Mulheres em Movimento – 4º Encontro de Mulheres Estudantes da UNE

O 4º Encontro de Mulheres Estudantes (EME) foi realizado em Salvador, entre os dias 21 e 24 de abril, com o tema “Ô abre alas que as mulheres vão passar”. Oficialmente, estiveram no encontro cerva de 600 mulheres, reunidas em torno da discussão da pauta de gênero. A delegação do Coletivo Nacional Levante! foi a segunda maior bancada mobilizada para o evento. Fizemos uma excelente intervenção no espaço, distribuindo nossa tese “Flores no Asfalto” e vendemos nossas lindas camisas confeccionadas para o Encontro.
A despeito das muitas palestrantes defendendo as políticas públicas governamentais para as mulheres, com uma eficácia claramente limitada, a Oposição de Esquerda conseguiu indicar ao menos uma palestrante por mesa, garantindo a contraposição de idéias (nós, do Levante, fomos representadas pela companheira e historiadora Danielle Jardim). Além disso, nossas militantes fizeram intervenções em todos os debates, com falas extremamente qualificadas por parte das mulheres dos campos de esquerda.
O Coletivo Levante organizou uma plenária aberta no segundo dia do encontro com cerca de 40 meninas para apresentar o coletivo e discutir qual seria a linha pro Encontro dali por diante. Desta reunião, foi ponderada a importância de uma intervenção unitária da esquerda, de onde partiu a iniciativa de convocar uma outra plenária aberta, dessa vez da Oposição de Esquerda, a qual também contou com ampla adesão.
No mesmo dia, após a janta, realizou-se uma oficina deliberada por esta plenária, com a intenção de aprofundar os temas debatidos superficialmente no EME, com um viés crítico. A oficina contou com a participação majoritária das meninas do Ceará e do Rio de Janeiro, e com uma metodologia diferenciada, muito lúdica, proposta pelas meninas de Santa Catarina.
O EME é um espaço marcado pelo forte clima de conciliação, haja vista que sua plenária não é deliberativa e encaminha apenas por consensos. O que vimos foi uma carta final muito mais alinhada com a política da esquerda, questionadora das políticas públicas implementadas até então, fruto da capacidade interventiva das mulheres da Oposição de Esquerda juntas.
Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.” (Simone Beauvoir)
Carta das Mulheres Estudantes Brasileiras
Nós, mulheres reunidas no IV Encontro de Mulheres Estudantes da UNE, nos dias 21 e 24 de abril de 2011, afirmamos a atualidade da luta das mulheres e reafirmamos nosso compromisso com a luta pela superação do patriarcado, do machismo, do racismo e pela garantia da nossa autonomia e para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

As Mulheres transformando a universidade
A opressão das mulheres está presente no cotidiano de suas vidas. Tal opressão se estrutura a partir do espaço privado familiar e da divisão sexual do trabalho que organiza toda a estrutura social e impõe um modelo de existência eurocêntrica. Responsabiliza a mulher pelos afazeres domésticos, relacionados à limpeza, à cozinha, ao cuidado e à assistência às crianças, aos idosos e aos doentes; impõe a desvalorização e a sub-remuneração do trabalho feminino; desresponsabilizando o Estado destas tarefas coletivas, sobrecarregando as mulheres através da exploração pelo núcleo familiar. Nesse sentido, às mulheres cabe a reprodução e cuidado da sociedade.
Por outro lado, aos homens fica a responsabilidade do trabalho de produção valorizado, excluindo a mulher da participação política em nossa sociedade. Ainda hoje, somos minoria esmagadora nos espaços de decisão da sociedade, no parlamento, no legislativo e no executivo.
A violência contra a mulher também continua sendo uma realidade cotidiana, em especial na esfera doméstica. Naturaliza-se a violência psicológica, moral e a agressão física contra as mulheres. A questão da violência contra a mulher pode ser potencializada se, além de mulher, ela for lésbica, negra, pobre, migrante e portadora de deficiência.
A violência específica contra as lésbicas pode ser manifestada nos estupros corretivos, ausência de informação e métodos de proteção contra DSTs, impossibilidade de união estável com direitos plenos, enfim, ausência de políticas públicas específicas. A falta de visibilidade das lésbicas na sociedade corrobora com este cenário de descaso e negligência. Ignorar a existência das lésbicas é cercear nosso direito de lutar por nossa emancipação.
As mulheres negras ainda são aquelas que vivem uma realidade do trabalho informal e precarizado, principalmente dentro do trabalho doméstico, onde estas são a maioria. Destacamos ainda que apesar das políticas públicas como as cotas, terem inserido a população negra nesses espaços, as mulheres negras  ainda não possuem uma participação efetiva ,tendo portanto uma menor representação nos espaços do movimento estudantil,que representa uma realidade branca e de classe média. O sentido do IV EME acontecer na cidade do Salvador-BA cumpre o papel de colocar nos espaços do M.E. a realidade das mulheres negras na agenda das mulheres estudantes, hoje estas são a parcela das mulheres que vivem abaixo da linha da pobreza e que sofrem com os abortos ilegais e inseguros, além de engrossarem as estatísticas de desemprego e subempregos.

