“Felicidade! Passei no vestibular, Mas a faculdade é particular…”

*** Matéria publicada em junho de 2009, na 5ª edição impressa da revista
Por Caio Amorim e Mariana Gomes
Ela é particular. Livros tão caros, tanta taxa prá pagar. Meu dinheiro muito raro, alguém teve que emprestar” (Martinho da Vila – O Pequeno Burguês). Num cenário de mercantilização da educação, analismos o ensino superior e os 4 anos do ProUni. A canção de Martinho da Vila de 1969 nunca foi tão atual.
Gosta de comédia? Então aí vai: Sabe o que está escrito no capítulo VI da Constituição do Brasil? “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Até parece brincadeira, mas não é. Por lei, todos os cidadãos brasileiros têm direito à educação pública, gratuita e de qualidade. Entretanto, assistimos no país uma transformação de conceitos. Educação deixa de ser um direito básico para se tornar uma mercadoria, um artigo de luxo que varia de qualidade conforme o preço.
Para se ter uma noção, no Brasil, nem todos os jovens em idade escolar estão matriculados. Segundo dados de 2008 do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), mais de 15 milhões de estudantes frequentam o ensino fundamental, mas menos de 13 milhões chegam ao final do ciclo, e apenas 7 milhões vão para o ensino médio. Ou seja, o índice de evasão – pessoas que não concluem o curso em que se matricularam – é muito alto. Boa parte dos estudantes não consegue concluir o segundo grau, principalmente por falta de recursos e por necessidade de trabalhar. Isso sem levar em consideração a péssima qualidade das escolas públicas pelo Brasil afora.
E se a história é ruim no que se trata de educação básica, quando o assunto é ensino superior, o quadro se torna ainda pior. Para quem enxerga a educação como um direito de todos, os números são assustadores. Das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras, apenas 249 são públicas. As particulares passam de duas mil, mas apenas 87 delas são universidades, 1945 são divididas entre faculdades isoladas, centros universitários, centros de ensino tecnológico e faculdades integradas. Centros universitários são instituições comprometidas apenas com ensino, deixando de lado o chamado “tripé” da educação: ensino, pesquisa e extensão. Uma universidade, por exemplo, conta com centros de pesquisa, além de projetos de extensão (com o objetivo de articular a relação entre universidade e sociedade), já os centros universitários e as faculdades têm compromisso apenas com a primeira etapa do processo, o ensino.

Ninguém duvida que a educação de qualidade no Brasil, ao contrário do que diz a constituição, é um privilégio, e não um direito. Reafirmando essa lógica de exclusão, no dia 25 de maio de 2009, o Tribunal de Justiça (TJ) do Rio de Janeiro suspendeu a lei que previa o sistema de cotas para estudantes carentes no ingresso em universidades públicas estaduais. Em meio a discussões sobre as cotas, trazidas à tona pela liminar concedida pelo TJ-RJ ao deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP), voltamos nossos olhos para o aniversário de quatro anos do Programa Universidade para Todos (ProUni). Existem diferenças entre as políticas de cotas e o ProUni. Embora, muito comumente, afirme-se que o Programa contribui para a qualificação de uma juventude que antes nem poderia sonhar entrar na faculdade. O ProUni é um programa do governo federal que tem como finalidade oferecer bolsas de estudo integrais e parciais a estudantes de graduação nas IES privadas. Em contrapartida, as instituições que aderem ao Programa recebem isenção fiscal. Tentamos investigar as especificidades, falhas e o que está por trás de um dos maiores orgulhos do atual governo brasileiro.
Para todos? Para quem?
Implementado em 2005, o ProUni apresenta números bastante relevantes: 540 mil alunos beneficiados pelo projeto até o início de 2009 – sendo cerca de 378 mil bolsas totais e 162 mil parciais – , 91 mil vagas oferecidas para o segundo semestre de 2009, 60 mil alunos diplomados e uma média de 30% de bolsas ociosas (que não foram preenchidas devido à burocracia). Quando o projeto foi planejado, a IES que o aderisse, deveria oferecer 25% das bolsas de forma integral. Entretanto, devido a fatores como pressão por parte dos empresários da educação, essa cota caiu para 8%. Outra questão polêmica é a existência de algumas universidades que foram reprovadas no ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) por quatro vezes consecutivas – o que, de acordo com as normas do projeto, impossibilitaria uma instituição de continuar oferecendo bolsas – e continuam recebendo a isenção fiscal do ProUni.
Vale citar que, hoje, a maioria esmagadora das vagas em IES brasileiras são particulares. Enquanto as públicas oferecem cerca de 298 mil das vagas, nas privadas o esse número salta para 1 milhão. O índice de evasão das públicas é de 35,16%, enquanto que o das particulares chega a 52,41%. Segundo alguns bolsistas do ProUni (chamados informalmente de prounistas), isto acontece porque a rede privada não está preparada para receber alunos de baixa renda. A maioria delas não apresenta programas de assistência estudantil, além de cobrarem por muitos serviços, não contarem com “bandejões” etc. “Propaganda sobre a inserção de alunos carentes pelo ProUni é muito bonita, mas quando entramos na faculdade, percebemos como ela não tem preparo para receber alunos bolsistas. Tudo é pago, até mesmo os livros que precisamos para estudar”, declara Gabriela Gaia, aluna do 3º ano de Medicina no interior de Minas.

Para Ângela Siqueira, professora da UFF, “a lógica do sistema atual inclui os mais pobres de forma excludente e precária, com uma educação mais rápida e com condições inadequadas para a formação plena de cidadãos”. “Estudar dá trabalho e é um trabalho árduo” – completa. Ângela também declara que há uma mudança de concepção da educação como um direito que deveria ser garantido a todos, para ser vendida como um serviço, que será oferecido de forma diferenciada, conforme a possibilidade de pagamento dos “consumidores”.
Entre os setores que defendem o ProUni está a União Nacional dos Estudantes (UNE). Para a atual presidente da entidade, Lúcia Stumpf, o projeto trouxe muitos avanços no acesso ao ensino superior. “O ProUni consegue democratizar o acesso da população de baixa renda à faculdade. Jovens que não conseguem ingressar na universidade pública por falta de vagas e por outros motivos, têm oportunidade de estudar através do ProUni, que é o maior programa de democratização do acesso ao ensino superior no Brasil” – declara.
Entretanto, dentro da própria direção da UNE existem pessoas de posições contrárias ao Programa. Para o diretor de universidades públicas da UNE, Vinícius Almeida, o argumento de democratização do acesso à educação superior, em se tratando do ProUni, vem acompanhado de uma visão privatista. “Ninguém contra-argumenta que, com os impostos que o governo deixa de receber das instituições privadas que aderem ao ProUni, as universidades públicas ofereceriam muito mais vagas do que as do Programa. Somos contra o ProUni por ele ser um programa que fortalece a lógica privada de ensino” – explica Vinícius.
Uma das principais acusações feitas pelos defensores do projeto às pessoas que são contra, é a de que elas não defendem a entrada dos pobres na faculdade. Ângela Siqueira, responde a essa acusação: “Oferece-se aos mais pobres uma educação de segunda ou terceira categoria; um pseudo acesso a uma educação de ‘nível superior’. Quem é contra o ProUni não é contra os pobres entrarem na faculdade, mas sim a favor de que possam entrar em universidades públicas. Portanto, são contra a enganação de que há universidade para todos. O que há são vagas em cursos superiores, em sua maioria precários, dando uma falsa sensação de inclusão”.

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