As revoltas populares face ao neoliberalismo: do Egipto ao Wisconsin, EUA



Vicenç Navarro   
Qui, 10 de Março de 2011 12:00

"Para nós, admitir que deixamos um pequeno grupo roubar praticamente toda a riqueza que faz andar nossa economia, é o mesmo que admitir que aceitamos, humilhados, a ideia de que, de fato, entregamos sem luta a nossa preciosa democracia à elite endinheirada. Wall Street, os bancos, os 500 da revista Fortune governam hoje essa República – e, até o mês passado, todos nós, o resto, os milhões de norte-americanos, nos sentíamos impotentes, sem saber o que fazer. Ninguém saiu às ruas. Não houve revolta. Até que...começou! Em Wisconsin!" -- Michael Moore
    

As revoltas populares face ao neoliberalismo: do Egipto ao Wisconsin, EUA
Vicenç Navarro
Este artigo analisa as mobilizações populares que estão a estender-se (do Egipto a Wisconsin, EUA) como protesto perante as políticas neoliberais levadas a cabo pelos seus governos. O artigo assinala que a interpretação dominante que tenta explicar tais mobilizações como resultado de movimentos juvenis como a Internet é profundamente limitada, quando não errónea.
Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais do Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e funcionários públicos de Ohio, seria algo inacreditável. O levante popular na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário de 26 anos de idade, que não encontrava trabalho em sua profissão.Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio há um pano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, ingressou em seu trigésimo mês sem sinais de melhora.
Há apenas algumas semanas, a solidariedade entre jovens egípcios e policiais do Wisconsin, ou entre trabalhadores líbios e funcionários públicos de Ohio, seria algo inacreditável. O levante popular na Tunísia foi provocado pelo suicídio de um jovem chamado Mohamed Bouazizi, universitário de 26 anos de idade, que não encontrava trabalho em sua profissão.Nos conflitos que vemos hoje em Wisconsin e Ohio há um pano de fundo semelhante. A “Grande Recessão” de 2008, segundo o economista Dean Baker, ingressou em seu trigésimo mês sem sinais de melhora.
Uma das causas das mobilizações no mundo árabe foi a aplicação, por parte das elites dirigentes, de políticas neoliberais que afectaram negativamente as classes populares. Estas mobilizações já tinham sido iniciadas meses e anos antes, resultado das medidas de austeridade (que incluíram redução de programas de protecção social e diminuição de salários, eliminação de subsídios aos alimentos e desregulamentação dos preços de produtos básicos), que criaram um grande mal-estar e que foram as causas de que nestes países (na Tunísia primeiro e no Egipto depois) fosse a classe trabalhadora, juntamente com sectores das classes médias, quem protagonizou tais mobilizações. Estas mobilizações de protesto face ao neoliberalismo imperante estão a ocorrer não só em países árabes, mas também em muitos outros países, incluindo os EUA.