Acompanhamos uma contra ofensiva conservadora em todo o país. Um importante exemplo é como foram tratadas as mais importantes pautas do movimento feminista no processo eleitoral de 2010: a união civil de pessoas do mesmo sexo, o casamento civil igualitário e o aborto. Este especificamente foi tratado como algo a ser criminalizado ou apenas não debatido.
Em nenhum momento a maternidade é tratada como escolha, direito da mulher e autonomia sobre o próprio corpo. No Plano Nacional de Direitos Humanos III a discussão sobre o aborto foi suprimida, ignorando que esse debate fosse tratado como uma questão de saúde pública, fruto da pressão religiosa. A defesa do Estado laico é central para o movimento feminista.
Sabemos que o fato de sermos estudantes é fruto da luta de mulheres que vieram antes de nós e conquistaram o direito das mulheres à educação. As mulheres representam hoje 55% dos estudantes universitários, mas ainda é necessário romper preconceitos e discriminações sociais que concentram as mulheres em áreas do saber relacionadas ao que é tradicionalmente considerado feminino.
Nos espaços da universidade são recorrentes o constrangimento moral e o assédio sexual contra as estudantes, em especial durante as festas e atividades de recepção às e aos estudantes ingressantes. Acontecimentos como o desfile das bixetes, o rodeio das gordas, os trotes e as piadas com apelo sexual são lamentáveis e reproduzem a concepção machista da mulher como mero objeto de desejo.
Também nas universidades, temos muitos desafios, necessitamos de uma política de assistência estudantil específica para as mães estudantes, assim como a efetivação do direito a licença-maternidade para as estas. As reivindicações pelas melhorias na assistência estudantil passam também pela luta pelo aumento de verbas na educação pública. Está em disputa os rumos do Plano Nacional de Educação em âmbito federal. A luta pelos 10% do PIB para a educação publica também é nossa, indo de encontro aos recentes cortes na educação que atende a agenda conservadora no país.
A organização permanente das estudantes é fundamental, pois é ela que garante a incorporação das bandeiras feministas na agenda política do movimento estudantil e da universidade. Se há avanços, ainda há muito por fazer: mesmo nos espaços do movimento estudantil persistem situações de machismo e opressão. Os espaços políticos ainda são compostos majoritariamente por homens, e a luta e a militância das mulheres continua sendo colocada em segundo plano.
Nesse sentido, as mulheres da UNE entendem que a universidade não está deslocada do conjunto da sociedade e que na luta contra a opressão sexista é necessária a união destas às diversas instâncias dos movimentos sociais, entre elas o movimento negro, o movimento de mulheres do campo, as mulheres lésbicas, as mulheres indígenas.

