Incrivelmente desaparecido das pautas da mídia dominante brasileira, o problema das moradias (ou da falta delas) é um dos grandes dramas do planejamento urbano nas principais cidades do país. Volta e meia nos deparamos com reportagens que distorcem a realidade dos moradores de vilas e favelas, ou mesmo dos que tem o céu como único teto. Porém, o silêncio é a regra.
Mas temos também exemplos de como o jornalismo pode trabalhar sem virar as costas ao povo e ao desenvolvimento das cidades em sua relação com a maioria da população. Aqui no Jornalismo B já comentamos, por exemplo, uma boa matéria da Carta Capital sobre os problemas de moradia enfrentados por milhares de brasileiros. Há bons exemplos vindos também doexterior para retratar a realidade do país. E, na mais recente edição da revista Rolling Stone, mais um caso de ótima reportagem mostrando uma realidade que os interesses de importantes setores da mídia impedem que venha à tona com mais força.
Ocupando cinco páginas da revista, a reportagem “Arquitetura da destruição” foi brilhantemente apurada e também brilhantemente escrita por Ana Aranha e Mauricio Monteiro Filho, e complementada por uma bela ilustração de Indio San (reproduzida acima). A matéria faz o caminho inverso do comum jornalismo preguiçoso: parte das falas das “pessoas comuns” para chegar, depois, às autoridades responsáveis pelos problemas.
O retrato mostra abusos do governo contra moradores de favelas de São Paulo, fortes interesses imobiliários envolvidos nas remoções, humilhações diversas aos moradores, falta de apoio do Estado aos removidos, incêndios no mínimo suspeitos em favelas em processo de remoção, e outras ações de total desrespeito e agressão à autonomia das comunidades. Como diz a linha de apoio, “intimidações armadas, desapropriações truculentas e incêndios suspeitos se tornam as ferramentas da desenfreada especulação imobiliária para banir as favelas de São Paulo”. A série de denúncias torna-se uma grande história humana pela forma como é abordada, conferindo aos moradores o protagonismo, e pelo texto limpo, inteligente e sensível dos repórteres, texto que começa lembrando Adoniran Barbosa, sua linguagem popular e sua “saudosa maloca”. Grande sacada.
O foco da matéria da Rolling Stone é São Paulo, mas denuncia práticas que sempre foram normais em todos os grandes centros urbanos brasileiros e têm se agravado com a proximidade da Copa do Mundo e o boom imobiliário: a expulsão dos pobres em direção às periferias, o desrespeito às suas vontades e a entrega da pobreza ao total abandono. O silêncio costumeiro da velha mídia não quer dizer que essas pessoas não existam.
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