Jornalismo, globalismo e a nova estrutura de poder


(O artigo é meio antigo, mas creio que cada vez mais válido)

O entendimento das transformações contemporâneas dos meios de comunicação só é possível dentro das transformações econômicas e geopolíticas do final do século 20. E o fenômeno de maior destaque é a globalização. São transformações que não só atravessam as nações e as regiões, como conformam uma realidade geopolítica global. É uma realidade emergente mas já perfeitamente perceptível. É preciso entender que nesse ambiente pontificam as multinacionais que atuam em quase todos os setores, inclusive no da comunicação, e são as novas estruturas mundiais de poder.

Uma das faces da realidade política global é a formação e a atuação das corporações multinacionais de mídia. Elas não só agilizam a difusão se notícias no mundo, como elegem temas e assuntos e editam o material jornalístico que vai para o ar. Assim, assuntos que podem ser considerados irrelevantes em alguns países são divulgados nos quatro cantos do mundo e às vezes ganham importância após essa divulgação. E a mídia influencia decisivamente a opinião pública mundial, e não mais regiões ou países. O caso do enclave de Kosovo é um exemplo de divulgação de uma situação específica da ex-Iugoslávia que, se fosse deixado apenas para a imprensa brasileira, não teria o destaque e a importância que tem, nem a Otan estaria pressionando tanto a ponto de fazer uma retaliação militar. Recentemente, um vendaval na América Central matou milhares de pessoas e, no entanto, a mídia brasileira deu pouco destaque à tragédia. Notícias e imagens não faltaram, ainda assim quase nada foi divulgado. Talvez se a tragédia tivesse acontecido na Bélgica... A ação da mídia não quer dizer que o leitor, ouvinte, espectador, audiência ou público é inerme, passivo. Mas é preciso destacar que os meios de comunicação, informação e análise organizados na mídia e na indústria cultural agem com muita força e preponderância no modo pelo qual se formam as consciências pelo mundo afora.

David Held, no livro Democracy and the global order, diz que a sofisticação da tecnologia de persuasão, no último meio século, modificou as velhas regras de comunicação humana. À medida que a indústria de publicidade e relações públicas torna-se cada vez mais hábil em controlar a opinião pública, as posturas, as crenças e os sistemas de valores, foi se tornando um imperativo manter o segredo e levar a população a reprimir a consciência daquilo que os manipuladores estão tramando. Held diz que está na mão da mídia, ainda, a última direção do consumo, do divertimento, da política e da religião, com suas promessas de reduzir a ansiedade.

No Brasil contemporâneo, há inúmeros exemplos disso, importados ou não. A premiação do Oscar pode fazer voltar ao circuito cinematográfico O resgate do soldado Ryan, que saíra de cartaz e voltou por causa da grande importância que a mídia dá à premiação; assim como os espaços publicitários usados para recuperar um empreendimento comercial que, aparentemente, estaria esgotado. Outro exemplo é a Tiazinha, um fenômeno comportamental que se tornou comercial e tem seu sucesso garantido enquanto tiver espaço com seu personagem sadomasoquista na mídia.

Escala mundial

Há os exemplos internacionais que mostram que a mídia se transformou no intelecto orgânico de classes, grupos ou blocos de poder dominantes no mundo. E que atua decisivamente nos diversos segmentos sociais, sejam eles religiosos, sindicais ou políticos. Talvez só a competição entre mídias internacionais tenha impedido uma clara comparação do ditador iraquiano Saddam Hussein com Hitler ou Mefistófeles. Mas chegou-se bem perto disso.

A operação da mídia atual é em escala mundial. Annabelle Sterbeny Mohammad afirma no livro The global and the local international communications que a esfera da mídia faz tempo conta com suas corporações globais, as quais tendem a tornar-se crescentemente maiores e mais poderosas à medida que o século corre para o seu fim. E o Brasil não está fora disso. Não só com a internacionalização das empresas brasileiras, pela venda de ações no mercado mundial, como na possibilidade física de investimentos estrangeiros diretos. A questão que está sendo analisada pelo Congresso e tudo indica que terá parecer favorável. De outro lado, a participação efetiva já ocorre com inúmeros canais de TV via satélite, a cabo ou não, à disposição em qualquer ponto do território nacional. Já é possível, entre jornalistas, comparar as edições dos telejornais internacionais e brasileiros, tanto na TV aberta como na fechada. Entre as mídias globalizadas, o destaque é para a TV, cada vez mais instantânea, multilingual. Já há programas em português gravados e editados fora do Brasil – integrando de regiões, países e continentes, disponíveis em qualquer ponto do planeta. É curioso assistir a um repórter russo falando português para uma emissora americana que transmite para o Brasil.

