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Feminismo e Inclusão


Há algumas semanas atrás surgiu, no grupo das blogueiras feministas, uma discussão que me mostrou novamente o quanto privilegiada eu sou. Como a militância do feminismo ainda é restrita e além do claro recorte social, racial, também há um recorte de identidade de gênero.
Aprendi e agora tento entender e adequar, tanto o vocabulário, como os conceitos com os quais nunca me familiarizei, por preguiça desinformação, desinteresse, privilégio e conformismo. Além da heterossexualidade, da heteronormatividade agora mais a cissexualidade para aprender e compreender, uma palavra que sequer sabia existir. Vale dizer que é absolutamente indispensável a um movimento que se pretende social, incluir todos os recortes minoritários da sociedade. Sabermos dos nossos problemas e deficiências como grupo é crucial para mudarmos, melhorarmos e aprendermos para parar de, inconsciente e irresponsavelmente, atacar/ofender as pessoas que não se incluem nesse padrão branco, rico, heterossexual e cissexual que a sociedade em que vivemos nos impõe e que pouco questionamos.
O privilégio que pessoas brancas, ricas, heterossexuais e cissexuais tem na nossa sociedade é enorme, mas não nos damos conta ou escolhemos não enxergar, é sempre mais comodo manter nossos privilégios. Como, aliás, as pessoas que reproduzem o machismo também não se dão conta quando reproduzem e reforçam esteriótipos machistas.
Perceber isso foi chocante e, pelo menos para mim, do meu ponto de vista cissexista e arrogante ver que a naturalidade da minha fala e jeito de ver o mundo, é reforço/ reprodução de preconceito, não foi fácil. Como ativista/militante feminista me senti na obrigação de ter notado, me informado e refletido antes de escrever e falar sobre esses esteriótipos de gênero, sem negligenciar, por ignorância e comodismo, uma parcela da população que não se enquadra no que somxs ensinadxs sobre gênero, sexo anatômico e identidade de gênero.
Principalmente para mim que gosto de achar que luto por direitos humanos, me ver negligenciando uma parcela da população, e ainda reforçando preconceitos e ofendendo um grupo extenso de pessoas apenas por ignorância. Foi difícil de engolir toda minha arrogância, imaturidade e ignorância.
Não sei de onde vem tamanha necessidade de rotulação e classificação. O fato é que classificamos e somxs ensinadxs a achar normal e natural só o que está de acordo com as classificações que aprendemos.

A transgender person strikes a pose, during celebration of LGBT rights in Guatemala City, Guatemala. June, 2012. Author: Duffboy.
















E as aprendemos bem cedo!
Classificamos os nossos fetos e lhes metemos nessas camisas de força rosas e azuis e esperamos que se adequem a um sem número de padrões que nem sabemos de onde saíram, mas que somos arrebanhados a reproduzir e o fazemos sem maiores reflexões.
Deveríamos, como sociedade, repensar esses padrões, mas não o fazemos. Escolhemos não pensar, seguir a nossa vidinha pois mudar o mundo é muito difícil. Mas proponho sempre mudarmos a nós mesmos e ver apenas o efeito dominó acontecer.
Então como militante e ativista feminista me propus esse exercício de pensar fora da minha caixa heterossexual, cissexual e cor de rosa. De escrever e viver de modo mais inclusivo. Incluir no meu discurso xs não-brancxs e as pessoas trans* cujos gêneros não se identificam com o sexo anatômico.
Todos temos uma identidade de gênero mesmo que ela esteja de acordo com o gênero que recebemos ao nascer, essa identidade de gênero não nasce pronta ela se constrói ao longo de nossa vida, sem que percebamos.
Cissexuais são pessoas em que a identidade de gênero e o sexo anatômico coincidem,
 as pessoas trans* são aquelas cuja identidade de gênero difere do sexo anatômico. E o mundo é feito apenas considerando as pessoas cissexuais. Podemos não notar, mas apenas o fato de sermos cissexuais nos dá uma porção de privilégios.
Uma grande parte das pessoas trans* são marginalizadas e sofrem preconceito por causa dessa não identificação de sexo anatômico e gênero. A burocracia que por vezes nos chateia, pode ser um entrave na vida de uma pessoa trans*. Ter reconhecido o seu nome social em todos os lugares que frequenta muitas vezes é uma batalha. Ir a um banheiro público pode ser motivo de constrang
imento ou motivo de violência física. Ser assediadx ou xingadx na rua e revidar pode custar muito caro quando se é uma pessoa trans*. Sofrer uma tentativa de estupro e denunciar achando que vai ter apoio também pode ser muito inútil se você é uma pessoa trans*. Faço questão de frisar que estes são apenas os casos que aparecem na mídia. Mas que evidentemente não são os únicos. Continuar achando que toda a humanidade se divide apenas entre homens e mulheres cis é querer viver numa bolha é negar a realidade.
Então eu já sabia de muitas dessas informações, mas entre escutar e processar, no meu caso, levou muito tempo. A discussão que surgiu no grupo foi muito importante para mim no sentido de entender melhor e reconhecer até que ponto eu estava sendo arrogante, negligente e ofensiva. Mas o legal é que nunca é tarde para mudar e melhorar o que não está bom em nós mesmos, e na nossa vida.

Texto de Liliane Gusmão, disponivel em Blogueiras Feministas

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