Entre Oriente Médio e o Tsunami

por Felipe Corneau

É engraçado como, as vezes, alguns acontecimentos que pareciam não ter relação alguma entre si, acabam se influenciando e se misturando, desembocando numa outra questão ou acontecimento que, por sua vez, é até mais importante que a soma dos anteriores. Não que isso seja sempre óbvio, ou notado rapidamente, mas acredito que seja o caso das revoltas no Oriente Médio e do tsunami no Japão.

E não estou falando de algum insólito "efeito borboleta" em que os abalos sísmicos japoneses tenham sido desencadeados pelas fantásticas aglomerações humanas na Praça Tahir, um mês antes. O que quero discutir é a repercussão desses dois acontecimentos regionais nas políticas energéticas globais, quando tanto a segurança da energia nuclear quanto o abastecimento de combustíveis fósseis são colocados em cheque ao mesmo tempo.

Vamos começar pelo mais simples. O petróleo como todos sabem, é um combustível fóssil, ou seja, ele foi formado pela decomposição de seres que viveram há muito, muito tempo atrás. Muito embora ele seja "renovável", em teoria, a velocidade desse processo o torna não-renovável, na prática. Ainda que todos nós saibamos que o petróleo vai "terminar" algum dia, não costumamos nos preocupar muito com assunto - ou pelo não até que ele atinja nossos bolsos.

É aí que entram nossos revolucionários árabes!

Os manifestantes fizeram a terra tremer?
Com as revoltas populares no Oriente Médio e a guerra na Líbia levando os barris de petróleo a preços tão altos quanto U$125 a unidade (o que causa grande impacto numa economia já em crise), muita gente começou a se preocupar um pouco mais com o assunto.

Não sem razão, eu diria. Um relatório lançado recentemente pelo HSBC indica que, mesmo mantendo o nosso atual consumo desse recurso (o que é improvável, mesmo num cenário de crise e baixo crescimento econômico), as reservas atuais devem dar conta de apenas mais 49 anos. Isso não quer dizer que então ele deve acabar em absoluto, mas sim que a sua exploração econômica como combustível deve se tornar inviável. É claro que existem previsões mais otimistas, estimando que as reservas durem pelo menos o dobro disso, mas todas as previsões concordam que os preços devem permanecer altos, com acesso e distribuição cada vez mais problemáticos. Todas as previsões insistem na necessidade de fontes alternativas, mesmo sem levar em conta o impacto ambiental de sua extração (não esqueçamos de acidentes como o da British Petroleum, no Golfo do México, há um ano) e sua contribuição para o efeito estufa.

Nucleon, idealizado em 1958,  não chegou a ser produzido
Até o início do mês passado, havia uma solução mais ou menos pronta para todos esses problemas: energia nuclear! Seria energia limpa, segura, eficiente, abundante - o lixo nuclear um problema não muito difícil de ser equacionado, e acidentes seriam muito improváveis. Chernobyl teria sido somente mais uma das tragédias causadas pelos comunistas soviéticos.

É verdade que não substituiria a gasolina dos nossos carros - modelos como o Ford Nucleon, da foto ao lado, nunca se tornaram realidade - mas a energia nuclear poderia ser usada para carregar baterias elétricas, ou de hidrogênio, que por sua vez fariam nossos possantes rodar... Tudo equacionado! A não ser pelo terremoto, pelo tsunami e por Fukushima.

Não vou me alongar aqui no o que exatamente deu errado em Fukushima, mas deu bastante errado. Alguns podem argumentar que foi necessário um terremoto e um tsunami, para que uma falha finalmente ocorresse, mas muito embora isso possa dar algum conforto aos engenheiros da TEPCO (companhia responsável pela usina), e talvez também aos defensores mais empedernidos desse tipo de energia, não muda o fato de que o acidente ocorreu, e foi bastante grave. Se considerarmos então que o Japão fica na borda de uma falha tectônica e que lá terremotos e tsunamis são bastante esperados (à ponto da população ser extensivamente treinada para saber como agir nessas situações), nem mesmo o conforto - e ainda menos alguma credibilidade - podem ser concedidos a tais defensores. As usinas nucleares, que deveriam ser minuciosamente planejadas e livres de erros, de repente não parecem mais tão infalíveis assim, não é?

