7 Fatos do Machismo Diário

Este post foi originalmente publicado no Papo de Homem a convite de seus editores, com o título “7 Mitos Machistas que eu e você reproduzimos”. Ele está sendo republicado aqui na íntegra como foi enviado. Outro post nosso que também foi publicado lá é o “Conselhos a um machista em redenção” que em breve terá o original republicado aqui.
Machista parece uma palavra tão distante. Às vezes soa como um xingamento tão ingênuo e ofensivo quanto “cabeça de melão”. Outra vezes, parece meio fora de contexto. Datado. Mas o que é machismo?
 Machismo [...] é a crença de que os homens são superiores às mulheres.” (Wikipédia)
Ler a citação acima torna tudo um tanto agressivo demais. Porque define que um machista é alguém que crê que homens são melhores que mulheres. E, obviamente, ninguém vai sair por aí falando isso seriamente. A questão aqui não é se rotular ou apontar para as pessoas acusando quem é ou não machista. O que importa é assumir a existência do machismo presente na sociedade que oprime mulheres e homens.
"Não sou machista, tenho mãe!" - Carlos Maçaranduba, personagem do humorístico Casseta e Planeta.
Antes de tudo, é bom deixar claro que vivemos numa democracia. E é esta democracia que permite a expressão da nossa opinião a hora que quisermos. Temos o poder inclusive de ofender uns aos outros, porém, quem ganha com isso? A democracia é constituída pelas pessoas com suas idéias, preconceitos e diferenças. Se falo o que bem entendo sem pensar no outro, quem ganha com isso? Então, vamos lutar até o fim pelo direito de livre expressão, mas também lutar pela democracia mais ampla e justa para todos.
“Ela [Marinor] não pode ver um heterossexual perto dela que sai batendo. Ela não pode ver um macho que fica louca. Tem que ter um projeto para criminalizar o preconceito hetero.” Jair Bolsonaro
O título desse texto é direcionado para quem acha que o machismo não existe, mas as pessoas que acreditam no machismo também deveriam lê-lo. O machismo não está na cabeça de uma ou duas pessoas. Assumir a existência de um problema social é o primeiro passo; conhecer suas consequências e entender por quê isso é um problema são os passos seguintes. Há mais do que 7 fatos que poderiam ser citados, mas vamos ficar com este número cabalístico para começo de conversa.
Imagem de Paul Lowy, no Flickr em CC alguns direitos reservados
1. Homem é tudo igual.
 Quantas vezes você já chateou alguma mulher ou contou alguma história sua para uma amiga e ouviu a frase: “Mas homem é tudo igual!”? Você é jogado no mesmo balaio que todos aqueles galinhas sem caráter que só querem enganar as mulheres. Pois saiba que muitas mulheres repetem isso por puro machismo, da mesma maneira que ouvimos tantas vezes no trânsito: “Só podia ser mulher mesmo!” O sexismo padroniza as pessoas, coloca-nos em caixas estereotipadas que afetam a maneira como vemos o mundo. Então, se você é um cara macho de verdade tem que agir igual macho, não pode rebolar ao som de Lady Gaga (a não ser em festas de casamento e formatura, devidamente ‘alcoolizado’), tem que estacionar de baliza de primeira, tem que pegar qualquer mulher que der mole, porque senão sua sexualidade estará em dúvida. Mas e aí, você não vai conseguir agir assim para sempre, um dia vão descobrir sua poker face no seu fone de ouvido. Temos que celebrar as diferenças e acabar com essa história de rosa x azul. Porém, o surpreendente não é o senso comum sobre estas constatações ou as piadas feitas a respeito, mas o espanto das pessoas ao encontrar situações e seres humanos que contrariem este senso – como encontrar uma mulher mecânica na oficina, ou um professor homem em uma creche. Ninguém quer ser pré-julgado por habilidades físicas e psicológicas que são atribuídas antes de nos conhecer. Portanto, comece hoje a observar e estimular a pluralidade das pessoas, não se feche em idéias pré-concebidas. Você não quer ser igual a todo mundo, não é mesmo?
2. “Especialistas dão dicas de como lidar com mulheres na política”.
