A quem interessa interromper o processo de arqueologia da história recente do Brasil?

* Artigo de Oswaldo Munteal publicado na 9ª edição impressa da Vírus Planetário. Clique aqui para saber onde comprar e conferir o conteúdo completo.
“Juscelino, Jango e Lacerda, (…) na minha cabeça, eu não diria que nenhum deles morreu de morte natural. A suspeita e a dúvida existem evidentemente. Se esta Comissão puder aprofundar com fatos e testemunhas, penso que será da maior importância a apuração de tal procedimento.” (Miguel Arraes em depoimento a Comissão da Câmara dos Deputados para apurar as circunstâncias da morte do ex-presidente João Goulart).
O ex-governador Miguel Arraes foi um dos primeiros a suspeitar de algo que salta aos olhos, o fato de Jango ter sido esquecido e a sua morte pouco estudada. A tese da morte natural de Jango é aceita por todos como a história oficial e, por isso mesmo, não precisa ser defendida. Cabe ao historiador sempre a dúvida, a pergunta que é a base da pesquisa científica. E como dizia Max Weber, o elemento essencial na busca da verdade científica: o interesse.
O contexto da morte do ex-presidente está sendo examinado com seriedade pela nossa equipe de pesquisa, com metodologia adequada à documentação e referencias teóricos que nos permitem aprofundar a questão, e não apenas descrevê-la, como era comum no caso dos dedicados copistas medievais.
Para superar a exclusão da vida pública que sofreu o presidente Jango, faz-se mister o uso do conhecimento, de uma sabedoria de porte. A investigação meticulosa acerca do exílio do presidente João Goulart está debruçada sobre um tripé de informações.

1- A rede de relações perigosas que cercou o presidente desde 1954 até o plano para eliminá-lo em dezembro de 1976, que envolveu uma troca intensa de correspondências entre as autoridades da ditadura, objetivando o controle dos deslocamentos do presidente no exterior, a vigilância da sua casa, a infiltração de agentes do cone sul vinculados a Operação Condor e uma teia densa de contatos no exterior que demonstram o temor de que o presidente voltasse ao Brasil.
2- O depoimento do agente uruguaio Mario Neira Barreiro sobre a preparação de uma operação, que foi chamada de Escorpião, para envenenar o presidente. Barreiro é um criminoso e está preso na penitenciária de Charqueadas, mas não devemos ser tão ingênuos a ponto de desprezar um personagem da época. O depoimento do agente é peça fundamental no processo de pesquisa.
3- Numa entrevista recente, o ex-ministro Jarbas Passarinho afirma que durante o governo Geisel havia uma orientação de extermínio dos adversários políticos. Carl Schmitt, em sua densa obra, chama a atenção para o fato de que, em política, a dinâmica amigo/inimigo é muito intensa. Nesse sentido, aquele que está do outro lado é imediatamente qualificado como perigoso e passível de eliminação.
Poucos povos conhecem tão pouco um ex-presidente como no caso de João Goulart. A abertura dos arquivos da ditadura representa um avanço para a democracia brasileira, e consequentemente a apuração de responsabilidades. Não é hora de ter medo.
A quem interessa interromper o processo de arqueologia da história recente do Brasil? Quais são as forças que, por exemplo, se insurgiram contra o PNDH 3 e a sua Comissão da Verdade? Karl Marx escreveu que a história pode se repetir de duas maneiras: como farsa ou como tragédia. Faz-se necessário recorrer ao pensamento crítico quando desejamos chegar ao centro dos problemas.
O terceiro PNDH é ambicioso, abrangente e corajoso. Por definição ele foi, depois das reformas de base, o programa mais fecundo já elaborado pela república.  A rigor, assistimos a um linchamento da mídia e dos setores mais conservadores da sociedade brasileira, que em nome da tradição e dos bons costumes demonizaram as propostas sem a leitura adequada. Já vimos este filme antes e o povo brasileiro morre no final. A grande imprensa parece abominar a liberdade de expressão. Ora, um segmento da sociedade não tem o direito de se expressar? De dar a sua opinião sobre os destinos do nosso país? A ditadura de 1964 deitou raízes profundas, deixou um saldo nefasto e, mais grave, criou defensores.
Os interesses que estão ocultos nas críticas ao conteúdo do III PNDH são aviltantes para a memória nacional. É preciso rever a história recente de nosso país, e a pesquisa sobre as circunstâncias da morte do presidente João Goulart é parte fundamental deste processo. A criação da Comissão da Verdade é um principio ético e constitucional para todos aqueles que defendem o estado de direito. Os magistrados mais respeitados do nosso país reconhecem que toda a América Latina fez a sua revisão histórica a partir de uma relação profunda entre o Estado e os organismos da sociedade civil. O Brasil também precisa acertar contas com a sua história.

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