Marcelo Freixo |
Que o Rio de Janeiro é uma cidade cada vez mais partida, não há dúvidas. Todo o Estado do Rio de Janeiro assiste a um processo de polarização. A combinação dos processo sociais e políticos leva a uma conjuntura complexa, repleta de contradições e oportunidades. Alçado novamente a cartão postal do Brasil, há uma disputa sobre os rumos da cidade e do estado.
O Rio como laboratório do Brasil
O fator determinante para a consolidação do Rio de Janeiro como palco de grandes disputas é a sua localização no centro das contradições do desenvolvimento do modelo econômico e político em curso no Brasil. Aqui podemos ver os elementos centrais do cenário nacional: concentração de renda, megaeventos, a aliança em torno da "governabilidade" [PT e PMDB] e de forma crescente, a repressão ao movimento social. O grande comandante dos negócios da burguesia brasileira ascendente é Eike Batista. Com seu "centro operacional" no Rio, ele movimenta grande contingente de capitais nos setores de logística, petróleo, indústria naval, energia e mineração, chegando ao posto de oitavo homem mais rico do mundo. Boa parte dos negócios de Eike tem sede no Rio de Janeiro. Estão em fase final de construção obras como o "Porto do Açu" [norte fluminnese], Superporto do Oeste [Itaguaí] etc.. O desenvolvimento de novas feições passam pelas construções de novas redes de infra-estrutura como é o caso do Comperj, em Itaboraí. Os megaeventos, conforme relatório dos comitês populares da Copa, vão acarretar, em todo o Brasil, mas no Rio de Janeiro em particular, na remoção de loteamentos populares e favelas. A especulação imobiliária está atuando de forma ostensiva nesses espaços, especialmente na Zona Sul do Rio de Janeiro.
O cimento político desta engenharia é a sólida aliança entre o PMDB e o PT. O governo estadual de Cabral e prefeituras importantes, como Paes na capital, apostam suas fichas nesse modelo. As fissuras começam a aparecer. Uma reportagem do Fantástico desnudou o esquema de corrupção na rede de hospitais, com as empresas Locanty e Rufolo fazendo lobby para licitações e contratos com o poder público. Ainda no terreno das concessões públicas, o transporte também carrega a marca das relações promíscuas com o poder público. No mesmo momento em que a saúde do Rio de Janeiro foi considerada uma das mais precarias do pais. A empresa Barcas S/A, responsável pelo transporte na Baía da Guanabara, teve um aumento subsidiado pelo poder público, com amplo respaldo parlamentar da maioria da bancada do PMDB e do PT.
A repressão aos movimentos que começam a questionar a legitimidade das políticas do governo apareceu com força no último período. A cruzada contra a mobilização dos militares, a multa afixada pelas Barcas S/A contra o PSOL [cinco milhões para que militantes do PSOL não protestassem contra o aumento da tarifa] afirmam um novo patamar na criminalização dos movimentos sociais, dos moradores da periferia e de todos os que possam vir a questionar os interesses dos poderosos.
Do falso consenso ao conflito emergente
A reeleição de Cabral como governador foi celebrada como um "novo tempo" no estado. O pacto que tinha na aliança PMDB e PT seu núcleo central,sustentado na tríade: UPP´s, Copa/Olimpíadas e Pré-sal, parecia insuperável. Quando da ocupação militar da Vila Cruzeiro, fato ocorrido em novembro de 2010, o projeto Dilma/Cabral era tido como uma fortaleza no Rio de Janeiro. As elites nacionais chegaram a alimentar uma ideia de que viveríamos novos "anos dourados", culminando com a Olimpíada de 2016.
As contradições deste modelo saltaram aos olhos. Em Junho de 2011, a inércia foi rompida. Uma categoria tão respeitada socialmente como os bombeiros foi à luta por seus direitos. A mobilização gerou uma verdadeira onda vermelha; uma onda popular em apoio à greve dos bombeiros e contra o autoritarismo de Cabral que prendeu 439 ativistas. Como explica Freixo neste trecho:
"O caso do Rio de Janeiro, por exemplo. O governo fala da inviabilidade de conceder reajustes que resultariam em um impacto de R$ 1 bilhão no orçamento anual de R$ 61.96 bilhões em 2012. Mas esse mesmo governo concordou em conceder mais de R$ 50 bilhões em quatro anos (2007-2010) em isenções fiscais para empresas instaladas no estado. Além disso, carece de credibilidade o argumento orçamentário apresentado por um governo afetado gravemente pela corrupção e pela incompetência na gestão dos recursos públicos."