Sinais básicos a serem atentamente observados, assim que a Presidente ou suas ministras (também superiores a vocês) adentrarem qualquer recinto:
a – terninho e cabelo bem penteado: humor estável, dia tranquilo.
b – terninho e cabelo murcho: humor de cão. Tentem remarcar o compromisso para outro dia.
Mulheres são minoria na política. Atualmente temos uma presidenta, 9 ministras de um total de 37, 12 senadoras de um total de 54 e 45 deputadas federais de um total de 513 cadeiras. Então, por sermos novatas no local é importante dar dicas de como as pessoas podem adivinhar nossos pensamentos por meio do formato de nossos cabelos. Claro. É como se a gente chegasse às mesmas conclusões sobre os trajes dos colegas de gabinete; analisar a cor da gravata, o nível de brilho da careca, essas coisas.
 Para ler:
3. Mulheres preferem chocolate a sexo.
Portais de notícias estão cheios de pesquisas que ninguém sabe como são feitas, mas que afirmam categoricamente: mulheres preferem muitas coisas ao invés de sexo. O mais interessante é que ninguém se pergunta por que isso acontece, não é mesmo? Vamos pensar na educação que é dada a homens e mulheres. A virilidade do macho é uma das características mais celebradas, não é à toa que nos filmes pornôs o momento do gozo masculino tem close e estouro de champagne da vitória. Para mulher, o recato. Até mesmo a ciência do início do século XXassegurava como características femininas, por razões biológicas: a fragilidade, o recato, o predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais, a subordinação da sexualidade à vocação maternal. Em oposição, o homem conjugava à sua força física uma natureza autoritária, empreendedora, racional e uma sexualidade sem freios. Então, temos mulheres que não desenvolvem plenamente sua sexualidade há muitos anos, dentro de uma sociedade que até hoje é repressora. Não parece ser à toa que existam tantas pesquisas tentando explicar porque não gostamos tanto de sexo como homens, não é o machismo, na verdade preferimos viver eternamente preocupadas com o peso. Já os homens não gostam de lingerie vermelha.
4. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher.
Sempre que pensamos em brigas de casal vemos pratos voando pela sala. Porém, há uma realidade interna de gritos, humilhações, maus tratos e ameaças. A maioria dos nossos relacionamentos são baseados em posse e desconfianças. No caso das mulheres há o agravante de serem vistas como parte das propriedades do marido. Então, é muito comum o sujeito que está de mal com a vida, descontar na mulher suas frustrações, ao invés de procurar alguém do seu tamanho na rua. Porque a mulher está ali, indefesa e presa a um relacionamento doentio. De acordo com pesquisa da Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc, realizada em 2010, a grande maioria dos homens diz considerar que “bater em mulher é errado em qualquer situação” (91%). Embora apenas 8% digam já ter batido “em uma mulher ou namorada”, um em cada quatro (25%) diz saber de “parente próximo” que já bateu e metade (48%) afirma ter “amigo ou conhecido que bateu ou costuma bater na mulher”. Dos homens que assumiram já ter batido em uma parceira 14% acreditam que agiram bem e 15% afirmam que o fariam de novo. Brigas de casal implicam num cenário de dominação e humilhação. E nós sabemos qual parte do casal é mais comumente inferiorizada. E se inferiorizar mulheres é machismo, vale acrescentar que se omitir frente a este problema também é tomar uma posição sobre ele.
5. Serviço militar obrigatório é coisa de macho.
Todos os homens brasileiros com mais de 18 anos sabem bem o que é o serviço militar. E isso nunca foi uma preocupação para as brasileiras. É mera opção. Tirando os casos dos caras que tem as “costas quentes” ou algum problema físico, todos os homens tiveram o mínimo de preocupação com este fato imutável de suas vidas. Os motivos pelos quais decidiram que apenas os homens comporiam o contingente de nossas Forças Armadas são subentendidos pela maioria das pessoas. Mas você conseguiria listá-los?