Reforma Política: mais mulheres nos espaços de decisão!
A luta por mais participação política das mulheres é pungente. Mesmo que a eleição da primeira Presidenta da República mulher, tenha tido um impacto simbólico para nossa sociedade, sabemos que isso apenas não basta para mudar a vida das mulheres. Nosso debate parte da compreensão sobre as tarefas e desafios para a luta feminista. Portanto, o debate sobre Reforma Política em curso é de fundamental importância, garantindo que o processo termine com vitórias para as mulheres. Nesse sentido, a lista fechada com alternância de gênero e financiamento público de campanha são agendas comuns que possibilitarão um avanço para o aumento da participação política das mulheres nos espaços representativos.
O tema “Ô abre alas que a mulheres vão passar” deste IV EME coloca, para nós estudantes, o desafio de afirmar a nossa passagem, e chegada efetiva, nos espaços de decisão na sociedade e nos responsabiliza pela participação na luta de aprovarmos uma reforma política inclusiva em nosso país. Tendo em vista o acúmulo que tivemos neste IV EME onde destacamos mais uma vez, nossa luta pela desnaturalização do modelo de vida que a sociedade nos impõe com as atribuições e responsabilidades consideradas femininas que servem para nos encaminhar ao espaço privado, exigimos medidas efetivas para nossa garantia nos espaços públicos valorizados que tanto lutamos.
Para isso, é necessário que a UNE incida na discussão da reforma política de modo a defender a participação das mulheres nos espaços de decisão. Mas, também, que ela concretize na sua própria estrutura interna a participação efetiva das mulheres nos espaços de direção garantindo 30% de cotas para mulheres nas estruturas da entidade, assistência estudantil específica para as mulheres estudantes que garanta sua permanência na universidade.
Propomos a seguinte agenda feminista para a UNE no próximo período:
• Reforma política: Mais Mulheres nos espaços de Decisão!
• Por creches universitárias em tempo integral!
• Cumprimento de 30% de cotas para mulheres na diretoria da UNE, na executiva e no pleno!
• Legalização do aborto
SEM FEMINISMO NÃO HÁ SOCIALISMO!
As mulheres estudantes também lutam por:
» Garantia de creches e educação infantil em tempo integral;
» Pela criação do Plano Nacional de Assistência que contemple as casas de estudantes, que respeitem a questão de gênero e raça e as creches universitárias;
» Segurança feminina com treinamento específico 24 horas nos campi;
» Incorporação da questão de gênero nos currículos dos cursos de ensino superior;
» Educação não sexista, não racista e não homofóbica;
» Ofensiva de denúncia ao machismo na Universidade e no Movimento Estudantil;
» Fomento à produção de conhecimento sobre gênero;
» Incorporação de bandeiras do Movimento Estudantil, que afetam fortemente as mulheres, às pautas do movimento feminista, como 10% do PIB para a educação;
» 50% do Fundo Social para Educação;
» Por um PNE que inclua um recorte de gênero e raça;
» Erradicar o analfabetismo;
» Lutar pela igualdade salarial;
» Autonomia econômica das mulheres;
» Legalização do aborto;
» Fortalecer o EME entendendo ser este um espaço fundamental do Movimento estudantil;
Que as entidades do Movimento Estudantil se incorporem ao calendário unificado do Movimento Feminista:

8 de março – dia internacional de luta das mulheres
25 de maio – Dia da mulher negra latino-americana
25 de junho – dia de mobilização por uma educação não sexista
29 de agosto – dia da visibilidade lésbica
28 de setembro – dia de luta pela legalização do aborto
17 de outubro – dia de luta contra a pobreza entre as mulheres
20 de novembro – dia da consciência negra
25 de novembro – dia internacional de combate à violência contra as mulheres.
Salvador, Bahia, 24 de abril de 2011.
Veja mais no blog do Coletivo Nacional Levante - Oposição de esquerda da UNE:  http://coletivolevante.wordpress.com/2011/05/02/mulheres-em-movimento-%E2%80%93-4%C2%BA-eme/

0 comentário(s):

Postar um comentário

Deixe sua sugestão, crítica ou saudação juntamente com seu contato.

 

© 2009-2012 movimento contestação