Sem Limites - Quando o preconceito está implícito e fica explícito

Reportagem especial de Zero Hora desta segunda-feira - ilustrada com 06 fotos, das quais 03 eram de beijos homossexuais - explicita mais do que o preconceito, mas a falta de visão social de vários problemas. A primeira surpresa vem com a manchete: "vandalismo, drogas e sexo a
céu aberto" ilustrada com 03 casais homossexuais se beijando, de forma absolutamente "normal", em três diferentes situações. Minha primeira surpresa foi perceber que nunca tinha visto tantos beijos gays numa mesma reportagem de ZH, infelizmente, com conotação tão pejorativa e distorcida. Espero que, daqui para adiante, tais demonstrações de afeto e carinho entre pessoas do mesmo sexo deixem de ser tabu para este veículo e seus afiliados (e amadrinhados) país afora.
A segunda surpresa, ao ler a reportagem buscando os fatos, foi me deparar com tanta falta de sensibilidade com relação a um problema que há anos se arrasta na cidade de Porto Alegre: a falta de alternativas para adolescentes e jovens com relação a atividades culturais e mesmo
com relação a pontos de encontro na capital. Em mais de um trecho da "reportagem" - se é que se pode chamar de reportagem uma matéria que aborda apenas um lado do problema - pude perceber a preocupação com os comerciantes da região "invadida" pelos jovens, e com  descrição de que um referido supermercado (o mesmo que vende bebidas alcóolicas a baixos preços a garotada) é obrigado a fechar seus banheiros. Me pergunto quantas vezes os jovens que compram garrafas de cachaça (também visível em uma das fotos) foi obrigado a apresentar carteira de identidade para comprovar que era maior na hora da compra da bebida no caixa do supermercado? O problema na região da cidade baixa não é frequência de lésbicas e gays, como sugere a malfadada matéria, mas a presença de um conjunto de jovens de todas as orientações sexuais que, sem alternativas na cidade, vítima da falta de políticas públicas para esta população, com completo acesso a álcool e drogas as mais variadas, encontra, nos arredores do parque que frequenta de dia, a continuidade da socialização peculiar de sua faixa etária durante o final da tarde e a noite. Tivéssemos na cidade - como já tivemos em outros tempos - shows públicos, mostras de teatro, cinema a baixos preços, praças seguras e iluminadas e esta garotada teria um destino diferente. Ao invés de ficarmos preocupados com o lucros de domingo de alguns comerciantes rançosos, que evitam em seus espaços a circulação de gente que não lhes pareça como uma imagem de espelho, preocupemo-nos com a segurança e o desenvolvimento (afetivo, cultural, social) desta garotada que grita que não será como aqueles que lhes torcem o nariz. 
Espero que o mesmo espaço reservado às fotos de gays e lésbicas em situação tão negativa (não pelos beijos, é claro, mas pela insinuação grotesca do texto) seja dada a esta população nos momentos em que reivindicamos o fim da homofobia, a aprovação da PLC122/06, o casamento gay, a adoção por casais do mesmo sexo. Espero ver este jornal contribuir para a imagem positiva de nossa população e para a conquista de direitos e oportunidades, ao invés de fomentar o ódio anti-gay, anti-lésbica, anti-travesti que se subentende de reportagens como esta. Aos responsáveis pela matéria (jornalistas? gustavo.azevedo@zerohora.com.br, marcelo.gonzatto@zerohora.com.br), sugiro a dignidade de entrevistar a população que ali foi retratada, procurando as suas razões para os excessos que foram apontados. Tenho certeza que poderão perceber que esses meninos e meninas são mais vítimas sociais do que vândalos incontroláveis que perturbam a ordem de nosso "Porto tão Alegre dos Casais". Assim, quem, sabe, consigam contribuir para que este porto seja para todos os casais, para todas as idades, para todas as pessoas e não apenas para aqueles que mantém comércio ou que detém o poder da imprensa.
Cobre-se do poder pública uma ação educativa na região, políticas definidas para jovens e adolescentes, oportunidades de trabalho e renda, combate ao tráfico de entorpecentes e à venda de bebidas para menores de idade e coloque-se na cadeia aqueles que se aproveitam e lucram com isso. E, por favor, parem de apontar o amor entre pessoas do mesmo sexo como a causa do problema. Não somos marginais - ainda que muitos queiram nos manter à margem - e não permitiremos que nos tratem como se fôssemos!

Ana Naiara Malavolta
Articuladora Estadual daLiga Brasileira de Lésbicas

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