Reconquista do comum

O dispositivo mais implacável do capitalismo é aquele que retira algo do uso comum para convertê-lo em direito de propriedade

 Silvio Mieli

O dispositivo mais implacável do capitalismo é aquele que retira algo do uso comum para convertê-lo em direito de propriedade. O que significa dizer que a natureza da propriedade privada – dogma máximo da religião capitalista – é deslocar para a esfera do privado o que poderia ser compartilhado. 

A importância política do movimento por uma cultura livre, que abrange desde o âmbito dos debates sobre patentes, direitos autorais, conhecimentos indígenas e códigos genéticos das sementes, reside exatamente na desativação dos dispositivos que impedem o uso comum. Portanto, muito mais do que uma nova economia para os bens culturais ou uma crítica pontual do programa da nova indústria cultural, o que anima o movimento é a busca de uma outra forma de vida na qual os bens sejam acessíveis a todos. 

Michael Hardt, coautor de Império e Multidões com Toni Negri, lembra que Marx reconhecia, paralelamente à ascensão da predominância do modo de produção industrial, a batalha entre duas formas de propriedade: a propriedade imóvel (como a terra) e a propriedade móvel (as commodities). Com o crescimento da economia imaterial (ideias, imagens, conhecimento, linguagens) a batalha gira em torno da propriedade material versus propriedade imaterial e entre propriedade exclusiva versus propriedade compartilhada. 

E assim como Marx observou o triunfo da mobilidade sobre a imobilidade, hoje, em muitas dimensões da vida, a imaterial trunfa sobre o material, a reprodutibilidade sobre o irreprodutível e o uso compartilhado sobre o uso exclusivo. Isso significa dizer que existe uma pressão para que os bens escapem das fronteiras da propriedade privada e tornem-se comuns. Para atingirem o máximo de produtividade, ideias, imagens e afetos devem ser comunitários e compartilhados. Caso contrário, a privatização reduzirá dramaticamente a produtividade. 

Resumindo, para Michael Hardt, o que a propriedade privada representou para o capitalismo e a propriedade estatal para um modelo de socialismo, a reconquista da dimensão comum poderia reconfigurar uma outra forma de comunismo, baseado não no poder sobre a vida, mas na potência da vida.

Publicado originalmente na edição 419 do Brasil de Fato

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