— Opinião do doutorando em Educação Gregório Durlo Grisa |
Uma mudança feita pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) no processo seletivo de 2012 fez com que mais redações dos candidatos cotistas fossem avaliadas, aumentando, com isso, as chances de ocupação das vagas. Apesar de todo o impacto inclusivo no ingresso de alunos de escolas públicas e negros desde 2008 através das cotas, havia um déficit grande em relação à ocupação das vagas ofertadas, principalmente no caso dos autodeclarados negros. Tal medida teve o objetivo de adequar o ves-tibular ao Programa de Ações Afirmativas da UFRGS, ou seja, trouxe no seu bojo a intenção de concretizar a política de cotas. Podemos dizer que, com o ingresso de mais alunos autodeclarados negros, inclusive nos cursos mais procurados, a
Decisão 134/2007 que institui a reserva de vagas começa a ser efetivada. O acontecido ganhou grande repercussão na mídia gaúcha: foram publicadas matérias acerca do aumento do número de alunos autodeclarados negros ingressando em cursos “nobres”, como medicina e direito, sobre a possível dificuldade de esses alunos acompanharem os cursos ou se formarem e até enquetes sobre como os cidadãos veem o fato de a UFRGS “baixar a exigência para as cotas raciais”. Não se reduziu a exigência para preencher as cotas raciais, o que ocorreu foi uma mudança no sistema de selecionar as redações a serem avalia-das, reparando um processo que pré-eliminava o candidato cotista antes mesmo de sua redação ser avaliada. Basta optar pelo prisma que se quer olhar: se se entende que as cotas são um favor, fala-se em “baixar exigência”; se há, entretanto, a compreensão de que elas são um direito social conquistado, tratamos como uma correção da dinâmica da política. Entendo que toda busca por imparcialidade feita ao entrevistar professores, alunos e mostrar a trajetória de cotistas não retira o caráter envie-sado da cobertura feita. A inculcação de dilemas ilegítimos e de problemas tangenciais marca o desserviço feito por algumas reportagens. Os órgãos de imprensa hegemônicos têm toda liber-dade para ter suas opiniões acerca de qualquer política pública, mas seria interessante que essa opinião ficasse clara, e não submersa na construção textual que induz o pensamento dos leitores. Adjacente a esse processo está a dificuldade que parcela pequena e poderosa da sociedade gaúcha tem de lidar com o fato de que a maior universidade do sul do país não é mais um lugar exclusivo para pessoas brancas com poder aquisi-tivo. Ainda em 2007, por exemplo, antes das cotas, tínhamos 70% dos alunos ingressantes oriundos de escolas particulares e apenas 3% dos aprova-dos no vestibular eram autodeclarados negros de escola pública. Esse era um quadro vergonhoso para uma universidade pública da dimensão da UFRGS. As ações afirmativas mudaram significativamente esse cenário, democratizando minimamente o acesso.Com a renovação das cotas marcada para esse ano, vai se tentar remontar a aura de polêmica do defasado debate sobre ser contra ou a favor da reserva de vagas. Digo defasado pelo fato de que mais de 70 instituições públicas brasileiras têm algum modelo de ações afirmativas, e a maturidade do debate atinge estágios mais avançados que esse. Diferente do alarde midiático sobre a limitação dos cotistas para obter bom desempenho e se formar, o aprimoramento técnico e a confecção de políticas de permanência e acompanhamento qualificadas são as metas das universidades no que tange às cotas. Ainda impressiona como tanto o mito do mérito quanto o de que o vestibular é um meio pleno de avaliação estão presentes no imaginário da comunidade acadêmica e da sociedade. A medida que efetiva as cotas e amplia a diversidade na universidade, além de fazê-lo, coloca em xeque o mantra de que o vestibular é um modelo justo e legítimo de avaliar se a pessoa vai ou não acompanhar seu curso ou se formar. Na UFRGS, no máximo 30% dos alunos se formam no tempo mínimo do curso; são minoria em todas as áreas de conhecimento. Inclusive, é por essa razão que têm o direito de se formar no dobro do tempo de duração de seu curso. O desafio da universidade é dar condições para que todos os alunos se formem no tempo adequado, e não somente os cotistas. O que temos visto, nos primeiros resultados de desempenho, é que qualquer avaliação feita com apenas cinco anos de cotas é prematura e limitada, tendo em vista que, pela média geral, poucos cotistas irão se formar nesse período. As diferenças de acompanhamento acadêmico por área de conhecimento, os perfis de cursos e currículos ainda não permitem um olhar mais coeso e global. A pluralidade de critérios avaliativos das áreas, os graus distintos de dificuldade das disci-plinas, a pouca representatividade quantitativa de cotistas em alguns cursos são outras variáveis que tornam complexa a avaliação. A universidade vive um processo histórico de transformação e aprendizado que, além de ampliar a diversidade nos seus espaços, está desafiando a comunidade acadêmica a desenvolver outros parâmetros de trabalho pedagógico e de relações humanas.