Como em outros momentos da história da humanidade, a comunicação é um elemento básico de qualquer sociedade. A mídia torna essa comunicação possível, ajuda a sociedade a compreender as idéias políticas e culturais e contribui para formar a opinião pública e o consenso democrático. Ela, porém, por mais instantânea, capitular, interativa ou mundializada que seja, está distante do mítico "Big Brother" de George Orwell. A mídia não controla a opinião pública, antes divulga o jornalismo, que é o ato de contar a uma parte da sociedade o que a outra parte está fazendo. Contribui para formar a opinião pública, mas não tem o controle sobre ela. Nem que queira. Seus comunicadores, geralmente jornalistas e âncoras, são difusores de opinião, e não formadores de opinião. Não são doutrinadores nem condutores de povos. A mídia não lhes dá esse poder. Entretanto a facilidade de falar com as pessoas provoca um contraditório: a obrigação de respeitar princípios éticos em suas atividades.

A ética e a moral devem ser entendidas de acordo com seu tempo histórico e o arcabouço cultural de cada povo. Com a globalização das comunicações, há que se discutir o que é consensualmente ético e moral no mundo, uma vez que é impossível passar uma régua nas características de cada povo ou civilização. Como conciliar os feriados religiosos dos diversos povos, de diversas religiões do mundo? Como convencer a população de Formosa, que é budista, de que o feriado é no dia 25 de dezembro, e não 8 de abril, data do nascimento do Buda? As relações internacionais cada vez mais intensas impõem não só feriados como moda, comportamento, preocupações e assuntos de interesse.

A mídia também tem a ver com isso. Mas há questões que podem e estão sendo globalizadas – como o genocídio, o trabalho infantil, a fome, o analfabetismo, as drogas etc. Outros são deixados de lado porque não há consenso – como preferências políticas, religiosas, sexuais etc. Há que se exigir dessa mídia os mesmos comportamentos éticos que se exigem dos que falam através delas. É um caminho longo, uma vez que isso não está resolvido nem nacionalmente, quanto mais mundialmente. Mas a aceleração do processo histórico neste final de século é de tal ordem que as coisas vão mudar em uma velocidade maior do que muitos imaginam.

Difusão e conquista

A globalização da mídia destaca cada vez mais a cultura da imagem, ou da televisão. Alguém já disse que o que não aparece na televisão não existe, outros questionam se somos cidadãos ou espectadores... E isto vale para produtos e marcas de consumo, partidos políticos e religiões. Ninguém pensa mais em ganhar uma eleição sem a TV, alguns até atribuem vitórias e derrotas a ela. O globalismo está ressuscitando um velho ditado chinês, de que uma imagem vale por mil palavras. E a imagem é elemento integrador de informação, porque pode falar por si só. Veiculadas em escala mundial, imagens de acontecimentos sociais podem ser entendidas por pessoas espalhadas por todo o mundo, ainda que haja a barreira da língua. Não é preciso saber sérvio para entender que a Otan bombardeia Belgrado.

As multinacionais de comunicação são as que mais colaboram para o enfraquecimento dos Estados nacionais, nascidos na modernidade e consolidados na época contemporânea. São as que mais influenciam, pois seu business é a difusão de idéias, notícias e entretenimento. Reproduzem os objetivos e práticas das nações capitalistas desenvolvidas, ou centrais, e criam ou consolidam conceitos globais. Ao mesmo tempo em que contribuem para a formação de uma opinião pública globalizada, ganham dinheiro com isso. No dizer do sociólogo Otávio Ianni, a mídia forma e conforma ou influencia decisivamente mentes e corações de muitos, da grande maioria, em todo o mundo, compreendendo tribos, nações e nacionalidades ou continentes, ilhas e arquipélagos.

A sustentação econômica da mídia globalizada se dá cada vez mais pela publicidade. As verbas estatais, polpudas durante o período da Guerra Fria, quando o embate ideológico era mais visível, estão definhando. O embate hoje se dá pela difusão de produtos de consumo e conquista de mercados globais. A publicidade se confundiu com outras manifestações culturais, como religião e política. Ela suporta, e por isso influencia fortemente, a difusão e a interpretação de notícias no mundo globalizado.

(*) Jornalista da TV Cultura e do Sistema Globo/CBN de Rádio.


Fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd050599.htm#debates01

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