O último caso destes protestos operários ocorreu no estado de Wisconsin, EUA. O novo governador de tal estado, o republicano Scott Walker (da corrente Tea Party) tentou aprovar uma lei no parlamento do estado que reduziria o salário dos funcionários públicos em 7%, diminuindo também as suas pensões, e obstaculizando, além do mais, a sindicalização dos trabalhadores no sector público. Tal como apontou a Federação dos Sindicatos Estado-unidenses (AFL-CIO) esta lei – a ser aprovada – seria um ataque frontal aos sindicatos daquele país. A justificação que o governador Scott Walker deu para tomar tais medidas foi que o orçamento do estado tinha 137 milhões de dólares de défice.
A resposta dos sindicatos no Wisconsin foi imediata. Em poucos dias, Madison, a cidade mais importante daquele estado, viu a maior manifestação que já existiu naquela cidade. Os sindicatos manifestaram-se em frente ao Parlamento (e em frente ao domicílio particular do governador Walker), exigindo a retirada da proposta de lei. O que é interessante é que os manifestantes não eram só sindicalistas, mas também utentes dos serviços públicos conscientes de que estes cortes iam afectar a qualidade dos seus serviços. Muito notória foi a quantidade de crianças e seus pais que acompanharam os professores no seu protesto, facto salientado pelos meios de comunicação. As sondagens mostravam também que a maioria da cidadania do Wisconsin se opunha às propostas do governador Walker e apoiava as mobilizações contra elas. Entre os que apoiam tais mobilizações, aderindo a elas, estavam, por certo, os polícias e bombeiros que o governador Walker excluía das suas medidas de cortes salariais, concedendo-lhes um tratamento favorável. Os polícias e bombeiros expressaram, no entanto, a sua solidariedade com os outros funcionários públicos saindo à rua com eles. Estes factos estão a ser seguidos por todos os EUA.
As direitas, lideradas pelo Tea Party, estão a desejar que o governador Walker possa levar a cabo tais medidas, logo que tenham sido aprovadas pelo Parlamento do Estado de Wisconsin, onde o Partido Republicano tem maioria. Embora o argumento que é utilizado para defender estas medidas seja a necessidade de cobrir o défice do Estado de Wisconsin, o motivo real para que se esteja a pressionar, por parte do Partido Republicano, para que tais medidas sejam aprovadas no parlamento de Wisconsin é um motivo político: o de debilitar os sindicatos, os maiores adversários que o Partido Republicano, que considera a AFL-CIO como um dos maiores pilares do Partido Democrata, tem.
Na verdade, o défice do orçamento do Estado poderia resolver-se facilmente aumentando os impostos sobre a propriedade (entre outros), que o parlamento de Wisconsin, controlado pelos republicanos, tinha reduzido consideravelmente durante os anos de bonança económica. Como sempre ocorre, o discurso económico oculta, na realidade, os argumentos políticos. O establishment económico e financeiro do estado de Wisconsin, que beneficiou enormemente das políticas neoliberais de redução de impostos aos rendimentos superiores, resiste a que sejam reduzidos os seus enormes rendimentos (1% da população estado-unidense que tinha 7% do rendimento de todo o país em 1997, no princípio da "revolução neoliberal", passou a ter 20% de tal rendimento) através do aumento destes impostos. Daí que prefiram resolver o problema do déficit do estado de Wisconsin com base na redução dos serviços públicos às classes populares em vez de subirem os seus impostos. Os republicanos têm ao seu lado a grande parte dos meios de informação, que tentam desacreditar o sector público apontando que os funcionários públicos são uns "privilegiados", uns "ineficazes", e outro tipo de acusações previsíveis, a fim de conseguir o apoio popular para aquelas medidas repressivas. Até agora, tal campanha não foi bem sucedida e 62% da população estado-unidense apoia os funcionários públicos.
Quem são os jovens?
Uma última observação. Grande número de articulistas, como Josep Ramoneda no El País1 estão a enfatizar muito o papel dos jovens nestas mobilizações (do Egipto ao Wisconsin), apresentando-os como os novos agentes de mudança, substituindo com isso outros agentes, como a classe trabalhadora, a qual, pelo visto, consideram inexistente ou desaparecida. Ignoram ou desconhecem que a maioria destes jovens são e pertencem à classe trabalhadora. Se se analisarem as revoluções que existiram no século XX, ver-se-á que, na sua maioria, foram os jovens os que lideraram estas rebeliões. Não é, pois, uma situação nova. O que é novo é que se veja como uma coisa nova e isso é consequência do esquecimento das categorias de análises como classe social e luta de classes, categorias que se consideram ultrapassadas e "antiquadas", redefinindo estas mobilizações populares como movimentos estudantis com Internet e Facebook, categorias que são extremamente insuficientes para entender a realidade dos tempos em que vivemos. A pergunta que não se fazem é a que classe pertence a maioria destes jovens. Não é preciso dizer que tanto a composição como a dinâmica de classes varia com o tempo. Mas desta realidade não se pode ignorar a sua existência, pois continua a ser fundamental para entender o nosso entorno.
Nota:
1 "Un nuevo sujeto político", El País, 20/02/2011.
25 de Fevereiro de 2011



Maciça manifestação em Wisconsin contra acordo de republicanos

EUA
Washington, 10 mar. PL) - Milhares de pessoas repudiaram o acordo dos republicanos no Senado de Wisconsin, que corta radicalmente os direitos de negociação sindical, eleva os custos de saúde e reduz as pensões.

O diário The Washington Post informou hoje que, através de uma manobra legislativa, foi aprovado o projeto de lei apresentado pelo governador Scott Walter, com 18 votos a favor e 1 contra.
Na avaliação da imprensa nacional, a decisão foi brusca, acelerada e pegou de surpresa os democratas.
Tão logo os trabalhadores souberam da noticia, saíram as ruas e, em frente do edificio do Congresso, gritaram: "Esta é nossa casa, Fora".
Há três semanas seguidas, milhares de trabalhadores públicos, professores, estudantes, policiais, bombeiros reclamam por respeito a seus direitos e procuraram evitar que ocorresse o que agora é uma realidade.
Post assinalou que os democratas receberam a noticia com indignação e destacou que para o presidente do Partido Democrata em Wisconsin, Michael Tate, tudo o que ocorre é uma estratégia política.
Ao separar o projeto de lei das medidas fiscais, para as quais se exige o voto de 20 membros do parlamento, os republicanos venceram o obstáculo criado pelos 14 democratas que fugiram para Illinois para bloquear o acordo.
Nesta quinta-feira, o projeto deve ser examinado pela Câmara baixa, de maioria republicana, e de antemão já se sabe o resultado.
Os republicanos justificam as medidas com o argumento de reduzir o déficit fiscal, mas seus opositores opinam que só perseguem debilitar o poder dos sindicatos de tradicional filiação democrata.
O plano de Walker prevê cortar o gasto de ajuda aos governos locais e aaos distritos escolares, o que, segundo disse, podería traduzir-se en 12 mil dispensas nos próximos dois anos.
Para especialistas, a iniciativa de um estado para reduzir o déficit provoca agora um aluvião de protestos sindicais, estendidos por mais de 20 estados, considerados os maiores dos últimos 30 anos.

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