Os bombeiros colocaram uma tarefa para vários setores. A mobilização social começou a despertar um protagonismo em diferentes frentes. Neste ano de 2012, a greve unificada da polícia civil, militar e dos bombeiros foi derrotada, conhecendo a dura face da repressão. A perseguição resultou na prisão do líder Daciolo, seguida de sua expulsão e de mais 12 lideranças dos quadros das corporações militares. Apesar da derrota dos bombeiros, outras categorias fizeram greve: os operários do Comperj cruzaram os braços durantes quase vinte dias; rodoviários de Niteroi atropelaram a direção burocrática de seu sindicato, numa forte greve que durou quase uma semana. Também em Niterói, houve ampla mobilizacao social contra o aumento das barcas e por um transporte de qualidade. Em todos esses processos sociais assistimos a novas lideranças e formas de luta. A insatisfação represada toma novas formas. A solidariedade com a Deputada Janira Rocha, atacada por Cidinha Campos, foi massiva, na opinião pública, nas redes sociais e nas camadas mais informadas.
A sociedade começa a se mover. Começa também a buscar uma representação politica à altura de suas necessidades. Toda uma importante parcela da população questiona o modelo Cabral/Paes, sua forma de fazer politica e suas tradicionais alianças. A hipótese de uma "maré" a favor de mudanças e por uma nova politica está se postulando no horizonte.
Freixo, uma campanha em movimento
A pré-candidatura de Marcelo Freixo à prefeitura do Rio de Janeiro tem boas chances de representar o novo. Ao contrário das alianças pragmáticas que sustentam as candidaturas majoritárias, como Paes e a unidade entre DEM e PR na campanha Maia/Garotinho, o principal motor da campanha Freixo é sua capacidade de articular alianças com o conjunto da sociedade. Nesse sentido, o reforço de Marcelo Yuka, como candidato a vice, é uma ótima notícia.
A campanha terá um cárater de movimento. É fundamental publicizar uma agenda alternativa que incopore o combate à corrupcao e promiscuidade dos agentes públicos, a defesa de uma presença positiva do Estado nas comunidades e bairros mais afastados e que promova a "inteligência" da cidade, com técnicos e especialistas em distintas àreas.
A trajetória de Freixo como ativista dos Direitos Humanos não deixa dúvidas. Sua coragem para enfrentar as milícias foi mundialmente reconhecida. Seu enfoque humanista da questão da segurança pública combina a necessidade de uma resposta eficaz com a visão de uma segurança articulada com os interesses da maioria. Estamos diante de um polo capaz de atrair milhares de simpatizantes, instalando comitês de campanha nas casas de apoiadores; um polo que na elaboração de seu programa possa contar com a participação de intelectuais e lideranças populares pensando respostas concretas aos temas mais importantes da cidade: segurança, saúde, educação, habitação, saneamento, cultura, juventude. O acúmulo que o movimento social ― os sindicatos da esquerda,entidades de direitos humanos, movimentos de defesa do consumidor, redes de advogados progressistas, funkeiros, trabalhadores da previdência, médicos, enfermeiros, trabalhadores na saúde, educadores das redes públicas e privadas, jornalistas, artistas, músicos engajados, cidadãos indignado ― será o caldo de cultura desta campanha-movimento. Como no lema dos movimentos que ocupam as praças do mundo por uma nova política e democracia real, será uma luta dos 99% da sociedade carioca contra os 1% viciados da velha política.
O fato é que o alicerce da campanha Freixo/Yuka será a mobilização. Em todo o estado, o fenômeno do PSOL poderá apresentar boas surpresas. Em Niterói, as pesquisas apontam o candidato do PSOL, Paulo Eduardo Gomes, com índices entre 10 e 14% , e perspectivas de crescimento.
A Maré da mudanca que encarna a campanha Freixo esta se pondo em movimento. Será uma batalha que vai valer a pena.
Israel Dutra é professor de sociologia e membro do Diretório Nacional do PSOL
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