Complexo do Alemão: o triunfo da charlatanice

    Na última semana, a cidade parou diante de mais um fuzuê do tráfico
    varejista de drogas. Como em várias ocasiões passadas, bandidos queimaram
    veículos e atacaram viaturas e cabines da polícia. Prontamente, o monopólio
    dos meios de comunicação e a classe média reacionária clamaram por
    repressão, por ‘resposta’. Nesses melancólicos dias, a ocupação militar ao
    Complexo do Alemão ganhou proporções cinematográficas, no que alguns ousaram
    chamar de Tropa de Elite 3, referindo-se às imagens das matanças
    protagonizadas pelo camaleão capitão Nascimento, dessa vez, transmitidas ao
    vivo pelas lentes dos ‘urubus’ da notícia, da mídia policial. No momento em
    que a Globo mostrou, em tempo real, centenas de bandidos fugindo,
    desordenadamente, da Vila Cruzeiro em direção ao Complexo do Alemão,
    comentaristas da emissora ligavam para comandantes da PM, ao vivo, cobrando
    uma atitude enérgica.
     
    As imagens, utilizadas pela Globo para aterrorizar o mundo, davam conta de
    cerca de 300 traficantes, armados com fuzis de grosso calibre e outras
    armas, deslocando-se pela mata, no alto da Serra da Misericórdia, cada um
    por si e deus por todos, sem organização, liderança, calma; nenhuma
    referência ao tal ‘exército do tráfico’, em disputa territorial, na tal
    ‘guerra contra a polícia’ pôde ser percebida. Apenas um bando de ladrões de
    galinhas, apavorados com o aparato mobilizado pelas forças de repressão
    desse legítimo Estado fascista. Logo que chegaram à favela da Grota, segundo
    relatos de moradores do Complexo do Alemão, os traficantes fugiram em
    desespero pelas estreitas tubulações de esgoto e, os que ficaram,
    rapidamente, procuraram por um esconderijo.
     
     
    No domingo, dia 28 de novembro, atendendo aos apelos dos que assistiam ao
    ‘show’, seguros, enfornados em seus resguardados condomínios, mais de 2 mil
    agentes do Estado burguês — entre PMs, policiais civis e militares das
    forças armadas — invadiram o conjunto de favelas do Alemão, arrombando
    casas, no que o relações-públicas da Polícia Militar, coronel Lima Castro,
    afirmou, ao vivo, no estúdio do telejornal RJTV, ser um mal necessário.
    “Nesse momento, os moradores têm que ter paciência, pois os policiais vão
    revistar casa por casa”. Em entrevista ao jornal Correio Brasiliense, o
    morador da Vila Cruzeiro, Ronai Braga, denunciou a invasão de sua casa por
    policiais, que destruíram móveis e eletrodomésticos e roubaram cerca de 30
    mil reais, economias de 8 anos de trabalho, segundo Ronai.
     
     
     
    Eu, Patrick Granja, repórter do jornal A Nova Democracia, estive no Complexo
    do Alemão, no limite de acesso permitido pelos militares, e vi moradores
    vítimas da indiferença das polícias; blindados da marinha, misteriosamente,
    entrando nas favelas, vazios, e saindo direto em direção ao 16° batalhão. O
    que havia neles? Corpos? Em determinado momento, moradores desciam o morro
    do Alemão balançando panos brancos para não serem alvejados, e um dos
    policiais que observavam a descida, como mostra o vídeo abaixo, disse: “Tá
    descendo morador. Morador é o caralho!”. Sem um alvo aparente, a todo o
    momento, policiais disparavam rajadas de fuzil de grosso calibre em direção
    aos frágeis barracos do morro da Baiana e riam em seguida, visivelmente
    despreocupados.
     
     
     
    O Complexo do Alemão, nos últimos anos, foi considerado pelo IBGE o bairro
    dono dos piores Índices de Desenvolvimento Social (IDS) do Rio de Janeiro.
    Calculado pelo Instituto Pereira Passos (IPP), o cálculo mede o acesso da
    população ao saneamento básico, à habitação, à escola e ao mercado de
    trabalho. Segundo os dados, nas 14 comunidades do maior complexo de favelas
    da cidade, 15% das residências não contam com rede de esgoto; 36,43% dos
    chefes de família têm menos de quatro anos de estudo; um em cada 11
    moradores com mais de 15 anos de idade é analfabeto; na faixa etária entre
    15 e 17 anos, 11,37% das meninas já são mães; 60,55% dos trabalhadores
    ganham, no máximo, dois salários mínimos; na faixa etária dos 15 aos 17
    anos, 27,83% dos jovens não frequentam a escola; e por aí vai.
     
     
     
    Os 308 hectares das 14 favelas do Complexo do Alemão — consideradas um só
    bairro desde dezembro de 1993 — não são apenas um reduto do tráfico
    varejista, mas também um reduto da pobreza. Sedentos de sangue dos pobres,
    os reacionários da imprensa burguesa,esbravejam que a mega-operação das
    tropas do Estado é um marco na história do combate ao crime organizado no
    Rio de Janeiro. E as dezenas de fuzis e equipamentos vendidos a esses
    confusos traficantes varejistas, todos os dias, por policiais, militares do
    exército e outros cães das tropas do Estado? E as visitas diárias de PMs do
    16° batalhão ao conjunto de favelas do Alemão para a sagrada coleta do
    ‘faz-me rir’, do ‘arrego’, da propina? Muitos podem afirmar que os que
    defendem os direitos humanos, os ‘advogados de bandidos’, estão tristes por
    conta da ‘brilhante’ ação do braço armado das classes dominantes; sem
    mortes, apenas prisões. Verdade seja dita: os episódios da última semana
    revelam a retórica do poder da comunicação. A capacidade do monopólio da
    imprensa de forjar uma opinião, de manipular as massas e fazê-las acreditar
    que a pobreza, a marginalidade, são problemas de polícia.
     
     
     
    A realidade escondida por trás dessa cortina de fumaça revela um mundo onde
    muitos trabalham pela amarga sobrevivência, ao tempo em que uns poucos
    apreciam o bom, o melhor, de pernas para o ar. Os mesmos que intimidam as
    massas com arrochos salariais, seguidas flexibilizações dos direitos dos
    trabalhadores, opressão ferrenha aos camponeses pobres, estudantes e
    operários e criminalização ininterrupta da pobreza e dos movimentos
    democráticos e progressistas. Esses, num dia que está por vir, amargarão a
    insurreição, o levante dos que trabalham contra os que exploram. Engolirão a
    seco as fileiras de trabalhadores insurretos, insatisfeitos e dispostos a
    fazer dessa sociedade, uma sociedade igual para todos. E nesse dia, nessa
    era, o povo assaltará os céus, deixando para trás apenas a lição capitalista
    de como funciona uma desumanidade, suas mentiras e seu sórdido rastro de
    charlatanice.
     
    Texto de Patrick Granja

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