Mulheres são mais fracas, alguém tem que ficar em casa cuidando das crianças, etc etc, diríamos nós. Em todos os pontos que pensarmos, vale se perguntar se realmente uma coisa restringe a outra. Porque existem mulheres nas forças armadas do Brasil desde 1980, e elas não são só enfermeiras – soubemos que estão pilotando caças por aí. Mas por que só os homens são obrigados a se apresentar? Qual é o critério que ainda restringe as mulheres da obrigatoriedade do serviço?  O objetivo não é responder exatamente a essas perguntas, como se elas tivessem resposta prontas, mas entender que o machismo prejudica todos nós. As mulheres estão nas forças armadas, todos sabemos que são aptas a cumprir as funções, mas por que só os homens devem se apresentar obrigatoriamente? A questão é biológica ou apenas cultural?
 Para ler:
6. Quem Estupra Mulher Feia Merece Um Abraço.
O humor é uma linguagem e como toda linguagem deve ser livre. O humor também possui um discurso ideológico e é destinado a um público específico. Portanto, deve ser passível de crítica. Há uma categoria no humor que podemos chamar de chavão ou clichê. São aquelas piadas do tempo de nossos avós. São as piadas sobre mulheres feias ou burras, bichinhas, pretos pobres e qualquer outra minoria que possa ser estereotipada. Você já ouviu piadas do tipo: O que são 4 homens brancos heterossexuais num fusca verde? Pois é. Piadas estão aí desde que o mundo é mundo, mas o humor funciona mesmo quando subverte nossa lógica e nos tira do senso-comum. Fazer piada com quem está por baixo socialmente é moleza. Reproduzir preconceitos que são passados há gerações na famílias e fácil. Mulher feia tá aí sendo chamada de canhão na rua todo dia. Quero ver é fazer rir sem apelar para ofensa, como a Wanda Sykes faz. Até violência doméstica pode ser piada, quando é um humor que propõe reflexão sobre os estereótipos reproduzidos que estão sendo representados. Num país onde somos ensinados a não deixarmos ser estupradas ao invés de ensinar que estupro é crime, esse tipo de humor tem um valor simbólico imensurável para identificarmos que o machismo está aí, em homens e mulheres, e é tão naturalizado que pode vir em forma de risos.
“Todo dia 8 de março, volto para casa e vejo um monte de mulheres com rosas vermelhas na mão, no metrô. É um sinal de cavalheirismo, dizem. Mas, no mesmo metrô, muitas mulheres são encoxadas todos os dias. Tanto que o Rio criou um vagão exclusivo para as mulheres, para que elas fujam de quem as assedia. Pois é, eles não punem os responsáveis. Acham difícil. Preferem isolar as vítimas.”
Trecho de “Dispenso essa rosa”, de Marjorie Rodrigues
7. Como você concilia carreira e filhos?
Pense nas revistas semanais ou em entrevistas com homens que sejam campeões esportistas, políticos ou cantores famosos, pessoas que possuem uma rotina cheia e com muitas viagens. Alguma vez você viu alguém perguntar como eles conciliam carreira e filhos? Ou o que mais gostam de cozinhar? Conciliar filhos e carreira parece ser um desafio apenas da mulher. Mas espere, todas as mulheres estão tendo seus bebês por meio de fertilização in vitro com doadores anônimos? Então, como será que os pais dessas crianças conciliam carreira e família? Há escolhas que afetam muito nossas vidas, mudança de cidade, um novo emprego. Porém, há escolhas que a sociedade parece fazer por nós. É obrigação da mulher conciliar carreira e filhos, o papel do homem é apenas ser o provedor. Perdem todos nessa relação. A mulher sobrecarregada que não se desenvolve na carreira e o homem que perde a experiência prazerosa de criar os filhos de forma presente. De acordo com dados recentes do IBGE, mulheres ganham 20% a menos que os homens. Por mais escolaridade que tenham há o elevador profissional não chega até a cobertura, há um teto de vidro que impede as mulheres de ascenderem no mercado de trabalho. Uma das respostas para este problema está no fato de que apenas elas tem que conciliar suas ambições profissionais com a família.
Todos perdem com o machismo.

0 comentário(s):

Postar um comentário

Deixe sua sugestão, crítica ou saudação juntamente com seu contato.

 

© 2009-2012 movimento contestação