinatura de um consentimento informado. É por isso que tanto López como a Coordenadora Aborto Legal (CAL) consideram que o projeto “não despenaliza a interrupção voluntária do aborto, apenas suspende a pena sempre e quando se cumpram com todos os trâmites e prazos estabelecidos nos artigos”. Referência: Uruguai é o primeiro país da América do Sul a descriminalizar o aborto.
Não será fácil mudar a legislação brasileira em relação ao aborto ou a interrupção de uma gravidez. Pequenas vitórias, que abrangem o leque de opções, como a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela permissão a antecipação do parto no caso de fetos anencéfalos, devem ser muito comemoradas. Assim como o avanço que os vizinhos uruguaios tem realizado, discutindo a questão do aborto, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e a legalização de drogas como a maconha. Os dois primeiros são pautas que atingem a vida de muitas pessoas, que desejam fazer um aborto ou ter seus direitos civis plenamente reconhecidos. É preciso abandonar as trevas e respeitar, acima de tudo, a laicidade do Estado.
Não há dúvida de que a religião é importante para aqueles que tem fé, mas num Estado plural e laico certos valores não podem ser colocados como universais, válidos e impostos a todos”. Miryam Mastrella, socióloga do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis). Referência: Religião e conservadorismo impedem avanço no debate sobre aborto no Brasil.
[+] Feminista Lilian Celiberti fala da descriminalização do aborto no Uruguai.



Texto de Srta. Bia, em Blogueiras Feministas

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