É importante também notar que a resposta ao desastre, por parte da TEPCO e do governo japonês, deixou muito a desejar. Em vez de comunicação e planejamento, o que vimos foram informações contraditórias e improvisação. Ainda que bastante melhor que a, por si só trágica, resposta soviética à Chernobyl, não foi nada parecido com aquilo que esperaríamos do Japão - uma das nossas mais importantes potências tecnológicas e um dos campeões do capitalismo mundial.

Alemães protestam contra energia nuclear
A tragédia teve efeito políticos imediatos ao redor do globo, com dezenas de governantes em todos os continentes anunciando uma revisão do seu programa nuclear. Na Alemanha, por exemplo, a saída às ruas de mais de 200 mil manifestantes rapidamente convenceu a Chanceler Angela Merkel (antes, importante defensora) a anunciar o fechamento de sete de um total de dezessete reatores nucleares no país. Ainda assim, seu partido (União Democrata-Cristã) sofreu importante derrota para o Partido Verde em eleições estaduais que se deram em seguida. Nos Estados Unidos a rejeição pública foi a níveis tão altos quanto aqueles imediatamente posteriores ao acidente de Three Mile Island (1979), enquanto protestos em países como França, Espanha e India encheram os noticiários.

Mas o que fazer então?

Assim até que são bonitos, não?
Não há uma resposta fácil. Fontes alternativas, menos perigosas e menos poluentes (ainda que não totalmente inofensivas) como a energia eólica, solar ou mesmo a hidrelétrica pecam tanto pela sua disponibilidade (nem todo lugar tem vento, sol ou quedas-d'água bons o bastante) quanto por sua efetividade (geralmente precisam ocupar enormes áreas e, com exceção das hidrelétricas, geram relativamente pouca energia). Os biocombustíveis precisam ser plantados, ocupando não somente grandes áreas, mas grandes áreas de solo fértil, competindo com o plantio de alimentos e colocando mais pressão sobre as fronteiras agrícolas. Mesmo combinando todas elas, provavelmente ainda dependeríamos majoritariamente da energia provida por combustíveis fósseis e reatores nucleares.

O petróleo de cada dia nos dai hoje...
A verdade é que não há engenharia energética que resolva esse quebra-cabeça se continuarmos a usar energia do modo como usamos no século XX.

Nossas indústrias, nosso transporte, nossas cidades, nossos exércitos, tudo foi planejado para um mundo de luzes, automóveis, consumo e desperdício, para que a economia cresça bem rápido e para que os lucros sejam cada vez maiores. Toda nossa economia foi construída como se vivêssemos em um mundo de energia-sempre-barata e meio ambiente impoluível - um mundo que não só não existe, como nunca existiu. (Aliás, as atuais mobilizações-de-sofá das classes médias brasileiras contra o aumento dos preço dos combustíveis não poderiam ser, nesse sentido, mais inadequadas.)

Se quisermos ser sérios sobre isso de ainda ter um planeta ou mesmo fazer parte de alguma civilização nos próximos cem ou duzentos anos, não adianta só andar de bicicleta, tomar banho frio e desligar as luzes antes de dormir (muito embora todas essas coisas ajudem bastante), devemos mudar todo o modo como nosso mundo funciona. Sem que trabalhemos, não só por uma mudança radical no modo como usamos energia individualmente, mas também por uma igualmente radical restruturação da nossa economia e cadeia produtiva, só faremos de conta nos importar, e nem mesmo nossas consciências serão salvas do enorme "apagão" que está por vir.

p.s.: o desastre de Chernobyl faz 25 anos hoje. Recomendo a todos o seguinte documentário, disponível no YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=EwS9-dC-dKg


p.s.2: Pra quem quiser saber mais sobre o petróleo e sua importância política, recomendo o documentário Blood and Oil, o trailer abaixo:

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