Carta de Michael Moore ao governo sueco sobre o caso de Julian Assange e o suposto estupro. Tradução de Aleksander Aguilar, do blog Dêiticos.
Original em inglês.
"Olá! Ou como vocês dizem, Hallå! Como vocês sabem, aqui nos Estados Unidos nos adoramos o seu país. Seus Volvos, suas almôndegas, seus moveis difíceis de montar – nunca nos cansamos de tudo isso.
Apenas uma coisa me chateia: por que a Anistia Internacional, num relatório especial, declarou que a Suécia se recusa a lidar com a real tragédia sobre estupro? Na verdade, a organização diz que em toda a Escandinávia, incluindo o seu país, estupradores “desfrutam de impunidade”. E as Nações Unidas, a União Européia, e os grupos suecos de Direitos Humanos chegaram a mesma conclusão: A Suécia não trata crimes sexuais com seriedade. De que outra maneira você poderia explicar essas estatísticas (publicadas no The Guardian) de Katrin Axelsson, da organização Mulheres Contra o Estupro:
- A Suécia tem o mais alto número de denúncias per capita de estupro da Europa- O número de estupros quadriplicou nos últimos 20 anos- O número de condenações? Decresceram intensamente.
Segundo Axelsson: “No dia 23 de abril deste ano, Carina Hägg e Nalin Pekgul, respectivamente membro do Congresso Nacional e líder das Mulheres sócio-democratas na Suécia, escreveram no Göteborgs (jornal sueco) que até 90% de todos os casos denunciados de estupros no país nunca são julgados”.
Deixe-me dizer isso novamente: nove entre dez casos de mulheres que denunciaram ter sido vitimas de estupro vocês nunca se incomodaram nem em começar os procedimentos legais de investigação. Nao é de se admirar que, de acordo com o Conselho Nacional Sueco de Prevençao Contra o Crime, hoje em dia é estatisticamente mais fácil alguém sofrer abuso sexual na Suécia do que ser roubado.
Qual é a mensagem para os estupradores? A Suécia os adora!
Então imaginem a nossa surpresa quando de repente vocês decidiram ir atrás de um tal de Julian Assange com base nas denuncias de crime sexual. Bem, mais ou menos isso: primeiro vocês o acusaram. E então, depois de investigar, vocês retiraram as acusações mais graves e o pedido de prisão.
No entanto, um deputado conservador colocou pressão em você e eis que um giro de 180 graus ocorreu. Você reabriu a investigação contra o Assange. Mas dessa vez você não o acusa de qualquer coisa, apenas o quer para “questioná-lo”.
Logo, você – quem ficou de braços cruzados anteriormente deixando milhares de mulheres suecas serem estupradas enquanto seus abusadores estão livres – decidiu que agora era tempo para falar grosso com um homem, o mesmo homem que o governo norte-americano quer preso, encarcerado ou, dependendo de qual político ou erudito você escuta, executado.
Mas que notável cavalheiro das Cruzadas você se tornou, governo sueco! As mulheres suecas devem agora se sentir mais seguras?
Bem, na verdade não. Em fato, muitas vêem através de você. Elas sabem o que na verdade são essas “acusações-que-não-são-acusações”. E Elas sabem que você, cínica e asquerosamente, usa de uma real e diária ameaça que existe contra as mulheres em todo o lugar do mundo para ajudar o interesse do governo norte-americano em silenciar o trabalho do Wikileaks.
Eu não pretendo saber o que aconteceu entre o senhor Assange e as duas mulheres que fizeram as denúncias (tudo o que eu sei é o que eu ouvi na imprensa, assim que eu estou tão confuso como qualquer outra pessoa). E lamento se eu saltei desnecessariamente a tirar conclusões apressadas no meu esforço de destacar um essencial valor norte-americano: Todas as pessoas são absolutamente inocentes até que se prove o contrário depois de superada qualquer dúvida numa corte de justiça.
Eu acredito com convicção que toda acusação de crime sexual dever ser investigada vigorosamente. Não há nada errado em a sua policia querer interrogar o senhor Assange sobre essas alegações. E, ainda que eu entenda o porquê ele se escondeu (é o que as pessoas geralmente fazem quando são ameaçadas de assassinato) ele deveria responder as perguntas da policia.
Ele também deveria se submeter ao exame de doenças sexualmente transmissíveis que as supostas vitimas solicitaram. Eu entendo que a Suécia e o Reino Unido possuem um acordo e os meios para que você envie seus investigadores a Londres para que eles possam interrogar o senhor Assange onde ele esta, em prisão domiciliar sob fiança.
Mas assumo que isso dificilmente ocorreria. Você não faria todo o caminho ate outro país para perseguir um suspeito de crime sexual quando vemos que não consegue nem mesmo ir até suas próprias ruas para ir atrás dos casos denunciados de estupro no seu país. Isso, Suécia, você raramente escolheu fazer no passado e esse é o porquê toda essa coisa agora cheira mal de uma ponta a outra.
E não vamos nos esquecer de uma observação final feita por Axelsson:
“Ha uma longa tradição no uso de alegações de estupro e de crimes sexuais em favor de agendas políticas que não tem nada a ver com a segurança das mulheres. No sul dos Estados Unidos, o linchamento de homens negros era freqüentemente justificado com base nas acusações de estupro ou mesmo de que eles tinha apenas olhado para uma mulher branca. As mulheres não vêem com bons olhos que as nossas exigências por segurança sejam usadas maliciosamente enquanto o estupro segue sendo, no melhor dos casos, negligenciado ou, no pior, ate protegido”.
A tática de usar uma acusação de estupro para perseguir minorias ou agitadores, culpados ou inocentes, (enquanto fazem vista grossa para limpar os crimes no resto do tempo) é o que eu receio que esteja acontecendo aqui. Eu gostaria de me assegurar que as pessoas de bem não permaneçam em silêncio e que você, Suécia, não tenha êxito se de fato você esta mancomunado com governos corruptos como o nosso.
Na semana passada, Naomi Klein escreveu: “Estupro esta sendo usado no processo contra Assange da mesma forma que a “liberdade das mulheres” foi usada para invadir o Afeganistão. Acordem!”.
Eu estou de acordo.
Ao menos que você tenha evidência (e acredito que se tivesse já teria expedido um mandato de prisão a essas alturas), retire a tentativa de extradição e comece a trabalhar naquilo que até aqui você tem se recusado a fazer: proteger as mulheres da Suécia.
Atenciosamente,Michael Moore"
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