Decisão 134/2007 que institui a reserva de vagas começa a ser efetivada. O acontecido ganhou grande repercussão na mídia gaúcha: foram publicadas matérias acerca do aumento do número de alunos autodeclarados negros ingressando em cursos “nobres”, como medicina e direito, sobre a possível dificuldade de esses alunos acompanharem os cursos ou se formarem e até enquetes sobre como os cidadãos veem o fato de a UFRGS “baixar a exigência para as cotas raciais”. Não se reduziu a exigência para preencher as cotas raciais, o que ocorreu foi uma mudança no sistema de selecionar as redações a serem avalia-das, reparando um processo que pré-eliminava o candidato cotista antes mesmo de sua redação ser avaliada. Basta optar pelo prisma que se quer olhar: se se entende que as cotas são um favor, fala-se em “baixar exigência”; se há, entretanto, a compreensão de que elas são um direito social conquistado, tratamos como uma correção da dinâmica da política. Entendo que toda busca por imparcialidade feita ao entrevistar professores, alunos e mostrar a trajetória de cotistas não retira o caráter envie-sado da cobertura feita. A inculcação de dilemas ilegítimos e de problemas tangenciais marca o desserviço feito por algumas reportagens. Os órgãos de imprensa hegemônicos têm toda liber-dade para ter suas opiniões acerca de qualquer política pública, mas seria interessante que essa opinião ficasse clara, e não submersa na construção textual que induz o pensamento dos leitores. Adjacente a esse processo está a dificuldade que parcela pequena e poderosa da sociedade gaúcha tem de lidar com o fato de que a maior universidade do sul do país não é mais um lugar exclusivo para pessoas brancas com poder aquisi-tivo. Ainda em 2007, por exemplo, antes das cotas, tínhamos 70% dos alunos ingressantes oriundos de escolas particulares e apenas 3% dos aprova-dos no vestibular eram autodeclarados negros de escola pública. Esse era um quadro vergonhoso para uma universidade pública da dimensão da UFRGS. As ações afirmativas mudaram significativamente esse cenário, democratizando minimamente o acesso.Com a renovação das cotas marcada para esse ano, vai se tentar remontar a aura de polêmica do defasado debate sobre ser contra ou a favor da reserva de vagas. Digo defasado pelo fato de que mais de 70 instituições públicas brasileiras têm algum modelo de ações afirmativas, e a maturidade do debate atinge estágios mais avançados que esse. Diferente do alarde midiático sobre a limitação dos cotistas para obter bom desempenho e se formar, o aprimoramento técnico e a confecção de políticas de permanência e acompanhamento qualificadas são as metas das universidades no que tange às cotas. Ainda impressiona como tanto o mito do mérito quanto o de que o vestibular é um meio pleno de avaliação estão presentes no imaginário da comunidade acadêmica e da sociedade. A medida que efetiva as cotas e amplia a diversidade na universidade, além de fazê-lo, coloca em xeque o mantra de que o vestibular é um modelo justo e legítimo de avaliar se a pessoa vai ou não acompanhar seu curso ou se formar. Na UFRGS, no máximo 30% dos alunos se formam no tempo mínimo do curso; são minoria em todas as áreas de conhecimento. Inclusive, é por essa razão que têm o direito de se formar no dobro do tempo de duração de seu curso. O desafio da universidade é dar condições para que todos os alunos se formem no tempo adequado, e não somente os cotistas. O que temos visto, nos primeiros resultados de desempenho, é que qualquer avaliação feita com apenas cinco anos de cotas é prematura e limitada, tendo em vista que, pela média geral, poucos cotistas irão se formar nesse período. As diferenças de acompanhamento acadêmico por área de conhecimento, os perfis de cursos e currículos ainda não permitem um olhar mais coeso e global. A pluralidade de critérios avaliativos das áreas, os graus distintos de dificuldade das disci-plinas, a pouca representatividade quantitativa de cotistas em alguns cursos são outras variáveis que tornam complexa a avaliação. A universidade vive um processo histórico de transformação e aprendizado que, além de ampliar a diversidade nos seus espaços, está desafiando a comunidade acadêmica a desenvolver outros parâmetros de trabalho pedagógico e de relações humanas.
Opinião de Gregório Durlo Grisa – Doutorando em Educação da UFRGS e membro da Comissão de Avaliação do Programa de Ações Afirmativas publicada na edição de março do Jornal da Universidade
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